As recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o ajuste fiscal e a política monetária conduzida por Roberto Campos levaram a uma pressão no dólar, o que pode se refletir no aumento da inflação nos próximos meses. Depois de ser negociada a quase R$ 5,70 na terça (2), a moeda norte-americana desabou. O dólar chegou a ser negociado a R$ 5,54 nesta quarta, mas fechou o dia a R$ 5,568. É uma desvalorização de 13% desde o início do ano.
“O que acontece é que o Lula está antecipando o debate político de 2026 para este ano porque é o ano que se formam as bases de apoio eleitoral. Ele está tentando ‘jogar para o eleitorado’, transferindo ao mercado todo o problema econômico que ele mesmo está gerando”, afirma Alex Agostini, CEO da Austin Rating.
Segundo Lívio Ribeiro, que é sócio da BRCG Consultoria e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), mais de 80% da desvalorização do real no primeiro semestre deste ano se deve a causas domésticas. “Ataque especulativo pressupõe volatilidade, um sobe e desce que não está acontecendo. O movimento agora é só de alta.”
Ele aponta que a mudança rápida de patamar se deve ao aumento da percepção de risco do país. De 29 de dezembro de 2023 a 1° de julho de 2024, o dólar teve uma valorização de 4,5% frente a uma cesta com as principais moedas.
“O movimento pode estar exagerado, mas há uma causa para isso”, afirma. Ele explica que o modelo não especifica a razão da alta, mas pela análise das variáveis que impactam o preço, consegue separar a influência dos fatores internos. “A contribuição nessa intensidade [de mais de 80%] não é usual no modelo que rodamos há mais de 10 anos”, diz Ribeiro.
O Banco Central já sinalizou que não pretende intervir no mercado. Ribeiro avalia que um movimento nesse sentido poderia ter efeito inverso “Se o BC tratar esse movimento com disfuncionalidade, ele admite que o país está sofrendo um ataque especulativo.”
Lula diz que tem compromisso com a responsabilidade fiscal
Nesta quarta (3), após uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula disse que a “responsabilidade fiscal não é uma palavra, mas um compromisso do governo desde 2003.” A diferença é que o primeiro mandato foi marcado por sucessivos superávits primários (quando a arrecadação supera as despesas, excluídas aquelas com os juros da dívida pública) e o atual, por déficits.
Já o ministro afirmou que o câmbio tende a se acomodar e que “a diretoria do BC tem autonomia para atuar quando conveniente”.
Na segunda-feira, Lula chegou a atribuir a alta na moeda americana a um “jogo de especulação” e declarou que o governo iria fazer alguma coisa. “Obviamente que me preocupa essa subida do dólar. Há uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país”, disse à rádio Sociedade em Salvador.
A avaliação é diferente por parte de analistas de mercado. Alex Agostini, da Austin Rating, diz que não está havendo “um jogo especulativo, mas um jogo político por parte do governo que não faz a lição de casa”, especialmente na área fiscal.
Um dos termômetros são os péssimos resultados fiscais. Desde junho de 2023, o Brasil vem registrando déficits primários no acumulado. E eles têm aumentado, passando de 0,23% do PIB, naquele mês, para 2,53% do PIB, em maio, segundo o Banco Central. Desde o início do governo Lula, ela passou de 71,37% do PIB, para 76,81%, em maio.
Segundo o economista-chefe da Rio Bravo, José Alfaix, para combater a alta do dólar, o governo precisa parar de alimentar atrito com o Banco Central e se comprometer com o cumprimento das metas fiscais.
Para Agostini, a disparada do dólar se deve à incerteza dos agentes do mercado com a trajetória fiscal do Brasil. “Os investidores temem perder dinheiro com os ativos e cobram mais caro para financiar a dívida do governo. Isso contribui para a desvalorização da moeda pelo “repasse cambial”, aumento dos juros futuros e inflação. “O mercado não paga para ver. Ele vai se ajustando”.
Na terça-feira (2), o ministro deu aos jornalistas o mesmo diagnóstico da maioria dos agentes do mercado financeiro sobre a crise cambial. Sem citar diretamente o presidente Lula, Haddad admitiu que o ruído que tem provocado alta do dólar está sendo criado pelo próprio governo.
