O único catarinense a ocupar o cargo de Presidente da República do Brasil, Nereu de Oliveira Ramos , ou simplesmente Nereu Ramos, fez parte de uma das famílias mais influentes da história catarinense. Nascido em Lages, em 3 de setembro 1888, ocupou o cargo por apenas três meses, num momento de turbulência política, logo após o suicídio do então presidente, Getúlio Vargas, em 1954.
Nereu era filho de Vidal José de Oliveira Ramos e de Teresa Fiúza Ramos. Sua família, proprietária de grandes extensões de terra no planalto catarinense, constitui com a família Konder-Bornhausen uma das poucas oligarquias que acompanharam todos os movimentos políticos mais importantes do século XX sem ceder à primazia da política estadual.
Seu pai foi deputado provincial no Império e, depois da proclamação da República, ocupou uma cadeira na Câmara Estadual durante várias legislaturas; exerceu por duas vezes o governo de Santa Catarina (de 1902 a 1905 e de 1910 a 1914), foi deputado federal e senador.
Entre seus irmãos, Joaquim Ramos foi deputado federal de 1947 a 1971, e Celso Ramos governou o estado entre 1961 e 1966, representando-o no Senado de 1967 a 1971. Três primos seus também se destacaram na política catarinense: Saulo Ramos cumpriu um mandato na Câmara Federal de 1951 a 1955 e foi eleito senador para o período de 1955 a 1963; Aristiliano Ramos foi interventor no estado entre 1933 e 1935, e Cândido de Oliveira Ramos, interventor em 1932, foi também senador em 1935 e deputado federal entre 1935 e 1937.
Lages, São Paulo e Florianópolis
Depois de cursar o primário em sua cidade natal, Nereu Ramos ingressou no internato Nossa Senhora da Conceição, dirigido por padres jesuítas e situado em São Leopoldo (RS). Em 1905, matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi redator da revista do Centro Acadêmico XI de Agosto.
Por ocasião da Segunda Conferência de Paz, realizada em Haia (Holanda) em 1907, Nereu integrou uma comissão de estudantes formada para inaugurar, no salão nobre da faculdade, um busto de Rui Barbosa, representante do Brasil naquela conferência.
Deputado estadual
Bacharelando-se em 1909 retornou a Lajes no ano seguinte e começou a exercer a advocacia. Em 1911, transferiu-se para Florianópolis e iniciou sua participação no jornalismo e na política, escrevendo para jornais locais e elegendo-se em seguida deputado estadual.
No ano seguinte, renunciou ao mandato parlamentar para assumir as funções de secretário da delegação brasileira às conferências internacionais de Direito Marítimo e Letras de Câmbio, realizadas em Bruxelas e Haia.
De volta ao Brasil, reintegrou-se à política de seu estado, atuando, entre janeiro e junho de 1914, como oficial-de-gabinete de seu pai, presidente de Santa Catarina. Durante a Primeira Guerra Mundial, iniciada nesse ano, Nereu foi redator-chefe de O Dia, órgão do Partido Republicano Catarinense (PRC), e fundou o jornal A Noite, em Florianópolis, para defender a causa dos países aliados.
A favor da guerra
Apesar da presença de grande número de imigrantes germânicos no estado e da simpatia de parte significativa da opinião pública catarinense à Alemanha, Nereu fez campanha em favor da declaração de guerra a esse país, o que ocorreu em outubro de 1917.
Nereu não se reelegeu para a Câmara Estadual em 1916 em virtude dos conflitos existentes entre sua família e Filipe Schmidt, sucessor de seu pai na chefia do governo de Santa Catarina. Na legislatura seguinte, iniciada em 1919, exerceu pela última vez um mandato de deputado estadual, permanecendo na oposição ao governo catarinense chefiado, entre 1918 e 1924, por Hercílio Luz.
Em 1921, fundou o jornal A República e foi um dos organizadores em seu estado da Reação Republicana, movimento de apoio à candidatura de Nilo Peçanha para as eleições presidenciais de março do ano seguinte, vencidas por Artur Bernardes.
Esse resultado desagradou a setores militares e provocou o recrudescimento da oposição ao governo federal. Em 5 de julho de 1922 antes da posse de Bernardes, eclodiu um levante em guarnições do Rio de Janeiro (então Distrito Federal) e de Mato Grosso que, apesar de rapidamente sufocado, deu início ao ciclo de revoltas tenentistas da década de 1920.
Deputado federal
Durante todo esse período, Nereu Ramos permaneceu na oposição aos governos estaduais de Antônio Pereira da Silva e Oliveira (1924-1926) e Adolfo Konder (1926-1930), exercendo a advocacia e atuando como jornalista em Santa Catarina.
Após a promulgação da Constituição e a eleição de Getúlio Vargas para a presidência da República, em 16 e 17 de julho de 1934, os constituintes tiveram seus mandatos prorrogados até a posse dos novos deputados que seriam eleitos em outubro, passando então ao trabalho legislativo ordinário.
Nesse período, Nereu Ramos integrou na Câmara as comissões de Constituição e Justiça, Reforma do Código Eleitoral e Estatuto dos Funcionários Públicos, além de participar da campanha eleitoral do seu estado. Nereu Ramos concorreu a uma cadeira na Câmara Federal, tornando-se também candidato do PLC ao governo do estado.
