Software catarinense ‘lê’ as rodovias e aponta os melhores investimentos para torná-las mais seguras

Antes da pandemia, o LabTrans/Fapeu fornece treinamento para uso da Metodologia iRAP. Foto: Divulgação

Por: Elissandro Sutil

02/06/2021 - 09:06 - Atualizada em: 02/06/2021 - 09:17

A mobilidade urbana é um desafio para qualquer cidade grande e conforme a tecnologia avança, surgem soluções cada vez mais eficientes. No entanto, a infraestrutura de transporte evolui de forma mais lenta, por conta da complexidade e gastos envolvendo grandes obras de engenharia.

A frota de veículos mais que dobrou no país em dez anos, saltando de 48,5 milhões em 2010 para 109 milhões em abril de 2021. Isso intensifica os desafios e impele o setor a buscar novas soluções. Ano passado o Brasil registrou 35 mil mortes por acidentes de trânsito. No mundo todo são 1,35 milhão de mortos por ano.

Uma iniciativa catarinense contribui desde 2015 para tornar investimentos na área mais eficientes, visando a melhoria da segurança viária. O software de inspeção de rodovias Stars, sigla para Smart Technology to Advanced Road Safety (tecnologia inteligente para segurança viária avançada, na tradução para o português), foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Com um levantamento em vídeo da via, feito com uma câmera acoplada a um veículo, os cientistas conseguem classificar a via em uma escala conforme critérios internacionais padronizados e ainda obter um plano de investimentos para “salvar vidas” nas rodovias mais perigosas. Esse trabalho segue a metodologia e padrões do International Road Assessment Programme (iRAP), que baliza investimentos internacionais em infraestrutura viária.

“Essa metodologia iRaP é muito bem aceita pelo Banco Mundial e pelo BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], por ser uma metodologia que permite visualizarmos resultados possíveis, em termos de segurança viária, a partir dos investimentos em infraestrutura”, explica a doutora em engenharia civil e Coordenadora de Segurança Viária do LabTrans, Camila Barreto.

Imagem: Reprodução/irap.org

Escala de risco

Tudo começa com um levantamento em vídeo da via. Segundo a coordenadora, o LabTrans já fez levantamentos em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e no Ceará, onde cerca de 100 quilômetros de vias urbanas foram analisados em Fortaleza.

“O Stars é uma solução integrada de baixo custo, na qual as imagens são obtidas por meio de câmeras de ação, do tipo GoPro. […]. Utilizamos veículo de passeio e instalamos a câmera, conforme um padrão pré-estabelecido e fizemos um levantamento a partir disso. Podemos levar rapidamente para qualquer lugar, sem precisar de veículo próprio, previamente equipado”, explica Camila.

Por meio das imagens captadas, a equipe do LabTrans processa e codifica os dados no Stars, identificando mais de 70 atributos diferentes – como a velocidade da via, se a pista é simples ou dupla, a existência de interseções, travessia de pedestres, acostamento, objetos nas laterais, entre outros, gerando uma espécie de raio-x da via. Depois disso, os dados são exportados para outro software do programa iRaP, chamado ViDA.

“No software do iRaP obtemos a classificação por estrelas das vias, de 1 a 5 estrelas, sendo uma estrela a rodovia com maior risco aos usuários”, explica Camila. O ViDA também classifica as vias de acordo com o risco associado a quatro tipos de usuários das vias: ocupantes de veículo, motociclistas, pedestres e ciclistas.

Plano de investimentos

O software ViDA também gera planos de investimentos para vias mais seguras. Segundo Camila, ele tem uma lista de mais de 90 contramedidas ou medidas de engenharia, na sua maioria de baixo custo, que impactam na melhoria da segurança viária.

“Cada contramedida dessas tem um custo, conforme o país ou mesmo região. Com dados socioeconômicos e de acidentes, é possível gerar esses planos de investimentos economicamente viáveis, incluindo uma estimativa de quantas vidas e feridos graves podem ser salvos ao longo de 20 anos”, exemplifica.

Baseado nesta metodologia, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) iniciou o levantamento funcional de toda a malha federal brasileira (60 mil quilômetros) em julho de 2020. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também incorporou a metodologia iRaP nos projetos de concessão.

 

Foto: DNIT

Planos para ir além

O LabTrans não é a única instituição credenciada para executar esse tipo de levantamento, mas é um dos 11 Centros de Excelência do iRaP pelo mundo, o único no Brasil. Agora que a UFSC possui o registro do Stars junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), expedido no dia 18 de maio, a equipe quer trabalhar com o controle de qualidade dos trabalhos na área.

“O Stars já recebeu o certificado do Inpi. A partir disso tem esse registro válido por 50 anos. Mesmo assim, estamos em busca de inovações e melhorias nas etapas de pós-codificação e de controle de qualidade, que seria avaliar a codificação realizada por codificadores do LabTrans ou de outras empresas, conforme prevê a metodologia iRaP. Podemos avaliar se está sendo feita de forma correta, de acordo com o Manual de Codificação de Vias do iRaP, incluindo novas funcionalidades na avaliação das codificações das vias por meio de mapas e verificação das imagens. Outros sistemas credenciados pelo iRaP no mundo não tem esse segundo processo”, explica Camila.