A mãe da menina supostamente morta pelo pai em Guaramirim deu uma entrevista para a imprensa na noite desta quarta-feira (16), durante uma manifestação. Franciele Beregula, de 31 anos, esteve no local na noite anterior ao crime. “Ele ia me matar junto com a minha filha”, disse Franciele.
A mãe de Evelyn Vitória Modrock, de cinco anos, contou que era casada com Ubiratan Luis Modrock, de 39 há sete anos. Durante o relacionamento, Franciele afirmou que sofria violência psicológica e era constantemente traída pelo companheiro. “Ele ficava falando que eu era feia, que eu era burra”, afirma.
Franciele conta que a decisão da separação aconteceu após descobrir mais uma traição há um ano. Ela lembra que decidiu se separar no dia do aniversário de quatro anos da filha. Depois de um pedido de perdão aos prantos e de uma reconciliação para cuidar da filha, a mulher decidiu voltar para o companheiro.
“Eu disse que daria mais uma chance para não ver a minha filha sofrer, para ela não crescer longe do pai. Em janeiro deste ano, após descobrir outra traição, ele entrava em sites pornográficos e de relacionamentos, eu disse que não aguentava e que não queria isso pra minha vida”, conta.
A mãe de Evelyn revelou que deixou a filha morando com o ex-companheiro porque ele não quis sair de casa. Ela frisou que não queria ter mais brigas e queria preservar a filha. Ubiratan não aceitava o fim do casamento, fazia ameaças e pedia para voltar.
Guarda da criança
Franciele e Ubiratan tinham uma guarda compartilhada, mas não havia uma decisão judicial sobre a questão. Porém, o pai não cumpria com os acordos feitos informalmente e não permitia que a menina ficasse sob os cuidados da mãe.
Segundo Franciele, o processo de guarda estava na Justiça e acabou ficando parado porque os dois pegaram o mesmo advogado. A mulher acusa o ex-companheiro de não dar andamento na ação.
“Quando a gente se separou, ele disse que a gente poderia pegar o mesmo advogado para evitar gastos. Há um mês, quando eu peguei outra advogada, eu vi que estava estranho porque o processo não andava. O advogado falou que o processo estava parado porque ele não pagava. E agora eu precisava aguardar uma chave”, recorda.
Isolamento
Ubiratan e Evelyn acabaram pegando Covid-19 e ficaram em isolamento. Neste período, Franciele se ofereceu para cuidar dos dois. Sob o argumento de que a mulher os abandonou, o ex-companheiro não aceitou a oferta.
“Ele me fez ameaças e disse que eu iria ver os dois no caixão, que eu iria ficar com tudo isso aqui, mas não iria ficar com a minha filha. Eu chamei a polícia e disse que ele estava ameaçando a vida da minha filha”, lembra.
De acordo com a mãe, os policiais militares verificaram a situação e conversaram com Ubiratan. Eles relataram que Ubiratan estava calmo e que os vizinhos disseram que estava tudo normal. O pai contou aos PMs que não iria fazer mal para a criança. “Ele disse que isso era coisa da minha cabeça”, lamenta Franciele.
Ela relata também que Ubiratan saía com a filha constantemente para evitar que ela encontrasse a menina. O pai foi até o Conselho Tutelar em busca de alguma medida para afastar a mãe. Então, Franciele foi chamada para conversar com os conselheiros.
“Eu levei os prints e imprimi as conversas mostrando que ele estava me ameaçando. Ele falou: ‘isso é invenção da cabeça dela’. A gente fez o acompanhamento pelo Creas e eu falei pra eles que ele não estava me deixando ver ela, fazendo a cabecinha dela”, relembra.
Um dia antes da morte
Na quinta-feira, Fraciele voltou a entrar em contato com o Conselho Tutelar. A mãe de Evelyn foi orientada a fazer um boletim de ocorrência caso Ubiratan não entregasse a menina e que chamasse os conselheiros.
Evelyn estava com dor na garganta e com feridas na boca há alguns dias. Na sexta-feira, Franciele foi até a casa do ex-companheiro para ajudar a cuidar da filha.
Porém, os dois tiveram uma discussão e Ubiratan mandou a ex-mulher embora da casa. O ex-marido voltou a acusar a mãe de ter abandonado os dois e que iria cuidar de Evelyn sozinho.
Vendo a discussão, a criança começou a chorar e Franciele acabou indo embora para terminar com a situação de conflito. Ela foi até uma vizinha, Ubiratan foi atrás e, aconselhado pela mulher a deixar a filha aos cuidados da mãe, convenceu a ex-companheira a voltar para casa.
“Ele falou: fica aqui, mas fica quieta se quiser ficar. Ele começou a puxar briga de novo e disse que eu havia abandonado ela, que ela estava sofrendo por causa de mim”, afirma, ao contar que se ofereceu para fazer uma sopa para a menina.
Após Ubiratan insistir em fazer a janta para a criança, Franciele foi embora. Mas recebeu diversas mensagens do ex-companheiro dizendo que ele não conseguia fazer a sopa. Ele chegou a pedir que Franciele procurasse algum lugar para comprar a comida ou voltasse para a casa para fazer.
