Governo firma contrato de R$ 87 mi sem licitação por medicamentos e não recebe

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Por: Pedro Leal

28/09/2023 - 11:09

Após contratar uma empresa por R$ 87 milhões em regime de dispensa de licitação, o Ministério da Saúde ainda não recebeu nenhum dos 90 mil frascos de imunoglobulina humana contrados. O contrato foi firmado em abril, com previsão de entrega de cinco parcelas até o próximo dia 30 de setembro.

As informações são do portal Metrópoles.

“Até o momento, não há registro de recebimento de insumos, e, em consequência, não foram realizados quaisquer pagamentos à empresa”, afirmou o ministério.

A empresa em questão é a Farma Medical, que assina o contrato na condição de representante nacional da Prime Pharma LLC, dos Emirados Árabes. Em nota, ela garante que os primeiros lotes estão disponibilizados desde o dia 13 de junho.

“A importação do referido produto é de responsabilidade única e exclusiva do Ministério da Saúde”, afirma a companhia. Conforme a Farma Medical, a disponibilização ocorreu 13 dias depois da autorização de excepcionalidade da importação emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A autorização era necessária porque o medicamento que estava sendo oferecido pela empresa não é registrado na agência.

Nenhum frasco de imunoglobulina foi entregue até o momento. Somente no dia 28 de julho o ministério enviou uma notificação de descumprimento de contrato alegando que a primeira parcela ainda não havia sido entregue. No dia 22 de agosto, a pasta enviou outra cobrança, apontando atrasos nas três primeiras parcelas.

Segundo o Metrópoles, o dono da empresa, Silvio de Azevedo Pereira Júnior, afirmou ter entregue ao ministério 30 mil frascos ainda em junho.

A Farma Medical possui capital social de R$ 100 milhões e está presente em seis estados.

No final de fevereiro, o ministério abriu processo para a compra de 383,5 mil frascos de imunoglobulina com dispensa de licitação apontando urgência.

No total, 20 empresas enviaram suas propostas, e a da Prime Pharma ficou entre as mais vantajosas.

Ao alegar urgência, a pasta afirmava que a primeira parcela de medicamento deveria ser entregue em abril, para não correr o risco de desabastecimento. No entanto, a primeira parcela foi entregue somente em meados de junho pela empresa Auramedi Farmacêutica, que ganhou a maior parte da compra.

Imunoglobulina é um medicamento hemoderivado, ou seja, produzido a partir do sangue, usado para melhorar a imunidade de pacientes acometidos por uma série de doenças, como a síndrome de Guillain-Barré.

A sua falta no Sistema Único de Saúde (SUS) coloca em risco a vida de pessoas que dependem do remédio.

A Farma Medical admite atraso no cronograma de execução contratual, mas ressalta que isso ocorreu inicialmente “pelos próprios procedimentos pertinentes ao ministério, que na primeira data de entrega prevista em contrato não obtinha sequer autorização excepcional da Anvisa para importação”.

“Esta empresa não descumpriu com suas obrigações de representante nacional e nem os fornecedores diretos do Ministério da Saúde”, defendeu.

Outra licitada fez as entregas

Com apenas um funcionário registrado ao menos até março e capital social de R$ 1,3 milhão, a goiana Auramedi conseguiu um contrato de R$ 285,8 milhões no âmbito desse mesmo processo de dispensa de licitação para fornecimento de 293,5 mil frascos de imunoglobulina. A empresa já entregou mais de 245 mil frascos, e falta apenas a última parcela.

A Auramedi diz representar nacionalmente a chinesa Nanjing Pharmacare. Segundo reportagem do Metrópoles na última terça-feira (26/9), a Nanjing também é representada no Brasil pela Panamerican Medical Supply, que tem como um dos sócios Marcelo Pupkin Pitta, empresário do ramo que já foi preso na Operação Vampiro, em 2004, e, de novo, em 2007.

As investigações apuraram suspeita de fraude em licitação no Ministério da Saúde, justamente em compras de medicamentos hemoderivados, incluindo imunoglobulina.

A Panamerican, inclusive, firmou dois contratos de R$ 647,2 milhões com o ministério no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2021 e 2022, para fornecimento de imunoglobulina na condição de representante da Nanjing.

Ao menos R$ 597,5 milhões já foram pagos, segundo Portal da Transparência, sendo que 73,1% foi desembolsado no ano passado, entre março e setembro, e o restante neste ano, já no governo Lula. Todos os medicamentos previsto nos dois contratos já foram entregues.

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Pedro Leal

Analista de mercado e mestre em jornalismo (universidades de Swansea, País de Gales, e Aarhus, Dinamarca).