Estudante estuprado em Minas Gerais ouviu do agressor: “Você salvou uma mulher hoje”

Por: OCP News Jaraguá do Sul

23/08/2017 - 16:08 - Atualizada em: 23/08/2017 - 17:37

“Eu nunca imaginei escrever um texto como esse. Nunca imaginei que algo que eu luto contra fosse me fazer de vítima um dia. Logo eu, aquele que adora conscientizar os alunos sobre direitos humanos, sexualidade e afins.” Desta forma, o estudante de ciências biológicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e morador de Uberaba (MG), Mateus Henrique, inicia o chocante desabafo postado no domingo (20) em seu perfil no Facebook, em que revela ter sido vítima de tortura e estupro.

Mais do que compartilhar um drama pessoal, o desabafo do estudante Mateus foi publicado horas antes de a professora gaúcha e moradora de Indaial, em Santa Catarina, Marcia Friggi, 52 anos, também expor sua face para o mundo inteiro ao relatar a violência da qual foi vítima. No caso de Marcia, uma agressão a tapas e socos por parte de um aluno de 15 anos que expulsou da sala de aula por mau comportamento.

E ambos, ao compartilharem as histórias violentas das quais se tornaram protagonistas, experimentaram a força das redes sociais ao verem em poucas horas as mesmas se multiplicarem, provocando uma verdadeira comoção nacional. Além da face solidária de grande parte da população, ambos também experimentam a maldade e o ódio incontido de milhares de desconhecidos que se acham no direito de julgar as vítimas e jogá-las na condição de agressores.

A história de Marcia atingiu em pouco mais de 30 horas mais de 400 mil compartilhamentos na primeira postagem, entupindo sua rede social com milhares de comentários. Nesta quarta (23), vítima de agressões por desconhecidos, ela optou por restringir o acesso em seu perfil. Já o perfil de Mateus Henrique teve em cerca de 48 horas mais de 29 mil curtidas, mais de 3.600 compartilhamentos e milhares de comentários.

Mateus foi vítima de sequestro, tortura e estupro por parte de um motorista que dirigia uma camionete preta e o abordou durante sua caminhada matinal, no domingo. Depois de passar por horas de terror, com uma arma dentro da boca, ele ouviu do agressor  que ele queria uma menina, que provavelmente ia matar depois do crime, mas como o encontrou antes da menina, ele ia salvar a vida dela. ‘’Parabéns, você salvou uma mulher hoje”, disse o criminoso, ao abandoná-lo na beira de uma estrada.

 

CONFIRA O DEPOIMENTO:

“Na manhã desse último domingo (20), durante minha caminhada matinal, eu, Mateus, homem cis – no latim, cis significa “do mesmo lado”. Cisgênero é um homem que nasceu com pênis e se expressa socialmente como homem (expressão de gênero), é decodificado socialmente como homem (papel de gênero) por vestir-se/comportar-se/aparentar com aquilo que a sociedade define próprios para um homem, e reconhece-se como homem (identidade de gênero), logo, é um homem (gênero) – 23 anos, fui vítima de um estupro. Não foi sequestro, não foi assalto e mesmo que pareça, não foi homofobia. Foi estupro.

Eu não daria conta de reproduzir aqui o meu depoimento, e tampouco sei se algum dia darei. Em resumo, um sujeito para de carro do meu lado, aponta uma arma na minha cara e me faz escolher entre entrar no veículo ou levar um tiro ali mesmo. E não, não tinha ninguém na rua, e também não, não tinha como correr. Ele roda um tempo, entra na mata, e o ato com paus, pedras e arame farpado começa.

Caso eu quisesse gritar, a arma na minha boca não deixaria. Até o fim vocês conseguem imaginar o que ele fez com esse material em mim. Não foi sexo, foi tortura. Mas como eu saí vivo? Segundo o cidadão, ele queria uma menina que provavelmente ia matar depois, já que encontrou só um garoto, esse ia salvar a vida dela. ‘’Parabéns, você salvou uma mulher hoje’’ disse ele depois de me amordaçar, amarrar e mandar correr descalço no asfalto quente antes que ele voltasse com outra ideia. O mal do ser humano não termina aí. Durante esse percurso (de quase uma hora e meia) encontrei mais de 20 pessoas e todas me negaram ajuda.

Acharam que eu era drogado, assaltante… tudo bem, eu entendo, mas não custava chamar a Polícia que era a única coisa que eu conseguia gritar. Eu estava sozinho. Com medo. Por fim, um motoqueiro me faz esse grande favor e depois de meia hora chega a bendita polícia. Mas não se enganem, nem os policiais e nem a equipe médica tava preparada pra um caso desses. ‘’Mas você conhecia o agressor?’’, ‘’Por que você não correu?’’, ‘’Ele não titubeou nenhum momento pra você se aproveitar?‘’ e ‘’O indivíduo alega’’ foram as melhores pérolas que ouvi. Como sempre a culpa é da vítima.