“Ajuste na comunicação, tanto em relação à autonomia do Banco Central, como o presidente [Lula] fez hoje de manhã, quanto em relação ao arcabouço fiscal. Não vejo nada fora disso: autonomia do Banco Central e rigidez do arcabouço fiscal, é isso que vai tranquilizar as pessoas. É uma questão mais de comunicação do que qualquer outra coisa.”
A equipe econômica espera que, para conter a escalada do dólar, Lula deixe de lado sua ofensiva contra o Banco Central e o atual chefe da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Lula não parece estar convencido disso. Medidas de contenção de despesa também estão na mesa de discussão.
Deterioração das contas públicas aumenta sem que haja sinalização contrária
A deterioração das contas públicas vem aumentando sem que o governo sinalize disposição para corte de despesas. No início de junho, em um evento no Rio de Janeiro, Lula deixou claro que seu governo não prioriza o ajuste fiscal. Semanas depois, intensificou a posição, questionando a necessidade de cortar gastos e cogitando aumentar a arrecadação para resolver o problema.
Na sequência, justificou o desequilíbrio das contas pelos gastos sociais, criticou o mercado financeiro e chamou de “cretinos” os que associaram suas falas às altas da moeda americana.
A estratégia do governo, para Agostini, tem tudo para dar errado. “O Brasil entrou no vermelho de despesa primária já em 2014. Este [governo] dobrou a aposta de gastar para promover crescimento desde a PEC da transição [que permitiu um aumento de R$ 200 milhões no Orçamento da União]”, explica. “Em algum momento essa conta vai chegar e vai chegar muito grande.”
Luan Aral, especialista em dólar da Genial Investimentos, lembra que o rombo brasileiro tem aumentado apesar da arrecadação recorde do governo. Só em maio, de acordo com dados do BC, entraram R$ 203 bilhões nos cofres públicos, recorde para o mês na série histórica, iniciada em 1995. Ele aponta que o país poderia ter um cenário fiscal “mais atraente” se tivesse mantido a meta do arcabouço fiscal para 2025.
O alvo inicial era um superávit de 0,25% no próximo ano, mas a equipe econômica rebaixou a projeção para déficit zero em abril, na primeira revisão trimestral do Orçamento. “A revisão da meta foi o primeiro abalo do tripé macroeconômico que o governo deveria se esforçar para manter”, diz.
Foi também em abril que o dólar teve seu primeiro pico do ano, de R$ 5,30. A alteração da meta, ao lado da manutenção dos juros americanos pelo Federal Reserve (o BC americano), contribuiu para que a cotação da moeda saísse da faixa entre R$ 4,90 e R$ 5,05, mantida em março.
A preocupação do mercado é o risco de o movimento do dólar respingar na economia real, elevando os preços e forçando o Banco Central a aumentar a taxa Selic, hoje em 10,50% ao ano, para conter a inflação.
Atenções também estão voltadas para as próximas indicações ao Banco Central
As atenções também estão voltadas à definição do futuro presidente do Banco Central, que será indicado por Lula para substituir Campos Neto a partir do ano que vem. O nome mais cotado é do atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo.
Lula ainda indicará mais dois diretores ao final deste semestre. O temor é que com a nova composição, que reunirá sete indicados pelo atual governo, o BC ceda a pressões do governo e seja mais leniente com a inflação.
Na semana passada, o petista classificou como um “absurdo” ter que presidir o país por dois anos tendo um indicado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no comando da autarquia.
“O Banco Central tem autonomia, o cidadão [Campos Neto] tem mandato. Veja que absurdo, eu ganhei as eleições para presidente da República e vou ficar dois anos com um presidente do BC indicado pelo adversário, que pensa ideologicamente diferente de mim, que pensa economicamente diferente de mim”, afirmou Lula à rádio Itatiaia, de Minas Gerais, no último dia 27.
Nesta terça-feira (2), a ministra do Planejamento, Simone Tebet, defendeu uma mudança no mandato do presidente do BC para evitar que o presidente da República eleito governasse por dois anos com um indicado pelo governo anterior. Atualmente, o presidente do BC atua dois anos em uma gestão e mais dois anos com outro ocupante do Palácio do Planalto.
“Acho que é saudável a autonomia do Banco Central, mas eu questionei [quando senadora] esses dois anos de um presidente do Banco Central de governos passados. Acho que um ano é mais que o suficiente, é o tempo de se adequar e passar o bastão”, disse Tebet a jornalistas no Senado.
* Informações da Gazeta do Povo.