A decisão do governo brasileiro de aplicar uma sobretaxa provisória de USD 1,97 por quilo sobre o fio de poliamida 6 (PA6) importado da empresa Yiwu Huading Nylon Co., Ltd., principal fornecedora do insumo para o mercado nacional, provocou reação imediata de empresários e entidades da indústria têxtil. Esta matéria prima essencial para a confecção de roupas esportivas, moda praia, meias e lingerie, não é fabricada no Brasil, o que torna a medida especialmente preocupante.
Confirmada pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) no dia 24 de outubro, a taxação dobra o custo de produção e ameaça gerar desabastecimento, perda de competitividade e milhares de demissões em todo o país. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) estima que a cadeia produtiva da poliamida sustenta 230 mil empregos diretos e 1,4 milhão de indiretos. Em Santa Catarina, estado que lidera a produção têxtil nacional, a FIESC calcula que 31 mil vagas diretas e 178 mil empregos no total dependem do insumo.
Riscos para competitividade e empregos
“O valor aplicado (de USD 1,97 por quilo de fio) torna inviável a produção de volumes competitivos, restringindo severamente o abastecimento do mercado interno. Na prática, não será possível manter as linhas de produtos à base de poliamida em nosso portfólio”, afirma Renato José Benvenuti, vice-presidente da RVB Malhas, de Brusque (SC).
Com o aumento dos custos e a redução da oferta, há risco de migração do varejo para produtos importados, que não enfrentam as mesmas barreiras comerciais. “O varejo inevitavelmente buscará substituir produtos fabricados no Brasil por peças prontas da Ásia, o que enfraquece toda a cadeia produtiva nacional”, alerta o empresário.
Ele acrescenta que milhares de postos de trabalho estão em risco, especialmente nas operações que dependem da poliamida. “A medida gera desmotivação e coloca em xeque investimentos programados. Estamos avaliando alternativas, inclusive operações no Paraguai, como outras empresas do setor”, afirma Benvenuti.
Preocupação com a sustentabilidade da produção
A CPS – Cia. de Produção Sustentável S.A (DelRio), uma das principais empresas têxteis do Ceará, também se manifestou em nota sobre os impactos da decisão: “a aplicação de sobretaxas em um insumo sem equivalente nacional representa um grande risco para nossa produção. Além de elevar os custos, isso pode comprometer a nossa capacidade de entrega e até mesmo o abastecimento do mercado”, afirmou Daniel Pereira de Souza, vice-presidente da empresa.
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A companhia reforça que qualquer desabastecimento afetará toda a cadeia produtiva, desde a tecelagem até a confecção, e defende a suspensão imediata da aplicação do direito provisório de dumping para preservar empregos e a sustentabilidade do setor têxtil nacional.
Dados técnicos comprovam inadequação da taxa aplicada
O valor de referência utilizado para a aplicação da medida, considerado no processo de dumping, é oriundo das fibras de poliamida 6.6, porém, os produtos consumidos pela indústria têxtil brasileira são, em sua maioria, poliamida 6. A cadeia de produção da poliamida 6.6 é bem mais complexa e de maior custo industrial em todo o mundo. Além de que as propriedades da poliamida 6.6 são mais adequadas para aplicações técnicas e industriais.
Já o fio de poliamida 6, por suas características técnicas, preferencialmente direcionado ao setor têxtil do vestuário, recebe investimentos constantes em desenvolvimento tecnológico, entregando para o setor têxtil mais eficiência produtiva de malhas, tecidos com maior sustentabilidade; além da diversificação e menor custo industrial globalmente.
Por esta razão, empresários e entidades solicitam a suspensão imediata da medida antidumping para a Huading e a justa comparação de preços exportados para o Brasil, com base no preço internacional do fio de poliamida 6.
Dependência de importações e risco de desabastecimento
Como não produz poliamida 6, o Brasil depende integralmente da importação para manter a cadeia têxtil operante. O impacto da medida de dumping tende a atingir especialmente os pólos produtivos do Sul, Sudeste e Nordeste.
“Com a sobretaxa, tivemos um impacto importante no volume de produção que usa fios exclusivos da Huading, principal fornecedor do mercado nacional de fios de poliamida 6”, confirma Mauro de Oliveira Ferraz, gerente de Supply Chain da Diklatex, têxtil de Joinville referência em tecidos tecnológicos. “A sobretaxa também impacta diretamente no desenvolvimento de novos produtos”, alerta Mauro.
A necessidade de equilíbrio nas políticas comerciais
Sob o risco de um desequilíbrio na balança comercial, para o economista Mohamed Amal, professor da Universidade Regional de Blumenau (FURB), a defesa comercial deve considerar a capacidade produtiva nacional e o impacto social das medidas. “Punir a principal fornecedora de um insumo sem substituto local é arriscado. O resultado pode ser o oposto do esperado: menos competitividade, mais custos e perda de empregos. O equilíbrio entre práticas de comércio justo e a proteção da base produtiva precisa ser o foco”, avalia.
Gabriel Sens, CEO da LIVE!, empresa de Jaraguá do Sul (SC), reforça o mesmo ponto: “qualquer decisão deve preservar a continuidade das operações, o emprego e a competitividade de um dos setores que mais geram renda e oportunidades. Trata-se do futuro da indústria nacional, da manutenção de milhares de empregos e do fortalecimento da cadeia produtiva que sustenta inovação, renda e desenvolvimento regional. Avaliar com equilíbrio e responsabilidade o papel da Poliamida 6 na economia brasileira é essencial para que o país continue competitivo, sustentável e capaz de inovar”, conclui Gabriel