MP recomenda que não seja vendida bebida alcoólica em formaturas do ensino médio em Jaraguá do Sul

Por: Claudio Costa

10/12/2017 - 16:12 - Atualizada em: 12/12/2017 - 08:29

Em Jaraguá do Sul, 21 escolas terão turmas do terceiro ano do ensino médio finalizadas em 2017. Nas últimas semanas, as unidades escolares da cidade foram notificadas pela 7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Jaraguá do Sul, responsável pela infância e juventude. O Ministério Público de Santa Catarina recomenda que não haja a venda de bebidas alcoólicas nas festas de formatura.

De acordo com o promotor Rafael Meira Luz, a preocupação é garantir o respeito à lei e coibir o consumo por menores de idade. “Eu participo de uma associação nacional de promotores da infância chamada Pró-infância. Um colega de São Paulo desenvolveu um trabalho pioneiro há uns dez anos, em uma cidade que tinha uma grande incidência de alcoolismo entre adolescentes. Haviam problemas com acidentes de trânsito, internações ou conduções para o hospital, nada muito diferente do que nós temos aqui em Jaraguá do Sul. Ele fez um trabalho idêntico ao qual eu faço agora e houve uma aceitação maciça da comunidade que entendeu que festa de formatura não é uma festa que deve haver bebida”, conta o promotor.

Meira Luz explica que as festas servem “para comemorar um feito acadêmico”. Desde que chegou na cidade, o promotor identificou que o problema do consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos é real. “Eu já processei quase todas as boates da cidade porque não conseguem controlar o fornecimento de bebidas alcoólicas para adolescentes. Decidi tomar essa experiência emprestada, instaurei um inquérito civil-público aqui e notifiquei as escolas para que, em primeiro lugar, não façam festas de formatura com bebida alcoólica. Essa é a recomendação. Em momento algum foi falado em proibição”, esclarece.

O promotor ressalta que os responsáveis pelas festas têm responsabilidades civis e criminais. Logo, os pais são responsáveis caso o menor consuma alguma bebida alcoólica. “A partir do ano que vem, os pais que insistirem na ideia de que tenha bebida alcoólica na festa, vão ter que ir até o Fórum para pedir um alvará judicial para a festa. E aí vai dizer quem é o pai ou grupo de pais que vai ser responsável legal pela festa. Não vai ser a escola, não vai ser o clube, não vai ser a empresa de formatura, vai ser o pai. Porque aí quero ver se o pai vai concordar que tenha bebida alcoólica na festa. Esse é o espírito. É muito fácil eu assinar um contrato com a empresa. Se der algum problema, a empresa responde. E a festa corre solta”, considera Meira Luz.

O objetivo da ação do Ministério Público, segundo o promotor, é fazer com que a sociedade reflita qual tipo de formatura de ensinos fundamental e médio quer. “É bebida, é uma Stammtisch que nós queremos para as formaturas? Se é assim, é preciso que cada um assua a sua responsabilidade. Se é uma festa de confraternização, não me passa pela cabeça que um pai não possa passar uma noite sem tomar um porre ou duas, três garrafas de cerveja. Não me passa pela cabeça que uma pessoa não possa ficar uma noite sem beber para comemorar a formatura do filho”, dispara, ao ressaltar que essa é uma questão cultural que precisa ser repensada em Jaraguá do Sul.

O representante do Ministério Público lembra que ação tem como fim principal a preservação da infância e da adolescência. “Às vezes, o pai que deixa o filho na festa não sabe que o outro pai dar bebida para o menor. Pensa que vai deixar o filho em um ambiente seguro, e muitas vezes não é. Quando vai buscar o filho, ele está bêbado”, desabafa.

Festas serão fiscalizadas

O Ministério Público adianta que, apesar da exigência de o alvará judicial começar a valer em 2018, as festas de formatura no município serão fiscalizadas ainda neste ano. O promotor Rafael Meira Luz destaca que o trabalho já foi realizado uma vez. Outros eventos serão sorteados e todas as formaturas serão visitadas. “É como na blitz da Lei Seca. Não vai pegar todo mundo, mas, se pegar, vai ser pesado”, adverte. A fiscalização vai contar com o apoio da Polícia Militar, do Conselho Tutelar e do Oficialato da Infância.

Todo o trabalho realizado pelo Ministério Público contou com o aval do Judiciário. “Tanto que a juíza da Infância, concordando com isso, mudou a portaria que existia sobre a regulação de festas em Jaraguá do Sul. Ela inseriu a obrigação daqueles que querem fazer uma festa noturna de pedir alvará. Agora não deu tempo, mas, a partir do ano que vem, as festas de segundo grau vão ter que ter um alvará, assim como um show do Luan Santana ou um evento do UFC. Inclusive, se houver o consumo de bebidas alcoólicas, o responsável vai ter que descrever como será feita a fiscalização”, sublinha Meira Luz.

