ESPECIAL: O centenário do ex-governador de Santa Catarina Ivo Silveira, o conciliador silencioso

Por: Ewaldo Willerding Neto

26/03/2018 - 17:03 - Atualizada em: 28/03/2018 - 09:44

 

RICARDO STEFANELLI

A convite do OCP NEWS Florianópolis

 

Quem observa o complexo jogo de xadrez político que neste momento move peças rumo à eleição de outubro próximo, em Santa Catarina, vê o novelo emaranhado e as coligações indefinidas, enxerga valor nos chamados diplomatas políticos, aquele tipo de articulador com cacife para propor pautas unificadas, alianças de princípios, matrimônios partidários. Nesse cenário atual de 2018 parece que estão fazendo falta articuladores políticos como o ex-governador Ivo Silveira …

 

 

Ivo Silveira, se vivo fosse, poderia ser protagonista na negociação que mexe com o cenário eleitoral catarinense.

Você que imaginou inicialmente o nome do ex-governador e senador blumenauense Luiz Henrique da Silveira, o principal articulador político da história contemporânea do Estado cujas alianças improváveis se mantêm fortalecidas mesmo após sua morte, não se surpreenda com este outro Silveira, de Palhoça.

Num período obscuro, turbulento e pouco relatado da história catarinense, Ivo Silveira atuou como um hábil costurador político. Diferente de LHS, Ivo era discreto, o que talvez explique por que esta qualidade até hoje não foi reconhecida pela historiografia de Santa Catarina e não faça parte da memória política local.

 

 

Ivo foi um negociador nato, moderado, ponderado, sensato. Essas eram a sua marca. Foi um habilidoso equalizador do teatro político daqueles anos cinzas de 1960. Advogado de formação e político por natureza, desenhou composições impossíveis, reuniu personalidades antagônicas, unificou visões incompatíveis, moldou casamentos contraditórios, evitou divórcios prováveis. Ivo, que hoje estaria fazendo 100 anos, conciliou.

Nascido a 26 de março de 1918 na Palhoça, com apenas 22 anos de idade Ivo começou a fazer diferença na vida política do Estado ao assumir, em 1940, o ofício de promotor público adjunto de sua cidade, nomeado que fora pelo então interventor Nereu Ramos. Seis anos depois já era nomeado prefeito de Palhoça e, um ano mais tarde, seria eleito prefeito da cidade pelo Partido Social Democrático (PSD), agremiação que ajudara a fundar. Eleito com facilidade surpreendente aos 28 anos de idade.

Essa carreira política que se iniciava de maneira precoce contrariava o desejo do pai, seu Vicente. Havia motivos familiares: o avô de Ivo, homem de muitas posses, perdera tudo na política, se dizia em casa.

 

 

 

 

Ivo, que pouco falava mas muito atuava, venceu aquela primeira eleição à Prefeitura exibindo as credenciais do silêncio, da discrição e da negociação, habilidades aparentemente incoerentes para um homem que nem chegara aos 30 anos de idade. Mas virtudes que moldariam para sempre sua trajetória pública. Ivo fez três vezes mais votos do que o udenista Carlos Matias Hoeller ao percorrer de jipe todo o extenso território de Palhoça (à época composto pelos territórios de Águas Mornas, Santo Amaro da Imperatriz, Garopaba, Anitápolis, São Bonifácio e Paulo Lopes).

 

SUGESTÃO DIVINA

Sua conquista eleitoral se iniciava nas missas, onde Ivo e família eram sempre aguardados com alguma expectativa. De maneira instintiva, o advogado Ivo não os abordava como eleitores, mas como amigos. Pedia votos com o sorriso sereno. Em geral arrebanhava seguidores com a bênção dos próprios padres que, não raro, mencionavam seu nome nas práticas religiosas … uma citação que soava como sugestão divina, uma senha religiosa eleitoral.

 

 

Eleito deputado estadual em 1950, cumpriu trajetória de uma década e meia dentro do Legislativo, presidindo a Casa por três oportunidades, só deixando a Assembleia para assumir o governo do Estado, em 31 de janeiro de 1966, após receber mais de 320 mil votos.  Aquele Ivo Silveira não sabia o que era perder eleição. Ao jornalista Moacir Pereira, em depoimento em livro editado em 1998 pela editora Insular, Ivo fez um resumo orgulhoso daqueles primeiros anos. “Venci todas as eleições que disputei durante 20 anos de vida pública”.

Como governador, no Palácio da Agronômica, teve melhor palco para exercitar a arte de conjugar, desarrufar, harmonizar, unir e dialogar. Em plena vigência do Ato Institucional Número 2 do general Carlos Castelo Branco – que extinguiu os partidos existentes e impôs o bipartidarismo – Ivo aglutinou adversários, tricotando alianças entre udenistas (União Democrática Nacional) e socialistas (Partido Social Democrático). Fez sentarem à mesa os ex-governadores Irineu Bornhausen e Aderbal Ramos da Silva.

