“A terceirização precariza o emprego”, afirma juiz do Trabalho de Jaraguá do Sul

Por: OCP News Jaraguá do Sul

29/04/2017 - 07:04

Por Patricia Moraes | Foto Eduardo Montecino

Na semana em que a Câmara dos Deputados aprovou a reforma trabalhista e que antecede o Dia Nacional do Trabalhador, entrevistamos o juiz do Trabalho, Carlos Aparecido Zardo, da 2ª Vara de Jaraguá do Sul. Para o magistrado, a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) precisava ser modernizada em alguns pontos. Ele cita como mudanças possíveis a validação dos acordos coletivos, a previsão do parcelamento das férias em até três vezes e a redução do intervalo intrajornada, entre outros aspectos.

Porém, o juiz natural de Passo Fundo e que desde 1999 vive em Jaraguá do Sul teme as consequências da liberação geral da terceirização e prevê que na tentativa de minimizar os custos algumas empresas poderão acumular passivos que serão cobrados mais tarde. Outro ponto negativo, na visão de Zardo, é a diferenciação do valor que poderá ser cobrado por danos morais, seguindo o salário do trabalhador.

Ele cita como exemplo o suposto caso de dois empregados que tiverem amputação de perna. Um deles com salário de R$ 5 mil e o outro com salário de R$ 1 mil. Por hipótese, ambos poderão receber até 50 vezes seu salário a título de danos morais, mas o primeiro receberá R$ 250 mil  e o segundo R$ 50 mil. “Por que essa diferença de dano à personalidade, se todos somos seres humanos iguais?”, questiona. Sobre este e outros pontos, veja o que diz o magistrado na entrevista abaixo.

Confira a entrevista na íntegra: 

No seu entendimento, a legislação trabalhista precisava mesmo de reforma?
Alguns pontos necessitavam se adequar ao momento atual. A questão do teletrabalho, as férias divididas em mais de um período, a redução do intervalo intrajornada, que na nossa região é anseio dos trabalhadores, tanto que em praticamente todas as normas coletivas essa possibilidade estava prevista, por pressão dos trabalhadores, e é renovada ano a ano. Uma regressão, que merece crítica, é a tarifação do dano extrapatrimonial, vinculando ao salário. Se dois empregados tiverem amputação de perna, por exemplo, e um recebe R$ 5.000,00 de salário e outro R$ 1.000,00 de salário, por hipótese, ambos poderão receber até 50 vezes seu salário a título de danos morais, mas o primeiro receberá 250 mil reais e o segundo 50 mil reais pelos danos morais. Por que essa diferença de dano à personalidade, se todos somos seres humanos iguais? Não tem lógica e nem razoabilidade. Veja que não estou falando em dano material, mas moral.

Sobre a questão processual, haverá avanços?
A questão processual também necessitava de avanço, porque esse grande acesso à Justiça do Trabalho, sem custo nenhum, dá margem a qualquer postulação, inclusive as temerárias, pois não há qualquer consequência jurídica para os que ‘postulam por postular’, salvo a litigância de má-fé. Vemos isso em alguns, mas poucos, processos no dia a dia. Existe também a litigância de má-fé por parte do empregador. Um caso clássico que analisei foi de um empregador que afirmava categoricamente que o empregado tinha usufruído do seu período de férias, sendo que o empregado disse que só tinha assinado o recibo das férias, mas que não as usufruiu. O empregador juntou o recibo e os cartões-ponto, por causa de pedido de horas extras, e não se ateve que nos cartões-ponto estava confirmada a tese do empregado, pois ele havia trabalhado no período em que o ‘patrão’ disse que ele estava em férias, inclusive realizando horas extras. Isso é litigar de má-fé, tentando induzir o juiz em erro. Temos que coibir atitudes assim. Por outro lado, a reforma processual foi péssima em alguns aspectos, como excluir a execução de ofício, pois isso é o que gerava maior celeridade ao processo do trabalho, e era destaque em relação aos demais ramos do Judiciário, embora a maioria dos empregados estejam em juízo representados por advogados. Por certo, alguns devedores contumazes fizeram uma pressão política para essa alteração legislativa, para que a prescrição intercorrente possa ocorrer, a qual também foi incluída na reforma.

