O sim o não e o Mesmo

(Foto: Divulgação)

Por: OCP News Jaraguá do Sul

12/04/2016 - 08:04 - Atualizada em: 12/04/2016 - 09:13

Quem é você ? – gritou Dilma.

– Eu sou o Mesmo! – respondeu uma voz do fundo do Alvorada.

A voz partia de uma névoa escura, uma aparição que tinha vagos contornos humanos, rostos, bigodes, barrigas e gravatas de políticos brilhavam na viscosidade da gelatina que flutuava no infinito salão do palácio.

– É tarde da noite, não há ninguém aqui! Quem é você? – berrou com todo o pulmão, mas a criadagem, acostumada a seus gritos não se moveu da cozinha.

A presidente achou que era um pesadelo. A voz adivinhou:

– Eu não sou sonho. Sempre estive aqui, esperando. Sou paciente. Eu sou a essência do Brasil, presidenta. Eu sou aquilo que nunca muda, debaixo de todas as mudanças. Por isso, sou o Mesmo.

Eu sou o erro brasileiro dissimulado, a paralisia eterna que segura o país. Estou em todas.

Quando o Jânio Quadros tomou um porre, pegou o boné e foi embora, eu estava ali na sua psicopatia, estava ali no uísque dele, estimulando-o a renunciar. E ele se foi. “Eu fí-lo porque quí-lo” – assim ele falava. Eu estava até na caspa dele espargida pelos ombros.

– Mas eu lutei contra a ditadura…

– Sim. Mas em 63 eu não estava na ingênua coragem que animava vocês todos, presidenta. Eu morava mesmo era na absurda esperança de que iam derrotar o exército só com espingardas de chumbo; eu estava também na lerdeza triste e coxa de João Goulart querendo escapar de sua missão “revolucionária”.
Na ditadura, eles nunca sabiam onde eu estava. Eu não estava numa certa decência que o Castelo Branco tinha; eu estava em sua feiura, na sua corcundinha. Depois, eu estava na extraordinária burrice de Costa e Silva ou na gargalhada perua de d. Yolanda, sua primeira dama.

Nunca estou onde pensam. Eu não estava na sinistra perversidade do Medici, que abriu as portas para a tortura. Não. Eu estava escondido no seu amor pelo Flamengo, em sua fama de bom pai, eu era sua ilusão de que salvaria a Pátria; depois, eu estava na honradez burra do Geisel, que não ouvia ninguém e que só em usinas atômicas jogou fora 30 bilhões de dólares; eu estava nos colhões do Figueiredo, em sua sunguinha atlética, em seus cavalos que, para ele, cheiravam melhor que o povo.

– Mas, você quer o quê de mim?

– Nada. Eu não quero nada. Vocês é que voltam sempre a mim, me habitam, desembocam em mim, entende? Eu nunca estou nas dúvidas. Estou sempre nas certezas.

Por exemplo, quando o Lula lhe nomeou sucessora, eu entendi que ele não nomearia um homem para ficar na cadeira até sua volta, como está acontecendo agora. Eu não estava nos oitenta por cento de ibope que ele tinha. Eu estava em seu narcisismo machista, eu estava em seu deslumbramento consigo mesmo, eu estava no dedo que lhe faltava, eu estava na aura de santo que o povão lhe pespegou sem perceber seu tremendo egoísmo. Eu sempre estou no óbvio que ninguém vê.

Quando você foi nomeada, eu não estava nas palavras nobres que você usou: ‘venceremos a miséria, a estagnação´. Não. Eu estava nas suas pausas mal feitas, em seus erros de concordância, em seus gaguejos.
Aliás, eu é que sugeri que você se autonomeasse “presidenta”. Eu vi naquele “A”, de presidenta, o erro proposital, o indício do populismo gramatical para envolver mais o povo em sua ignorância.

Dilma tremia diante da nuvem viscosa que se esgarçou numa grande tela onde apareceu aquela antiga foto de jovem guerrilheira de óculos, heroíca e orgulhosa, diante de uma junta militar.

– Mas veja o meu passado… – apontou Dilma.

– Adivinhe onde estava eu, nesta foto, presidente/a? Eu não estava na sua coragem juvenil. Eu estava na mesa onde oficiais do Exército tapavam o rosto para não serem reconhecidos no futuro. Pois eu estava ali, nas caras tapadas dos milicos. Repare bem na foto antiga.

A foto se moveu e, sob o rosto tapado dos milicos, surgiu a carantonha bicuda do Cunha e o suave cinismo de Renan.

– Viu, presidenta? Eu sou o Mesmo, no presente, passado e futuro.

– Você pôs o micróbio na barriga do Tancredo!

– Imagina se eu ia fazer uma coisa dessas…Eu morava na incompetência do Hospital de Base, nos equipamentos arcaicos, no deslumbramento messiânico dos médicos.

– E quando entrou o Sarney? – perguntou Dilma.

– Esse foi meu grande e eterno aliado. Eu sempre morei no bolso do jaquetão dele, e ele nunca me decepcionou.

– E o Collor?

– Bem, presidente/a, quando ele entrou me inquietei. Ele parecia uma coisa nova que me superava. Era inesperado, confesso… Mas, logo eu vi a Casa da Dinda e um Lamborguine amarelo no futuro, vi a inflação bater 2000 por cento e sosseguei. Eu estava no seu saco roxo que empalideceu.

– Mas, onde é que eu errei? (Ao longe, batiam panelas…)

– Achando que estava certa sempre. Eu, o Mesmo, estava na sua frenética vontade de mudar o mundo. Mas não era por generosidade – era pela onipotência de ver uma sociedade obediente, gerida por um Estado superpoderoso. Na verdade, quando a senhora entrou eu também fiquei inquieto. A senhora começou a faxinar ministérios, demitindo corruptos, mas, quando aquele Ministro do PDT com cara de hipopótamo disse que “lhe amava” e lhe beijou a mão numa ridícula reverência, eu me aliviei: eu, o Mesmo, estava ali de novo. Sei de tudo. Acompanho a senhora até hoje na garupa de sua bicicleta. Aliás, como é triste vê-la pedalando na solidão de Brasília.

– E, me diga, vai haver impeachment ou não?

– Tanto faz, presidenta…eu estarei ali entre o sim e o não, eu estarei nos votos comprados pelo Lula, eu estarei na mediocridade dos que vão lhe condenar ou na mediocridade dos que vão lhe absolver.

– Mas, afinal quem é você?

– Sou uma espécie de PMDB transcendental. Não sou nem a burguesia nem a elite; sou a pasta essencial de que somos feitos. Sou a História fixa do brasil. Tenho a grandeza da vista curta, a beleza dos interesses mesquinhos, a sabedoria dos porcos e dos roedores. Tenho essa sabedoria, enquanto vocês se gastam em esperanças. Eu não sou a mosca na sopa. Eu sou a sopa.

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Publicação da Rede OCP de Comunicação