Os partidos do Centrão comandam 19 das 20 prefeituras que receberam os maiores valores em transferências especiais, as chamadas “emendas pix”, entre janeiro e 5 de julho deste ano – data limite para este tipo de transferência em razão do período pré-eleitoral. Macapá, cujo prefeito é do MDB, lidera o ranking, com o recebimento de R$ 44,3 milhões no período (veja a lista completa abaixo).
Ao todo, o governo liberou para os caixas de mais de 3 mil municípios R$ 3,98 bilhões em emendas parlamentares na modalidade de transferência especial. O repasse é 248% superior ao destinado no mesmo período do ano passado, quando as transferências especiais para os municípios chegaram a R$ 1,6 bilhão, além de ser maior do que nos anos inteiros de 2022, 2021 e 2020, quando o modelo de transferência especial foi implementado.
Além de Macapá, o MDB comanda outros quatro municípios que estão no ranking. Depois aparecem o PSD, com quatro prefeituras; o PP, com três; e o Podemos e PSDB, com duas prefeituras cada. Republicanos, União Brasil, Democratas e o PL, principal partido de oposição ao governo Lula, estão, cada um, no comando de um dos quatro municípios restantes. Metade dos prefeitos dessas 20 cidades deve tentar a reeleição este ano.
Esse tipo de transferência foi apelidado de emendas pix, pois são enviadas diretamente para o destinatário, sem a necessidade de especificar para quê os recursos devem ser utilizados, como ocorre com aqueles destinados a fundos municipais de saúde ou viários. É um dinheiro que entra na conta do município sem uma finalidade determinada e que pode ser utilizado pela prefeitura da forma como melhor lhe convenha.
Veja a lista com os municípios que mais receberam as transferências especiais (emendas pix) no primeiro semestre deste ano eleitoral:
- MACAPÁ-AP: R$44.391.815,83
- COARI-AM: R$33.648.764,5
- CORAÇÃO DE MARIA-BA: R$20.282.398,55
- COTIA-SP: R$18.590.076,19
- SENA MADUREIRA-AC: R$18.582.668,47
- CARAPICUÍBA-SP: R$18.285.054
- SÃO PAULO-SP: R$16.343.729,95
- OSASCO-SP: R$16.084.268,21
- SÃO MIGUEL DO GUAMÁ-PA: R$15.249.610,87
- GUARAREMA-SP: R$15.118.900,55
- TUCANO-BA: R$14.765.391,61
- TAUÁ-CE: R$14.506.529
- CARIACICA-ES: R$14.157.183,65
- BONFIM-RR: R$13.400.000
- SORRISO-MT: R$13.000.000
- FORQUILHINHA-SC: R$13.000.000
- JI-PARANÁ-RO: R$12.738.432,41
- BOA VISTA-RR: R$11.910.324,84
- CAMAÇARI-BA: R$11.500.000
- LONDRINA-PR: R$11.290.248,89
Ano eleitoral motiva maior repasse às prefeituras
Não são apenas órgãos municipais que podem receber emendas de transferência especial. Cerca de R$ 500 milhões, de um total de R$ 4,48 bilhões, foram transferidos para estados e Distrito Federal no período analisado.
A priorização aos municípios, segundo o cientista político e consultor independente Antônio Flávio Testa, é explicada pelas eleições municipais que ocorrerão em 6 de outubro. Ele lembra que muito da campanha política local, especialmente para candidatos a reeleição, é focada em mostrar realizações de obras, cujos recursos vêm de verbas federais ou emendas parlamentares.
Testa ainda comenta que, neste ano, o cenário está mais tenso, com projeções que indicam derrotas para o governo. “Daí, o esforço enorme de cooptar aliados”, no caso, o Centrão, com a liberação de altos valores em emendas.
O cientista político e assessor legislativo da Malta Advogados, Luiz Felipe Freitas, afirma que o aumento no repasse de verbas para as prefeituras é um movimento esperado, principalmente quando se considera que o parlamento é o responsável por executar essas emendas. “Foi assim em 2022, está sendo agora e provavelmente em 2026 se manterá”, comenta ele.
Considerando todos os tipos de emendas, como as individuais, de comissão, de bancadas estaduais e os resquícios de anos anteriores das emendas de relator (que foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal), R$ 29,4 bilhões foram pagos nos seis primeiros meses do ano a estados, municípios, fundos federais, municipais, empresas e outras entidades. Esse valor corresponde a 85% de todas as emendas repassadas em 2023, que totalizaram R$ 34,42 bilhões.
Pagamento de emendas se tornou moeda política entre governo e parlamento
O repasse de emendas se tornou um ponto tão importante na relação entre o executivo e legislativo que, na Lei Orçamentária desse ano, o Congresso previu um cronograma de repasses. O artifício foi barrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o veto foi mantido pelo Congresso diante do compromisso do Planalto em fazer os repasses conforme previsto.
Ainda que algumas emendas tenham repasse obrigatório, como as individuais e as de bancadas estaduais, cabe ao governo federal liberar esses repasses de acordo com sua adequação a programas e ações ministeriais. Muitas vezes, os valores das emendas aprovadas em um determinado ano são repassados somente nos anos posteriores.
