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Após vinte anos de ocupação, Afeganistão volta a estaca zero

Por: Pedro Leal

16/08/2021 - 11:08 - Atualizada em: 16/08/2021 - 11:43

Combatentes talibãs chegaram neste domingo (15) à capital do Afeganistão – Cabul, a última grande cidade que ainda estava sob controle do governo do presidente Ashraf Ghani, que abandonou o país. Com a conquista, o movimento extremista volta ao poder depois de duas décadas.

O país do Oriente Médio estava sob controle provisório dos EUA desde 2001, em uma ocupação de 20 anos iniciada por George W. Bush após os atentados de 11 de setembro daquele ano. A ocupação passou por quatro presidentes: os republicanos Bush(2001-2008) e Trump (2017-2020) e os democratas Obama (2009-2016) e Biden (2021-), que retirou as tropas em seu primeiro ano de governo.

Nos últimos dias, todas as grandes cidades caíram nas mãos dos radicais islâmicos. Em muitas delas não houve sequer resistência. Na manhã de domingo, antes de Cabul, eles tomaram Jalalabad.

Na capital, o governo afegão e os talibãs estão em conversações para uma rendição pacífica e a constituição de um governo transitório.

Para a especialista em relações internacionais da Rádio e Televisão de Portugal (RTP)Ana Isabel Xavier a ofensiva talibã sobre Cabul é “um pouco surpreendente”, tendo em conta que os serviços secretos norte-americanos previam a queda da capital afegã dentro de três meses.

Foto: Associated Press

O papa Francisco apelou à paz e ao diálogo entre as partes envolvidas no conflito do Afeganistão. O sumo pontífice da Igreja Católica considera que só dessa forma o povo afegão poderá viver em segurança.

Em abril, Biden negou o risco de que se repetissem imagens como a da evacuação das embaixadas americanas no Vietnã, durante a guerra do Vietnã, em que americanos tiveram que ser evacuados de helicóptero do telhado da embaixada – no fim de semana, funcionários e cidadãos americanos tiveram de ser evacuados de helicóptero do telhado da embaixa.

Caos

O controle do Talibã põe em cheque os direitos de mulheres e a imunização contra a Covid-19 no país. O grupo extremista é conhecido pela imposição da burqa, o mais restritivo dos véus islâmicos, deixando apenas uma abertura parcial para os olhos, e por proibir as mulheres de estudar ou de sair às ruas desacompanhadas.

De acordo com o portal local de notícias Shamshad News, a vacinação já foi interrompida na província de Paktia, no leste do país. Desde a tomada da província pelo grupo, as vacinas contra a covid-19 pararam de ser distribuídas pela região.

De orientação sunita, o Talibã é um dos mais conservadores grupos extremistas islâmicos. Em seu território era proibido cantar, dançar, ouvir música, ver televisão, usar a Internet, tirar fotografias, ler livros não autorizados pelo governo, fazer festas de casamento e fumar. Os homens eram obrigados a usar barba, enquanto mulheres tinham de usar a burqa. Essas imposições devem ser rapidamente retomadas, segundo declarações do próprio grupo de que irão “matar aqueles que adotarem a cultura ocidental”.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump afirmou neste domingo (15) que seu sucessor Joe Biden deveria renunciar após a vitória do Talibã no Afeganistão, mas também por causa de sua má gestão de questões como a pandemia.

“É hora do desacreditado Joe Biden renunciar por permitir o que aconteceu no Afeganistão, mas também pelo aumento vertiginoso da covid, o desastre na fronteira, a supressão de nossa independência energética e a paralisia de nossa economia”, escreveu o ex-presidente republicano em comunicado.

Entenda a ascensão do Talibã

O paupérrimo país de 31 milhões de habitantes se vê em meio a instabilidade política desde a Guerra Fria. Mantendo boas relações com as duas superpotências da Guerra Fria, o então regente do país, Zahir Shah, foi derrubado em um golpe pelo presidente Daoud Khan em 1971.

Cinco anos depois, Khan foi derrubado em um golpe violento pelo Partido Popular Democrata do Afeganistão, de orientação marxista, que passou a reprimir duramente movimentos de oposição. A repressão deu origem aos mujahideen, milícias islâmicas que vieram a dar origem ao Talibã.

O governo do partido foi breve: em 1979, o secretário geral do partido, Nur Muhammad Taraki, foi assassinado pelo primeiro Ministro Hafizullah Amin. Insatisfeito com o governo de Amin, os soviéticos invadiram o país em dezembro daquele ano, tornando o pequeno país um campo de batalha ativo na Guerra Fria.

Temendo a perda de influência na região e o avanço dos comunistas, os EUA e o Paquistão armaram os grupos rebeldes anti-comunistas do país, levando a um governo instável após a retirada dos soviéticos em 1989, após um conflito que resultou entre 500 mil e duas milhões de mortes.

O novo governo foi breve, caindo em 1992 e dando lugar a uma guerra civil entre pequenas milícias. A maior dessas, o Talibã (lit: “os estudantes”), alimentados pelo Paquistão, que tomaram a capital Kabul em 1996, se consolidando como o principal player político no país até 2001 – e agora volta ao poder, após 20 anos de ocupação americana.

A situação se agravou agora com a retirada americana. Ao todo, foram gastos US$ 2 trilhões nos 20 anos de ocupação, parte desses recursos usados para armar o governo interino do Afeganistão – rapidamente derrubado – e parte para armar suas próprias tropas. Segundo os EUA, 90% do equipamento bélico foi retirado do país.

Na última semana, foi confirmada a apropriação por parte dos extremistas de Humvees, helicópteros, metralhadoras, mísseis, drones e Veículos Blindados à Prova de Minas e Emboscadas (MRAPs, em inglês) deixados para trás em bases americanas.

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Pedro Leal

Analista de mercado e mestre em jornalismo (universidades de Swansea, País de Gales, e Aarhus, Dinamarca).