Parceria transformadora: mães jaraguaenses contam o que aprendem com os filhos

Por Dyovana Koiwaski e Gustavo Luzzani

Quando uma mulher se torna mãe, a vida assume rumos que podem parecer um roteiro já conhecido: amamentar, acompanhar os primeiros passos, levar na escola, suportar as crises da adolescência, e por aí  a vida segue.

No decorrer dessas histórias, algumas mães estão construindo uma relação de troca com seus filhos: aprendendo, ensinando e também compartilhando.

Três dessas mulheres são personagens nesse Dia das Mães: Rejane, Francisca e Ana. Elas deixaram de lado a imagem de durona e se abriram para uma maternidade mais consciente e transformadora, com espaço para o diálogo e autoconhecimento.

Rejane, viu no papel de mãe uma oportunidade de evoluir como pessoa. Francisca se inspirou na força da filha para resgatar a autoestima perdida e Ana dedica-se na criação de um filho que respeite as mulheres, assim como todas as pessoas.

Evoluindo com a maternidade

Se o olhar de cumplicidade entre mãe e filha deixa claro a relação de parceria, Rejane Nunes, 51, afirma que nem sempre foi assim. A mudança, segundo ela, aconteceu nos últimos anos.

“A maternidade tem me puxado para ser alguém melhor. É observando o reflexo da nossa relação com os filhos que a gente se percebe”, comenta.

Rejane, com quatro filhos, iniciou uma busca pessoal porque queria evoluir como mãe. Neste caminho, percebeu que sim, os pais aprendem muito com seus descendentes. Ela avalia ser de uma geração que os pais tomavam todas as decisões.

Rejane diz ser fundamental respeitar a individualidade dos filhos e não impor decisões | Foto Eduardo Montecino/OCP News

“Existe uma hierarquia e ela precisa ser respeitada, mas nós também temos a oportunidade de aprender com os filhos”, garante.

Hoje, a empresária acredita que o papel dos pais seja conduzir as crianças, adolescentes ou adultos, para que eles construam sozinhos os seus caminhos e floresçam como ser humano. O apoio e respeito são fundamentais para que aconteça uma troca de aprendizado.

Este “despertar” para uma maternidade diferente fez Rejane respeitar a individualidade dos filhos e enxergá-los como seres humanos independentes dela.

“Antes eu queria resolver tudo, mas não podemos impor. Temos que dar amor, aconselhar, compartilhar experiências e saber que as dificuldades do crescimento engrandecem a pessoa”, explica.

Calina Bassi, 25, uma das filhas mais novas da empresária, completa que a mãe ter deixado de lado o papel mais autoritário e dado espaço à leveza fortaleceu a amizade entre elas. “Posso me abrir com ela, confiar, e sei que não serei julgada por minhas escolhas”, declara.

Com mudança da mãe, Calina considera que a relação entre as duas melhorou | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Para Rejane, ter este espaço para conversar sobre os medos, alegrias ou qualquer outro assunto no ambiente familiar é o que faz “uma família” e fortalece o elo existente.

Ela acrescenta que desta forma, quando todos podem ser verdadeiros, a experiência da relação é mais rica e não se torna uma obrigação.

“Tento olhar para eles como indivíduos que estão somando comigo, aprendo muito. Estamos mais conscientes e podemos viver o melhor de uma família, não aquele emaranhado de controle, julgamento, dependência e apego”, destaca Rejane.

Um bom exemplo

No caso de Calina, que tem um filho de 5 anos, a relação aberta com Rejane faz ainda mais sentido. “Acho que toda a minha maneira de ser mãe, eu aprendi com ela”, declara.

Entre as características que Calina tenta levar para a maternidade estão ensinar “no caminho do amor”, dar o exemplo positivo e manter a união da família.

O exemplo citado por ela é algo que Rejane descobriu ser a melhor maneira de estimular os filhos.

“Descobri que o melhor jeito de incentivá-los é fazendo isso comigo mesma, nada é mais forte que o exemplo”, completa.

E foi exatamente isso que a empresária fez no ano passado, ao investir em um sonho antigo de negócio. “Todos podem viver o que sonham, por mais simples que seja”, enfatiza.

De filha para mãe

Assim como traços estéticos e de personalidade, herdamos muitos hábitos de nossas mães: o sorriso, jeito de conversar e até de ver o mundo. Na casa da servidora pública Francisca Delmiro Lourenço, 50 anos, uma dessas características motivou uma série de mudanças em toda a família.

Dona Francisca é negra e, naturalmente, tem o cabelo crespo. Com a mãe, ela aprendeu a alisar os fios e adotou esses cuidados com a filha Karla, hoje com 22 anos.