Os empregadores se queixam que a Justiça do Trabalho fica sempre do lado do trabalhador. Por que essa visão é tão generalizada?
Essa visão é equivocada, e decorre de um erro de interpretação das sentenças e do resultado dos processos. Se verificarmos a estatística dos processos que analisei nos últimos 12 meses, por exemplo, veremos que ocorreu uma média de 42% de conciliações, em 7,11% dos processos os pedidos foram julgados totalmente improcedentes, 1,33% foram julgados totalmente procedentes e em 36,11% os pedidos dos trabalhadores foram julgados parcialmente procedentes, sendo que 13,44% das ações foram extintas sem análise do mérito. Assim, dos processos em que houve o julgamento do mérito, o que mais ocorreu foi a procedência parcial dos pedidos. Isso ocorre porque, de regra, o empregador não paga corretamente uma verba, daí quando os empregados vêm para o Judiciário, eles aproveitam para pedir outras verbas, muitas que sequer sabiam ser seu direito, ou mesmo verbas que pensavam ter direito. Em razão disso, os empregados acabam fazendo uma média de 10 pedidos por ação, mas o que é deferido, normalmente, é de um a quatro pedidos, que são verbas que não foram pagas corretamente pela empresa.

Com a aprovação da reforma, os acordos coletivos poderão se sobrepor às leis trabalhistas definidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Isso é positivo? Diminuirá a demanda da Justiça trabalhista?
Se os sindicatos dos empregados efetivamente representarem bem os membros da categoria, é positiva esta alteração, tanto que em quase todas as normas coletivas realizadas pelos entes sindicais há avanços em vários direitos para os trabalhadores, em relação à lei. Sem sombra de dúvida que essa alteração diminuirá a demanda judicial. Um exemplo é em relação ao intervalo intrajornada, que é negociado coletivamente e depois os empregados postulam judicialmente. Nas ações ajuizadas em Jaraguá do Sul, 90% têm esse pedido incluído. Isso não ocorrerá mais. Inclusive várias ações coletivas ajuizadas por sindicatos locais, que realizam a composição coletiva, depois, mesmo sem ter sido descumprido o acordado, eles vêm a juízo postular a aplicação da lei em relação ao negociado coletivamente. Isso é um absurdo, pois o acordo entabulado não foi descumprido! Se era ilegal, o ente sindical sequer deveria ter realizado o acordo. Nesse caso, juridicamente falando, falta interesse de agir para o ente sindical. E isso ocorre atualmente, tanto que estamos condenado os entes sindicais como litigantes de má-fé, e, doravante, esperamos que essa prática não ocorra mais. Ressalto que os processos são públicos, e isso que estou falando pode ser visto por qualquer cidadão. É bom que se deixe claro, também, que existe um limite legal para a negociação coletiva, não pode tudo. Os direitos trabalhistas previstos na Constituição não poderão ser suprimidos.

Qual a média de processos da Justiça Trabalhista em Jaraguá do Sul? Esse número cresceu com a crise econômica?
Sim, cresceu. No ano de 2010 foram 2.150 ações. Em 2012, foram 3.100 ações, um aumento registrado em razão das ações coletivas. Em 2013, novamente as ações coletivas fizeram a demanda crescer, foram 3.900 ações. Em 2015, foram 3.400 ações, índice gerado em razão da crise econômica.

Quanto tempo em média leva um processo trabalhista até passar por todas as instâncias?
Até a última instância eu não vou considerar o tempo porque são poucos que recorrem ao Tribunal Superior de Trabalho. Atualmente, leva 16 meses, em média, o julgamento em primeiro grau, e mais seis meses para o julgamento do recurso no TRT (Tribunal Regional do Trabalho).

Qual a média de acordos em Jaraguá do Sul?
Uma média de 40%.

Quais os principais motivos que hoje levam os trabalhadores a recorrer à Justiça do Trabalho?
Redução do intervalo intrajornada, horas extras que não foram pagas, FGTS não depositado e o não pagamento das verbas rescisórias. Também tem procura grande por insalubridade e periculosidade, mas para estes adicionais somente em torno de 30% dos casos têm provimento.