Sempre achei brega as pessoas que usam o Facebook como diário. Porém, numa sociedade tão cretina como a nossa é importante reafirmar que estupro existe e não é mimimi. Existe, e homens – gays, héteros, bi – não são imunes. Acreditem, eu escrevo esse texto com muita dor, relutância, vergonha e absolutamente nenhum orgulho. Debati comigo mesmo várias vezes se isso realmente ia servir de alguma coisa e pode ser que eu me arrependa.

Eu só queria terminar minha graduação que já ta no finzinho. Só queria curtir as festas com meus amigos que tão se formando. Só queria passear com meu cachorro todo dia de manhã. Só queria paz de espírito e estabilidade emocional. Mas eu juro pra vocês que um evento desse porte faz a vida de qualquer um perder o sentido. Faz a gente se perguntar o porquê disso tudo. Quem sou eu agora?

Os procedimentos médicos e jurídicos estão sendo feitos. Não, eu não to bem. Me sinto humilhado, envergonhado, assustado. Cada lembrança é um pesadelo. Eu olho pro meu corpo agora e só penso que cada corte, cada ferimento e cada dor, vão se transformar em força, em esperança, em renascimento. E isso graças a minha família que tem sido incrível – todos eles – e aos amigos.

Se você chegou até aqui e ainda não tá acreditando, eu te reafirmo. Isso é sério e a minha ficha também não caiu. No mais, a minha vida não vai parar por isso. O baile seguirá.

Denúncia anônima levou PM à vítima

Segundo o boletim de ocorrência da PM, \Mateus Henrique foi encontrado por volta das 12h deste domingo, após receber uma denúncia anônima sobre a existência de uma pessoa ferida, com mãos e pés amarrados, às margens de uma estrada do bairro Jardim Eldorado. No local, a polícia viu Mateus, de calça e sem camisa, com arranhões pelo corpo e pedaços de galhos secos no lóbulo da orelha esquerda. “Deparamos com o senhor Mateus sentado na beira da estrada bastante abalado psicologicamente”, descreveu a PM no boletim.

No hospital, onde recebeu os primeiros socorros, a médica plantonista constatou a violência sexual sofrida. De seu corpo, relatou Mateus, foram retiradas pedras, apenas um dos meios utilizados pelo agressor no que o jovem qualifica como tortura. “A intenção dele era pegar gente dessa idade, entre 19 e 25 anos, independente de ser homem ou mulher. Ele me disse que essa juventude está corrompida e que, provavelmente, se fosse mulher, a mataria depois”, relatou Mateus sobre o que ouviu do agressor, que ainda o “parabenizou” por ter “salvado” uma mulher.

Abandonado na beira da estrada, Mateus Henrique  contou à reportagem do G1 que pelo menos 20 pessoas teriam passado e se negado a prestar-lhe socorro. Até que um mototaxista chamou a polícia, que demorou cerca de meia hora para chegar. “Andei 15 minutos amarrado e amordaçado e as pessoas não me ajudavam. Pensei que iam me bater e um chegou a rir de mim. Eu entendo que as pessoas pensaram que eu fosse assaltante ou drogado, mas foi horrível a omissão de socorro”, desabafou. Ele diz que também teve que lidar com os despreparo dos policiais, que teriam tratado o caso, inicialmente, como um assalto.

Recuperando-se dos ferimentos em casa, Mateus está à base de medicamentos, enquanto aguarda o início das investigações, na expectativa de o agressor seja identificado.

Em postagem publicada na internet neste domingo (20), jovem falou sobre o sentimento de vergonha diante da violência sofrida | Foto Reprodução/Facebook/Mateus Henrique

Desabafo e apoio

Nas redes sociais, continuam a se multiplicar as manifestações de solidariedade e apoio ao estudante. “Sempre achei brega as pessoas que usam o Facebook como diário. Porém, numa sociedade tão cretina como a nossa, é importante reafirmar que estupro existe e não é mimimi”, escreveu em sua postagem. “Acreditem: eu escrevo esse texto com muita dor, relutância, vergonha e absolutamente nenhum orgulho. Debati comigo mesmo várias vezes se isso realmente ia servir de alguma coisa e pode ser que eu me arrependa.”

No retorno dos leitores do desabafo, Mateus diz ter encontrado esperança. “O que mais me surpreendeu depois da postagem foi que, para cada uma dessas 20 pessoas que não me ajudaram, existe o dobro de comentários positivos e de esperança para mim. Me faz pensar que a sociedade tem sim uma esperança e que existem pessoas boas no mundo”, observou.

Em uma das mensagens postadas para o mineiro, um internauta usou o marcador “a culpa não é da vítima” para manifestar solidariedade.

“Me senti abusada também. Logo você que não merece um pingo disso tudo. Espero que seus amigos o amparem e possam lutar com você para fazer Justiça e tentar, pelo menos, mudar 1% dessa parte nojenta da sociedade. #AculpaNUNCAédavitima.”

“Não foi exposição seu relato e sim um ato solidário de, mesmo estando sofrendo de modo imensurável, relatar o que houve para contribuir com nossa sociedade tão omissa e agressora”, escreveu outra pessoa.

Após desabafo na internet sobre estupro, Mateus recebeu apoio de internautas | Foto Reprodução/Facebook/Mateus Herinque