A operação Lava Jato mexeu com a população brasileira. Investigações e prisões de empresários e políticos acusados de corrupção e lavagem de dinheiro que tiveram como cenário principal a Petrobras, uma das maiores estatais do país. A dimensão desta operação da Polícia Federal, atualmente em sua 32ª fase e que já resultou em 44 acusações criminais contra 216 pessoas, gera questionamentos a respeito do impacto que poderá ter na cabeça do eleitor brasileiro, que em outubro irá escolher prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Para o cientista político e professor universitário na Católica de Santa Catarina, Jeison Heiler, apesar de a Lava Jato servir para reafirmar a confiança em instituições como Ministério Público, Polícia Federal e no próprio sistema judiciário, ela ainda não seria suficiente para uma mudança de consciência do eleitorado, já que para isto faltaria mais acesso à informação isenta e tempo para a prática da cidadania.
OCP – Que impactos a Lava Jato pode ter na cabeça do eleitor em outubro?
Jeison Heiler – A Lava Jato em si trouxe certa credibilidade às instituições do sistema judiciário, Ministério Público, Polícia Federal. Estas são instituições basilares para qualquer país que seja rotulado como democrático. Então, pode-se dizer que neste aspecto os impactos são positivos. A operação Lava Jato de certa forma recuperou a crença, na cabeça do eleitor, nestas instituições. A população declara repúdio à corrupção e parece que a Lava Jato reforçou este sentimento. Com isso, os eleitores terão mais cuidado na hora de escolher um candidato em outubro?
A consciência do eleitor é diretamente proporcional aos seus níveis de acesso à educação e informação. Diria ainda que em relação ao seu tempo livre para dedicar-se à política. A Lava Jato, embora seja uma operação memorável que está prestando um grande papel à nação brasileira, não tem condições para alterar estas variáveis. Ela não gera mais educação, informação nem tampouco tempo para dedicação à cidadania por parte do eleitor-cidadão. Por outro lado, é fato que a população estará mais vigilante. Cabe saber se esta vigilância despertará o interesse do eleitor por informações acerca de seus candidatos. A experiência mostra que nem sempre isto ocorre. Por exemplo, vivemos o paradoxo de ter o Congresso mais corrupto de todos os tempos, ironicamente eleito depois de aprovada a Lei da Ficha Limpa. O que deu errado? O fato é de que a lei ou qualquer outra medida será inócua se não acompanhada de mais informação disponível ao eleitor, sob fontes isentas e controladas democraticamente.
Há algo a criticar ou ponderar em relação à operação Lava Jato? Trata-se de uma operação benéfica para o sistema político brasileiro ou ao país?
Não há como não apoiar a Lava Jato. A ponderação que deve ser feita diz respeito às gravações vazadas de Sergio Machado (ex-presidente da Transpetro) principalmente com o senador Romero Jucá (PMDB) que menciona expressamente uma tentativa de barrar ou dar tratamento seletivo à operação para prejudicar apenas um alvo em especial. Este fato deveria ter gerado uma reação maciça do eleitor. Não sei se as pessoas avaliaram a gravidade do conteúdo destas gravações. Elas materializam fatos cabais de conspiração contra a Lava Jato. Apesar disso, não houve reação dos eleitores. Mais uma prova de que por si só a Lava Jato não trará resultados benéficos de longo prazo.
Na sua avaliação, o país está no caminho certo, em relação à política?
Creio que esta pergunta deva ser repetida pelos eleitores e cidadãos. Como signo de que, apesar da Lava Jato, as coisas não estão bem e do modo como vão, não terminarão bem para a população brasileira e para a democracia. Estabelecido isso, o que já seria um grande avanço, deveríamos partir para uma reforma política. Mas ela deve ser feita sob acompanhamento próximo do eleitor, sob pena de mais uma vez o tiro sair pela culatra, como ocorreu com a Ficha Limpa e depois com a Lei 13.165/2015 (Reforma Política) que resultou das manifestações de junho de 2013, mas inseriu várias vantagens aos políticos de forma sub-reptícia. Tais como o fim do efeito meramente devolutivo dos recursos, além de que o fim da fidelidade partidária com a abertura da janela para desfiliações, e a diminuição para seis meses do prazo constitucional que era de um ano para filiação partidária antes das eleições. O efeito disso foi a relativização da importância dos partidos e favorecimento de decisões políticas tomadas ao sabor de conchavos e da casuística eleitoreira. De forma geral, os eleitores precisam ter consciência de algumas premissas básicas para o bom funcionamento da democracia.
Quais são essas premissas básicas?
Destacarei três: 1) Partidos são fundamentais, e, sobretudo, partidos fortes e independentes do financiamento empresarial. O voto em lista proporcional fechada pode induzir à valorização dos partidos, aumentar a participação dos eleitores e de quebra reduzir custos das eleições; 2) É preciso dotar o sistema com alguma espécie de financiamento público. O dinheiro está na origem de todos os problemas relativos à Lava Jato. Porém, não basta proibir o financiamento empresarial privado. É preciso criar fontes alternativas. 3) A representação nas câmaras de vereadores deve ser ampliada. Mais vagas. Isso barateia o custo financeiro das eleições para os candidatos. E o resultado é uma Câmara como maior representatividade dos diversos extratos da sociedade. Todos estes temas são polêmicos, mas devem ser, pelo menos, melhor discutidos.