Professor umbandista pretendia se “crucificar” em frente escola de Jaraguá do Sul

O professor de física e química da Escola de Educação Básica Professor Duarte Magalhães, Ivam Gonçalves, é descrito como um professor “gente boa” e “brincalhão” pelos alunos. Mas, segundo ele, a direção da unidade localizada no bairro Barra do Rio Cerro busca qualquer evento contra ele para fazer perseguição religiosa.

Praticante da umbanda, ele decidiu denunciar a situação durante protesto realizado durante a manhã e tarde de quinta-feira (12). Trajando roupas usadas nos ritos da umbanda, Ivam levou uma cruz para a frente da escola e pretendia se crucificar.

Após ser convencido por policiais militares, decidiu apenas acender velas para “atrair boas energias” contra a injustiça que diz estar sofrendo.

O professor conta que por duas vezes a PM foi até o local e, em uma das vezes, chegou a fazer um boletim de ocorrência por intolerância religiosa. Na primeira vez, segundo ele, a guarnição havia sido chamada pela direção para impedir a manifestação.

Professor se diz alvo de perseguição religiosa | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Professor se diz alvo de perseguição religiosa | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Ivam diz que é perseguido por causa de sua religião desde que entrou na escola, há cerca de três anos. Em maio, situação envolvendo uma aluna fez com que a situação se tornasse pública.

“Uma aluna tirou nota 6. Eu expliquei que ela já estava na média e não precisava de recuperação. Mesmo assim, fiz uma revisão e prestei o exame com consulta. Ela tirou a mesma nota e não quis aceitar”, conta.

“Depois, ela encontrou um aluno que havia acabado de entrar na escola. Ele começou a movimentar a sala contra mim, mas não me meti na história, não fiz nada. Quando foram representar contra mim, havia apenas três alunos contra mim”, afirma.

Ele lembra ainda que os pais foram até a escola e a mãe da aluna o agrediu. O pai do aluno e a mãe da aluna registraram um boletim de ocorrência contra o professor. Segundo a Gerência Regional de Educação (Gered), outros pais registraram dois B.O.s contra o professor.

Ivam se sente perseguido pelo fato de ser praticante de umbanda, mesmo que não aborde o assunto em sala de aula.

“Muitas vezes, os alunos vêm me perguntar sobre a umbanda por curiosidade. Geralmente, explico rapidamente o que querem e voltamos para a aula de química ou física. Agora, procuram qualquer motivo para me acusar”, relata.

“Quando acontece algo, me chamam para um local fechado e fazem uma ata que me recuso a assinar. Eles colocam apenas a versão dos alunos”, descreve, ao ressaltar o que chama de perseguição feita de forma velada pela direção, indireta para os alunos, mas feita de forma direta contra ele.

Alunos consideram professor brincalhão

Brincalhão, Ivam Gonçalves ganhou fama da professor que brinca com os alunos, sempre sabendo até onde ir. Ele também é famoso por jogar truco com eles nos intervalos das aulas. Estudantes de outras turmas em que ele não dá aula ficam curiosos e o abordam para conhecer um pouco mais do professor que frequenta a umbanda.

Os estudantes ouvidos pela reportagem não ouviram falar da briga que provocou o primeiro boletim de ocorrência contra o professor e atestam a postura profissional e divertida dele.

“Ele sempre foi uma pessoa extrovertida com os alunos. Sempre deixa bem claro o conteúdo. Se você tem dúvida, vai até na mesa dele, conversa e ele te explica. Ele sempre dá oportunidade de você fazer uma recuperação e também de entender o assunto”, afirma a aluna Amanda da Silva, 16 anos.

Nunca aconteceu nenhuma briga entre ele e alunos da nossa sala, porque é uma pessoa que sempre mantém a calma. Então, não tem do que reclamar”, completa.

Gered abre processo administrativo

A direção da Escola de Educação Básica Professor Duarte Magalhães não se quis se manifestar sobre o caso. A gerente de Educação e secretária-executiva da Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), Cristiana Poltronieri Ziehlsdorff, explica que um processo administrativo foi aberto no dia 1º de junho para apurar a conduta de Ivam Gonçalves na unidade escolar.

Três pessoas serão escolhidas para apurar os incidentes. Ivam terá direito a ampla defesa com um advogado.

Cristiana comenta que o relacionamento entre o professor e a direção da escola não era conturbado, que sempre atendia aos chamados para conversas e que sempre estava disposto a trocar aulas, por exemplo.

Ela explica que as atas de todos os conselhos, em que participam alunos, pais e professores, serão pedidas para que seja feito um histórico do comportamento do professor. A secretária-executiva diz que o professor pode estar usando o fato de ser praticante da umbanda como defesa.

“São sempre comportamentos que os alunos trazem, de uma maneira agressiva ou alguma coisa nesse sentido, que é o que eles colocam para a gente nos B.O.s. No último B.O., feito no dia 2 de julho, um foi feito pelos pais e um pela assessora da unidade escolar, da maneira como ele se reportou para a assesso”, conta.

“A maneira agressiva como ele se manifestou, dizendo: ‘vou deixar vocês em nada’, ‘vão pagar por tudo o que estão fazendo’ e ‘estou observando o trabalho de vocês’. Ameaças que alguns alunos traziam, que havia espíritos na sala que estavam dando recados para ele e que ele disse qual foi o aluno que falou dele no conselho de classe”, conta.

Umbandistas se manifestam contra intolerância

O diretor do Departamento de Cultura da Federação da União dos Cultos Afro (Fuca), o também professor José Aparecido Félix, diz que o caso de Ivam Gonçalves não é isolado na região e que muitos profissionais da educação enfrentam preconceito por serem umbandistas.

O desejo dos praticantes das religiões de origem africana é que as questões relacionadas com o preconceito, intolerância e racismo sejam banidas da sociedade. “Só vejo que não há interesse no avanço dessas questões por parte dos poderes públicos constituídos”, aponta.

De acordo com Félix, apesar de Jaraguá do Sul contar com uma entidade que está em todos os Estados do país e outros seis países, a Federação da União dos Cultos Afro nunca foi chamada pelo poder público para discutir questões ligadas às religiões de matrizes africanas.

“O povo até diz desconhecer, mas só no nosso município temos 198 casas diferentes de nações com esta prática religiosa. Com pessoas de outras cidades da região, chegamos a somar mais de 18 mil membros”, anota.

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