 

AVESSO AO ESTARDALHAÇO

Em meio aos Anos de Chumbo, em que a qualquer momento alguém era cassado, sua gestão foi marcada pela conciliação. Encontrava soluções fáceis onde outros enxergavam dificuldades intransponíveis. Mas avesso ao barulho, ao estardalhaço e à publicidade não marcou sua gestão por feitos ou obras. E foram muitas.

 

 

– Ao ser apresentado ao drama dos produtores rurais sem armazém para estocar a produção, mandou abrir linhas de crédito a juros baixos e prazos longos a quem quisesse comprar seus próprios armazéns. Pouco reconhecimento obteve dos produtores.

– Em sua gestão estendeu o abastecimento de água à Barra da Lagoa, Canasvieiras e Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, mas a Capital até hoje nada sabe disso.

– Implantou um Plano Estadual de Educação, pioneiro no Brasil, que resultou na construção de 3,5 mil salas de aula e 100 novas escolas, mas jamais é citado como um mecenas da Educação. Em sua gestão, os professores receberam 482% de reajuste salarial, mas parecia apenas uma obrigação e não uma visão de estadista preocupado com a educação.

– Ivo criou e instalou a COTESC (Companhia de Telecomunicações de Santa Catarina), que daria origem à TELESC, mas jamais será estátua na seara da telefonia.

– Em sua gestão nasceu a Avenida Beira-Mar Norte, até hoje a principal via da Ilha de Santa Catarina, mas a ele não é atribuído este fato e – estranha coincidência – só viria a ser nome de rua no Continente …

Ivo agia no silêncio.

 

CESARIANA NA CONSTITUIÇÃO

Ao perder seu vice-governador, o médico Francisco Roberto Dall´Igna, petebista ligado a Jango Goulart e cassado pela ditadura militar, Ivo conseguiu alterar a Constituição Estadual no dispositivo que disciplinava a idade mínima para ocupar o cargo: ele queria empossar Jorge Konder Bornhausen como vice. No episódio que ficou conhecido como a “Cesariana na Constituição” Ivo articulou a mudança na lei. E conseguiu empossar o jovem JKB.

 

 

Pode-se mensurar parte de sua capacidade de contemporizar pelos 49 Títulos Honorários a ele concedido pelos municípios – além de 26 outros Títulos Beneméritos. Não era pouco ser articulador em meio a um período de intensas tempestades políticas e históricas puxadas de tapetes. Não era pouco conviver no fio da navalha em meio a presidentes tão autoritários. Ivo implantou harmonia estadual em contraposição ao virulento cenário nacional.

Como bem escreveu o jornalista e historiador Moacir Pereira em seu livro, “nenhum governador esteve tão desprotegido como Ivo Silveira, advogado humilde de um município sem expressão que se projetou fora do poder econômico, sem escudo militar ou apadrinhamento federal”. E nenhum outro conseguiu sobreviver a tantas tempestades em tão curto espaço de tempo.

 

ALGEMAS DE FERRO

A seu modo discreto, o “Matuto de Palhoça” vencera. Seu currículo vitorioso estava em franca produção, mas… veio a eleição para o Senado, em 1974. E o ex-governador enfrentou a campanha como se algemas de ferro o prendesse ao chão. Sua candidatura, contaria ele próprio, nasceu morta. “A desarmonia era palpável”, dizia. E desarmonia para um aglutinador é doença fatal. Ivo não resistiu politicamente àquela fragorosa derrota para o MDB. “O insucesso de 1974 marcou muito a minha vida política”, admitiu. “Não pela derrota, mas por enxergar que não adiantou a lealdade de uma vida. Faltou reciprocidade”.

 

 

O sentimento de traição o apunhalou, forçando-o a se recolher política e pessoalmente. Não voltou a disputar cargos eletivos e apenas de forma interina e relâmpago ocupou em 1982 a pasta de Secretário dos Negócios da Fazenda. Acreditava que sua verdadeira história estivesse sendo escrita ao natural e de forma justa. Mas a história não costuma ser justa. Sua biografia conta com poucos capítulos, raras informações, quase sempre restritas às cercanias da Palhoça, onde de fato o diplomata reinou.

 

DISCRETO NOME DE RUA

Mais preocupado com a família e já aposentado, viu sua resistência física também minada por um câncer na garganta. Uma doença que feria de morte justamente sua principal ferramenta, a da fala, do diálogo. O instrumento que permitia contemporizar.

Após 25 anos de total afastamento da vida pública, morreria na madrugada de 2 de agosto de 2007.

Infelizmente, para milhares de catarinenses o prefeito municipal que nunca perdera pleito em sua terra, deputado estadual por quatro legislaturas, três vezes presidente da Assembleia e governador de Estado num dos períodos mais conturbados da História do Brasil não passa de nome de rua em meia dúzia de cidades.

Isso que ele governou quase 300.

 

 

 

 

 

SESSÃO SOLENE NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

Nesta segunda-feira (26), dia em que se completa o centenário de nascimento de Ivo Silveira, ocorrerá o lançamento da biografia do ex-governador, de autoria de Celestino Sachet, a partir das 19h, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Homenagens mais do que justas em memória a um dos maiores políticos do Estado.