O major Aires Volnei Pilonetto, chefe do setor de fiscalização do 14º Batalhão de Polícia Militar, informa que dará suporte ao trabalho. “O 14º Batalhão sempre é sempre parceiro de qualquer a atividade que promova o bem-estar das pessoas. E, ao que parece, a preocupação do Ministério Público e da juíza está no sentido da salubridade, do bem de todos, dos adultos e principalmente dos menores. Sob a ótica da PM, é saudável que o Estado cobre a ação de zelar por esses espaços e cobre a responsabilidade dos organizadores”, aponta o major.

O promotor alerta, ainda, que a pena administrativa para o descumprimento das normas é de três a 20 salários mínimos. A parte criminal é prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois os pais são responsáveis pela festa e pela fiscalização do consumo de bebidas por parte dos menores. Os pais também podem responder a ações cíveis impetradas pela Promotoria de Justiça, como a de danos morais coletivos.

“Essa é a grande questão. Cada pai tem que cuidar do seu filho? Sim. A partir do momento que os pais não cuidam dos seus filhos, alguém tem que ser responsável porque eles estão numa festa e nessa festa tem bebida alcoólica. Alguém tem que ser responsável por esse controle”, reflete Meira Luz.

Assunto de segurança pública

A delegada titular da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso, Milena de Fátima Rosa, relata que o fornecimento de bebidas alcoólicas para adolescentes, mediante a pagamento ou não, gera um crime descrito no artigo 243 do Estatuto da Criança e Adolescente. “Gera, inclusive, a possibilidade de instauração de inquérito policial e prisão em flagrante de quem estiver praticando esta conduta”, comenta.

Milena argumenta que a ação promovida pela 7ª Promotoria de Justiça busca prevenir esse crime. “Essas ocorrências existem. Inclusive, em menor número do que há na prática. A gente já recebeu alguns boletins de ocorrência nesse sentido, mas são bem poucos porque os adolescentes não querem indicar quais seriam as pessoas que forneceram a bebida alcoólica”, assegura a delegada.

Ação desencadeia adequações

Apesar de ser proibido por lei, o consumo de bebidas por menores em festas de formatura é uma realidade. As festas são organizadas por comissões formadas pelos pais, que também se tornam responsáveis pelos eventos. A diretora da Escola de Educação Básica Julius Karsten, Margarete Menestrina Luzzani, explica que unidade escolar fica responsável apenas pela colação de grau. “A direção não se envolve na organização da festa. Os eventos são organizados pelos pais”, anota.

Margarete enxerga como positiva o trabalho feito pelo Ministério Público. Para ela, o simples fato do consumo de bebidas ser vedado aos menores de idade já justifica a ação. “Quando o ser humano bebe, ele se transforma. Na minha escola não houve incidentes graves, mas alguns já passaram mal por causa da bebida. Alguns tiveram que ser levados para casa”, relembra a diretora.

Roberto Krause, proprietário do restaurante da Associação Esportiva e Recreativa Vieirense, um dos locais procurados pelas comissões de formatura, comenta que o controle através de fitas é feito há alguns anos. “Mas haviam os pais que forneciam bebidas para os menores. O que a gente entendeu com essa portaria é que a gente também tem que fazer um controle maior sobre esse tipo de situação”, opina.

Com a recomendação feita pelo Ministério Público, algumas adequações foram feitas pelo estabelecimento para as formaturas dos alunos do segundo grau. “Agora, além do controle de

pulseiras, a gente vai retirar a bebida destilada. A grande maioria dos jovens consome bebida destilada porque é fácil de mascarar. A gente só vai trabalhar com cerveja, água, refrigerante e suco. Além disso, as bebidas serão servidas em copos transparentes. De longe, um segurança ou até um garçom vai visualizar o conteúdo do copo. Essa foi a forma que a gente achou para coibir essa prática”, observa.

Álcool é prejudicial na fase de crescimento

O alcoolismo não é um problema exclusivo dos adultos e acomete também os adolescentes. As autoridades estão cada vez mais preocupadas com o fato de os jovens começarem a beber cada vez mais cedo e as meninas, a beber tanto ou mais que os meninos. Os especialistas relatam que a maior parte deles conviverá com a dependência do álcool no futuro. Não se pode esquecer de que, em qualquer quantidade, o álcool é uma substância tóxica e que o metabolismo das pessoas mais jovens faz com que seus efeitos sejam potencializados.

O álcool em qualquer quantidade é tóxico, principalmente durante o crescimento, quando não só o corpo, mas também o cérebro se desenvolve numa velocidade espantosa. “Na infância e adolescência, o cérebro está em formação. Na adolescência, ele está quase formado, mas falta o capeamento das fibras. O abuso de álcool pode interferir nisso. No futuro, elas não vão ser o que poderiam. Não vão ter um nível de desempenho ágil e rápido do raciocínio, da memória, como deveriam”, ressalta o neurologista Benito Damasceno, da Universidade de Campinas (Unicamp), em entrevista ao Globo Repórter.

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Claudio Costa

Jornalista pós-graduado em investigação criminal e psicologia forense, marketing digital e pós-graduando em inteligência artificial.