O TST (Tribunal Superior do Trabalho) tem se posicionado contra a terceirização na atividade-fim. Qual é a sua opinião?
A terceirização precariza o emprego, pois os empregados terceirizados não têm os mesmos direitos dos empregados da empresa que contrata diretamente. A recente lei da terceirização (Lei nº 13.429, de 31-03-2017) demonstra claramente isso, pois enquanto os empregados normais, e até mesmo os temporários, têm direito a atendimento médico, ambulatorial e refeição, os terceirizados não têm isso assegurado. Veja que a lei criou ainda a possibilidade de ‘quarteirizar’ o serviço… ora, isso é um absurdo, pois o empregado não cria uma identidade na empresa onde está trabalhando, pois falta a sensação de pertencimento, o que é péssimo para o psicológico do empregado, pois ao seu lado, na mesma linha de produção, terá outro empregado não terceirizado realizando as mesmas atividades, tendo inúmeros direitos a mais, inclusive salário maior. E eu pergunto, a empresa tem sua atividade-fim, qual a razão de terceirizar sua atividade? Pagar salário menor? Pensar que não terá um passivo trabalhista? O salário menor ocorrerá. O passivo trabalhista será um engano, pois existe a responsabilidade do tomador, prevista na lei, pelas obrigações trabalhistas e INSS. Assim, o tomador pensa que se eximirá dos encargos trabalhistas e não irá controlar os pagamentos, e será responsabilizado por isso, se a empresa prestadora não tiver condições de pagar. Por fim, sublinho que a lei não estabeleceu, expressamente, a possibilidade de terceirizar na atividade-fim, como o fez em relação ao trabalho temporário, mas sim estabeleceu a terceirização para serviços ‘determinados e específicos’. Desse modo, para diversos serviços específicos e diferenciados, poderá haver a terceirização, como uma construtora contratar serviço específico de pintura para uma obra que construiu. Assim, penso que, nesse ponto, o legislador acertou em diferenciar onde pode ocorrer o trabalho temporário e o trabalho terceirizado.

Que impacto prevê com o fim da obrigatoriedade de pagamento do imposto sindical?
Penso que o imposto sindical deveria ser reduzido ano a ano, até ser suprimido, em dois ou três anos. Essa redução drástica não é boa para os entes sindicais e nem para as relações sociais. Porém, como os entes sindicais recebem esse valor sem muito esforço, eles não se empenham em melhorar as condições de trabalho da categoria. A partir do momento que isso acabar, eles terão que mostrar serviço para convencer os empregados a pagarem esse imposto, que será opcional. A CUT é contra esse imposto justamente por isso, porque os sindicados não são mais combativos. Esse imposto é de um período em que os governos queriam ter os sindicatos sob o seu jugo, daí lhe deram esse aporte financeiro. A verdade é que ele é mais um imposto que o empregado paga. A carga tributária é pesada demais. Além disso, pelo que li na mídia, o governo tem essa alteração como uma ‘carta na manga’, para poder aprovar a reforma trabalhista e previdenciária, pois inseriria, em nova lei, a possibilidade de os entes sindicais incluírem nas normas coletivas a cobrança de uma ‘contribuição assistencial’ para toda a categoria, que hoje não é permitida, cujo valor poderá ser até maior que o imposto sindical, o que seria péssimo para os empregados.

O trabalho como se conhece hoje será desconfigurado com a reforma?
Em parte sim, pois os que irão trabalhar de forma intermitente (novo art. 443 da CLT), não terão mais aquele modelo tradicional em que o trabalhador sabe o seu horário e dias de trabalho. Nesse ele terá alternância entre períodos de trabalho e de inatividade de horas, dias ou meses. Esse modelo terá que ser melhor analisado, para ver o alcance dele. Temos também o teletrabalho, que já é uma realidade, porém, não estava completamente regulamentado.

O argumento do governo federal para a terceirização foi alicerçado na premissa de que a flexibilização da CLT será capaz de gerar novos empregos. O senhor acredita nisso?
A terceirização não criará novos postos de trabalho, mas sim transferirá os empregados da empresa tomadora para a empresa prestadora de serviços, com redução de salário. Já temos a terceirização na atividade meio, e isso não criou novos postos de trabalho, mas houve a precarização do trabalhador.

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Publicação da Rede OCP de Comunicação