Ao contar que o ex-marido dificultava o contato com a filha, ela disse que foi até o condomínio. Ela encontrou Ubiratan calmo, fez a sopa, deu os remédios e achou que ele havia se conscientizado sobre o mal que estava fazendo ao fazer isso. Franciele foi convidada a dormir na casa para cuidar da menina.
“Eu queria dormir aqui, mas, ao mesmo tempo, eu não conseguia dormir. Ele insistiu para eu dormir aqui com ela. Eu falei com ela, disse que a amava e que iria voltar pra fazer o almoço. Ela falou que queria ficar com o pai. Ele disse pra eu dormir aqui, mas eu falei que iria voltar de manhã”, explica.
Quando ela chegou em casa, Ubiratan ligou para a ex-mulher dizendo que precisava de ajuda para levar a menina para o hospital. Como ela estava medicada e com 37°C de febre, ela disse que não havia necessidade de encaminhar a menina para o pronto-socorro.
“Ele ficava insistindo pra eu vir aqui porque ele ia me matar junto com a minha filha. Todo mundo sabe que ele não deixava eu entrar aqui. Naquela tarde, ele mudou totalmente o jeito de me tratar. Eu achei que ele iria deixar eu cuidar da minha filha, mas ele queria fazer mal para nós, não queria me deixar cuidar dela”, revela.
PM registrou boletim de ocorrência
A reportagem do OCP procurou o comando da 2ª Companhia do 14º BPM (Batalhão de Polícia Militar) sobre o caso. A Polícia Militar foi chamada para atender a uma ocorrência no dia 21 de março deste ano, um domingo, por volta das 19h30, três dias após pai e filha saírem do isolamento.
Os policiais militares foram chamados para uma ocorrência de descumprimento de uma decisão judicial sobre a guarda de Evelyn. Porém, eles verificaram que não havia uma guarda compartilhada ou qualquer decisão judicial formalizada.
No boletim de ocorrência, Franciele relata que o pai disse que iria matar a filha e se matar. Durante a conversa, ela se sentiu mal e foi socorrida pelos Bombeiros Voluntários de Guaramirim.
Ubiratan estava fazendo a filha dormir no momento em que os policiais chegaram na residência. Os policiais militares verificaram que Evelyn estava bem e que estava bem à vontade com o pai. Ele disse que havia um acordo prévio com a ex-companheira sobre a guarda.
Os PMs orientaram o casal a procurar o Fórum o mais rápido possível para formalizar a guarda da filha. Ao final do atendimento, Franciele disse que não queria pegar a filha porque teria que trazer na manhã seguinte para ficar com a babá e que queria apenas conversar.
“Ultrapassa o poder da Polícia Militar decidir com quem fica o filho em caso de separação dos pais. Nós estivemos no local, a criança estava bem tratada. Sem uma decisão judicial, não teria como a Polícia Militar interferir e decidir com qual dos pais a criança ficaria, isso configura, no mínimo, um abuso de autoridade”, comenta o comandante da 2ª Compahia do 14º BPM, major Edson Jesus da Silva.
Silva reitera que o boletim de ocorrência gerado naquele dia acabou por desencadear uma série de ações por parte dos órgãos do poder público.
Relatório para o Ministério Público
O Conselho Tutelar foi procurado inicialmente por Ubiratan. Ele informou que havia se separado da ex-companheira, mas demonstrava que não aceitava o fim o relacionamento. A primeira orientação foi para o casal procurar o meio jurídico para definir a guarda da criança e questões como a pensão alimentícia.
Segundo a conselheira tutelar Everli Safanelli, o casal optou por uma guarda compartilhada, mas não havia um diálogo entre os pais de Evelyn, o que acabava inviabilizado o convívio entre os pais e a menina.
“Ele usava a criança porque não concordava com essa separação. Ele alegou que a Franciele saiu de casa e não tinha condições de manter a menina no apartamento que alugou. Por isso, ele mantinha a menina junto dele. Mas o Conselho Tutelar sempre orientou que essa guarda deveria ficar com o pai e com a mãe”, explica.
Franciele foi chamada até o Conselho Tutelar e acabou apresentando uma versão diferente dos fatos. Ela afirmou que Ubiratan não deixava ter contato com a menina. Então, os pais foram chamados junto com Evelyn para verificar a situação de acusação mútua entre os dois.
“Foram feitas várias conversas. O Conselho Tutelar tentou alertar os dois de que não estava dando certo a guarda compartilhada e que procurassem novamente ajuda jurídica para fazer a guarda unilateral, que um ficasse com a guarda e ficassem prescritas visitas aos fins de semana”, conta.
Diante da situação, foi dado o encaminhamento da família para o Creas, pois havia a situação da alienação parental de ambas as partes. Porém, o casal continuava a ter discussões e a formular boletins de ocorrência.
“Conversando com a equipe técnica do Creas, nós achamos melhor enviar um relatório para o Ministério Público. Faz 15 dias que mandamos esse relatório para que o Ministério Público responsabilizasse esse pai e essa mãe. No caso, não deu nem tempo”, afirma Everli.
“Na quinta, uma outra conselheira tutelar falou com ela. Ela disse que fazia 30 dias que o Ubiratan estava com a menina e não deixava ver ela. A orientação foi de ir até a casa e buscar a filha. Se ele não entregasse a menina, era para ligar para PM e chamar o Conselho Tutelar, porque nós iríamos até lá. Só que a ligação não veio”, completa.
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