A União poderá abrir mão de até R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras até 2048 com a renegociação das dívidas estaduais, aprovada pelo Congresso por meio do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Embora a adesão ao programa seja opcional, quatro estados concentram 90% da dívida com a União: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
O impacto potencial foi calculado pelo Tesouro Nacional e divulgado nesta quinta (6) pela Folha de S. Paulo com informações obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). No entant, estes números foram revelados somente após a aprovação do projeto, o que impediu que servissem de alerta aos parlamentares.
Apesar de não afetar diretamente o limite de despesas do arcabouço fiscal nem as metas de resultado primário, a redução trilionária na arrecadação pode pressionar a dívida pública, forçando o governo a captar mais recursos no mercado para quitar obrigações.
O Propag, costurado pelo então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), potencial candidato ao governo mineiro, permite reduzir os juros reais da dívida de 4% para 0% ao ano mediante entrega de ativos ou compromisso com investimentos em áreas estratégicas. O programa também simplifica o coeficiente de correção, substituindo a fórmula atual pelo IPCA, que deve ficar em 5,65% em 2025, segundo o Boletim Focus do Banco Central.
As simulações do Tesouro Nacional indicam que as perdas anuais começariam em R$ 30 bilhões e poderiam atingir R$ 82,6 bilhões, o equivalente a 18% a 50% do orçamento do Bolsa Família por ano.
Para os estados, a renegociação abre espaço para novos gastos, o que pode elevar a percepção de risco fiscal e afetar juros e câmbio. Em um dos cenários estudados pelo Tesouro, a União deixaria de arrecadar R$ 794 bilhões até 2047 caso todos os estados escolham uma opção com menos exigências e juros reais de 2% ao ano.
Em ambos os cenários, haveria uma retomada de receitas no fim da década de 2040, mas insuficiente para compensar as perdas acumuladas ao longo dos anos anteriores.
A recomendação do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) era de veto integral ao projeto, alegando agravamento da percepção de risco fiscal e necessidade de maior captação de recursos para honrar compromissos. O parecer do secretário-executivo Gustavo Guimarães alertava que “em vez de incentivar ajustes estruturais e promover o equilíbrio fiscal, o programa reforça a cultura de dependência dos estados em relação à ajuda federal”.
Apesar disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a proposta com vetos parciais, respaldado pelo Ministério da Fazenda, em uma decisão para evitar desgastes políticos com o Congresso Nacional. Os técnicos da pasta de Simone Tebet, por outro lado, argumentaram que a flexibilização da dívida estadual pode criar um “ciclo vicioso” de renegociações, no qual estados continuam gastando sem disciplina financeira, esperando novos socorros do governo federal.
O MPO também alertou que a medida poderia gerar um efeito negativo nos mercados, pressionando indicadores financeiros como taxa de juros e câmbio. Além disso, apontou riscos fiscais significativos, já que o programa incentiva estados a ampliarem gastos, revertendo a recuperação recente das contas estaduais e aumentando a pressão sobre o governo federal para garantir a solvência fiscal no futuro.
“Esse tipo de renegociação das dívidas estaduais cria um viés de risco moral que se consolida no ciclo vicioso: os estados continuam gastando irresponsavelmente; os estados esperam novas negociações; a União acaba absorvendo os prejuízos, aumentando sua própria dívida pública”, diz trecho do documento.
Outro ponto de preocupação é que, no futuro, a União possa ser forçada a renegociar débitos novamente, especialmente para estados no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que atualmente têm dificuldades para pagar suas dívidas. Apesar da recomendação técnica para veto desse dispositivo, acabou sendo mantido na sanção presidencial.
* Com informações da Gazeta do Povo.