Essa discricionariedade do governo para realizar os repasses de acordo com seu calendário faz com que as emendas se tornem um motivo de barganha política. Por essa razão, o Congresso tentou aprovar o cronograma de pagamentos na Lei Orçamentária deste ano. Ao estabelecer um calendário de repasses, os parlamentares obteriam maior liberdade e controle sobre o orçamento anual.
Mesmo diante do veto ao calendário, neste ano eleitoral, o governo Lula se comprometeu a realizar o pagamento de até 60% das emendas até a primeira semana de julho. O acordo foi cumprido às pressas na última semana antes do travamento imposto pela legislação eleitoral: a soma de todas as emendas (individual, de bancada, de comissão e de relator) pagas somente na primeira semana de julho chegou a R$ 8,63 bilhões.
Municípios pequenos recebem mais emendas pix que metrópoles como São Paulo
Dos 20 municípios que mais receberam recursos, alguns têm apenas algumas dezenas de milhares de habitantes. É o caso de Coari (AM), cuja população é de 70.616 pessoas de acordo com o IBGE. O município recebeu R$ 33,6 milhões, o segundo maior valor provindo de emendas pix, atrás apenas de Macapá (AP), com R$ 44,4 milhões.
O valor recebido por Coari é pouco mais que o dobro do montante recebido por São Paulo, R$ 16,3 milhões. Luiz Felipe explica que, com a aproximação das eleições municipais, chega a hora dos deputados eleitos em 2022 devolverem o apoio obtido nos municípios. “Neste sentido, municípios menores acabam virando alvo”, afirma o analista.
Ele explica que um parlamentar que, por exemplo, tenha recebido um alto percentual de votos no interior de um estado, tende a aplicar suas execuções orçamentárias nesses municípios para preservar a sua base.
“Às vezes, é mais fácil ter esse movimento do que tentar distribuir recursos em uma capital onde [o parlamentar] terá uma concorrência maior, enquanto em um município menor a distribuição de votos se concentra mais, e é mais fácil ter o controle político da região”, disse.
No entanto, ele avalia que cabe à sociedade cobrar uma fiscalização mais severa para o uso dessas aplicações, pois o uso de forma indiscriminada desse tipo de transferência não deveria ser normalizado.
Testa também avalia que as transferências especiais deveriam ser mais transparentes nas suas destinações e aplicações, demandando mais fiscalização, inclusive do Tribunal de Contas da União (TCU).
“Essa prática de destinar mais recursos para municípios pequenos, sem plano de trabalho, deveria ser investigada pelo governo federal”, afirmou.
PT lançou estratégia de marketing para inaugurar início de obras e de novas fases
Testa ainda explica que a estratégia utilizada por muitos políticos de lançar obras, em vez de fazer a inauguração quando de sua conclusão, é uma estratégia primeiramente adotada pelos marqueteiros do PT. Ele afirma que inicialmente há o lançamento de pedra fundamental, depois a reinauguração de etapas de uma obra e até mesmo a conclusão parcial de obras.
De acordo com o cientista político, muitas promessas de campanha precisam ser cumpridas. “Afinal, é o futuro político de muitos candidatos que está em jogo. E só de apresentarem trabalho, mostram seu empenho e podem ganhar confiança do eleitor. Dedicação é boa moeda de troca política”, afirma
Deste modo, as emendas ganham relevância mesmo que, nos quatro meses que antecedem as eleições não se consiga concluir alguma obra. Além disso, ao mencionar que dirigiram recursos para rodovias, saúde ou educação, os parlamentares fortalecem um discurso de competência e dedicação aos interesses locais. O retorno pode vir na forma de votos na eleição seguinte.
PL lidera repasse de emendas pix, seguido por partidos do Centrão
O PL foi o partido com maior valor de emendas repassadas apenas para os municípios via transferências especiais no primeiro semestre: um total de R$ 680 milhões ou 17% dos R$ 3,88 bilhões pagos. Para chegar a esse número, foram somadas as emendas individuais dos parlamentares de cada partido.
Ainda que seja o principal partido de oposição ao governo Lula, o alto volume se justifica pelo número de parlamentares em exercício filiados à legenda. O PL tem a maior bancada de deputados na Câmara, 93 dos 513, e a segundo maior no Senado, com 13 dos 81 senadores. Ou seja, ao todo, o partido tem 106, dos 594 congressistas, ou 17,8% do Congresso.
Em segundo lugar, o União Brasil repassou R$ 487 milhões em emendas pix para os municípios nos primeiros seis meses desse ano, ou 12,5% desse total. O partido tem 7 senadores e 58 deputados, 65 congressistas, ou 10%. O PSD vem logo atrás no volume de repasses, com R$ 475 milhões, 12,2%. A legenda tem o maior número de senadores, 15, e 44 deputados, sendo 59 no total, ou 9,9% do Congresso.
Os congressistas do MDB, 55 ao todo (11 senadores + 44 deputados) ou 9,2% do Congresso, foram responsáveis por destinar R$ 468 milhões a municípios por emendas pix, ou 12% do valor pago. Já o PP, com 51 deputados e 6 senadores – 9,6% de assentos no Congresso –, transferiu R$ 430 milhões ou 11%.
O PT é o sexto partido em volume desse tipo de pagamentos, com R$ 338 milhões, 8,7% do total pago até metade do ano, sendo que há 76 petistas no Congresso, 8 senadores e 68 deputados, ou seja, o partido ocupa 12,7% das cadeiras do parlamento.
* Informações da Gazeta do Povo.