Durante a campanha, o Partido Republicano Catarinense (PRC) e outras agremiações oposicionistas articularam uma coligação que, liderada por Adolfo Konder — chefe da oligarquia rival da família Ramos —, conquistou o apoio do interventor Aristiliano Ramos. Dessa forma o interventor foi lançado candidato ao governo do estado pela oposição. Realizado o pleito, Nereu foi reeleito deputado federal, enquanto que, na composição da Constituinte estadual, configurou-se uma situação de equilíbrio entre as duas candidaturas para o governo: foram escolhidos 12 deputados partidários de Nereu, cinco de Aristiliano e 14 das oposições coligadas, dos quais cinco, do grupo Konder, se recusavam a votar no interventor.
Nesse contexto, Flores da Cunha pediu a Vargas que interviesse em favor de Aristiliano, mas o presidente preferiu tentar uma solução conciliatória que lhe garantisse um governo amigo em Santa Catarina.
Governador
Antes da instalação da Constituinte, o PLC conseguiu obter a adesão de alguns deputados republicanos desequilibrando a correlação de forças. Alegando falta de garantias para o funcionamento normal da Assembleia, os representantes liberais e os dissidentes do PRC refugiaram-se no quartel da guarnição federal de Florianópolis — o 14º Batalhão de Caçadores — e iniciaram os trabalhos. Em1º de maio de 1935 elegeram Nereu Ramos governador do estado, dando início a um período de dez anos em que Nereu esteve à frente do governo de Santa Catarina.
Nereu era também um político de atuação nacional tendo participado, junto com Juraci Magalhães, Carlos de Lima Cavalcanti e Benedito Valadares, das articulações ligadas à sucessão de Vargas, prevista para 1938. Em maio de 1937, seu partido, o PLC, esteve representado na convenção de lançamento da candidatura de José Américo de Almeida à presidência da República, com o apoio oficioso do governo.
Em 1945, foi um dos fundadores do Partido Social Democrático (PSD) no Estado, no mesmo ano elegeu-se Deputado Federal, com 28.007 votos, e Senador por Santa Catarina, com 110.740 votos, o que era permitido na época. Tomou posse no Senado para a 38ª Legislatura (1946-1951) e para a Assembleia Nacional Constituinte que iniciou seus trabalhos em fevereiro de 1946.
Tornou-se líder da maioria na Casa e foi eleito por unanimidade Presidente da Comissão Constitucional – integrada por representantes de todos os partidos, sendo o responsável por elaborar o projeto de Constituição. A nova Carta foi promulgada em 18 de setembro de 1946.
Presidente do Senado
Pelos Constituintes foi eleito (indiretamente) Vice-Presidente da República, sendo Presidente, General Eurico Gaspar Dutra, eleito diretamente com 3.251.507 votos em todo o Brasil. Nereu tomou posse e, de acordo com as novas normas constitucionais, passou a exercer o cargo de Presidente do Senado (1946-1951).
Enquanto Presidente do Senado, respondeu interinamente duas vezes pela Presidência da República do Brasil: de 13 a 30 de maio de 1949, durante viagem do titular aos Estados Unidos; e no início de 1955, quando Café Filho (João Fernandes Campos Café Filho) viajou à Bolívia para inaugurar a ferrovia Corumbá-Santa Cruz de La Sierra.
Pelo PSD, foi eleito Deputado Federal por Santa Catarina em 1950, com 14.513 votos, para a 39ª Legislatura (1951-1955) e, no período, presidiu a Câmara dos Deputados.
Em outubro de 1954, elegeu-se novamente Senador por Santa Catarina, pela coligação PSD e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), com 160.980 votos, para a 40ª Legislatura (1955-1959) e foi Vice-Presidente do Senado em 1955.
Suicídio de Getúlio
Nesse ano, as pressões ao Governo de Getúlio Vargas avolumavam-se, após o atentado a Carlos Lacerda na Rua Tonelero. Café Filho, Vice-Presidente da República, propôs a Vargas uma renúncia conjunta. Se isto acontecesse, Nereu Ramos seria o Presidente da República, devido ao seu cargo. Getúlio Vargas não aceitou a proposta e suicidou-se em 24 de agosto de 1954.
Diante da vacância, Café Filho assumiu a Presidência do Brasil, mas deixou o cargo por problema cardíaco, sendo substituído pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, de 8 a 11 de novembro de 1955. Carlos foi retirado do cargo por militares, comandados pelo Marechal Henrique Lott, no Movimento 11 de Novembro. Os militares temiam que os candidatos eleitos para Presidência e Vice-Presidência do país, Juscelino Kubitschek e João Goulart, não fossem empossados.
Em função do impedimento de Café Filho, da deposição de Carlos Luz e da declaração de que o afastamento do Vice-Presidente seria definitivo, a Câmara dos Deputados elegeu Nereu Ramos para ocupar a Presidência da República, até que Juscelino Kubitscheck fosse empossado, assumiu o cargo e governou de 11 de novembro de 1955 até 31 de janeiro de 1956, sendo o primeiro catarinense a exercer tal posto.
Morte em desastre aéreo
Nereu Ramos faleceu em 16 de junho de 1958, em São José dos Pinhais/PR, vítima de desastre aéreo, num voo que partiu de Florianópolis. O avião, um Convair CV-440, de matrícula PP-CEP, da Cruzeiro do Sul, acidentou-se durante o pouso, matando dezoito pessoas, entre elas, Jorge Lacerda (Governador de Santa Catarina) e Leoberto Leal (Deputado Federal). No Senado foi sucedido por Francisco Gallotti, o primeiro suplente.
Nereu foi sepultado no Rio de Janeiro. Seus restos mortais foram depois transladados para Lages e estão no Memorial Nereu Ramos, onde há acervo de documentos e fotografias.