Assumir o cabelo natural levantou a autoestima das duas e também inspirou o filho mais novo de Francisca | Foto Eduardo Montecino/OCP News

“Quando ela era criança, relaxei o cabelo dela. Isso já vem com a gente porque ficava mais fácil de cuidar ou por medo de zoarem na escola”, conta.

A série de procedimentos para alisar o cabelo era desgastante, cara e chegou a prejudicar a saúde de Karla.

“Me sentia bonita só quando saia do salão. Quando ia para alguma festa, tinha que começar a me arrumar horas antes”, recorda.

Francisca comenta que mesmo com os alisamentos, a filha era vítima de atitudes racistas na escola. A situação, ao longo dos anos, abalou a autoestima das duas, que já não se sentiam mais bonitas e felizes com o cabelo.

Com 19 anos, Karla começou a pesquisar referências na internet e decidiu que iria assumir o cabelo natural. A atitude foi admirada pela mãe, que resolveu deixar a época de chapinhas e escovas no passado.

“Se não fosse a Karla, eu não teria feito isso. Tinha medo dela estranhar e não gostar, mas vi como ela amou e fiz também”, comenta.

A força e felicidade das duas com o novo visual estimulou até o filho mais novo de Francisca, Arthur, de 19 anos.

Parceria entre mãe e filha também envolve diálogo aberto e incentivo aos estudos | Foto Eduardo Montecino/OCP News

“Ele decidiu deixar o cabelo crescer e não raspar mais também. Meus filhos adoram ser negros, claro que ficam chateados com situações de racismo, mas hoje estão mais preparados para enfrentar isso”, diz.

Além dos cuidados com o cabelo, as duas têm um diálogo aberto e trocam aprendizados com frequência. Para Karla, essa contribuição das filhas com as mães está maior, principalmente pelo acesso às informações.

“Minha mãe não tinha acesso a assuntos como cabelo, empoderamento feminino ou estudos, eu acessei primeiro e passei pra ela. Agora a própria me manda posts sobre amar o corpo e como somos fortes”, relata Karla.

Outro incentivo que a filha está dando para Francisca é o de voltar a estudar. A servidora pública tem o ensino médio completo e está sendo motivada a cursar uma graduação.

“Os papéis estão invertendo, e isso também é bom”, considera.

Um garoto protetor das mulheres

Honestidade e lealdade são o primor para uma relação entre mãe e filho acontecer. Através do afeto e, principalmente, da conversa, Ana Carolina Oliveira, 32 anos, tentou colocar assuntos que achava primordial para Matheus Oliveira dos Santos.

E é desse jeito que o garoto, mesmo com apenas 13 anos, já debate temas revelantes à sociedade.

Vestindo uma blusa com decote e calça rasgada, a psicóloga estava pronta para ir à reunião de pais da escola de seu filho, não antes de ouvir o garoto pedir para a mãe trocar a roupa.

Quando Matheus tinha atitudes assim, Ana sempre tentava dialogar com ele e mostrar que não é mais ou menos mulher pela maneira que se veste.

“Antes, ele não gostava que eu ia maquiada para as reuniões, agora ele já me pede para passar batom vermelho porque acha mais bonito”, destaca.

Quando é questionado sobre atitudes machistas, o garoto abaixa o rosto e fala uma palavra forte com um tom de indignação: “morte”. A violência contra a mulher é algo que Matheus colocou em sua mente como algo inadmissível.

Ana e Matheus sempre tiram um tempo para lerem juntos | Foto Eduardo Montecino/OCP News

E por esse aspecto, o garoto sempre está preocupado com Ana. “Mãe, não anda tarde na rua, tu sabe que para mulher é perigoso. Pega um Uber, não volta sozinha. Não esquece o casaco”, são algumas frases onde Matheus demonstra seu cuidado especial com ela.

“Ele tem essa visão que o mundo da mulher é mais difícil do que para um homem”, conta.

Para Matheus, o respeito com uma mulher é a base para uma vida justa e isso já é colocado em conversas com seus colegas de escola. Quando vê atitudes que não acha apropriadas, ele logo retruca.

“Eu tenho amigos machistas e sempre sou sincero do que penso. Eles acham que a mulher deve ganhar menos e eu não concordo com esse pensamento”, afirma.

Ana acredita que o primordial na relação entre os dois é a honestidade, tentando manter as coisas mais claras possíveis.

Para Ana, o maior equívoco da criação é tentar proteger demais os filhos do mundo externo | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Quando ela erra, simplesmente admite e mostra os equívocos. E os erros do Matheus são seguidos de uma conversa profunda para mostrar o que é o correto.

“O certo não é o que os outros gostam ou fazem, mas sim o paradigma para o respeito e a lealdade”, diz Ana.

Ser mãe é viver uma vida de acertos e erros, sempre estando disposta a apreender com a ingenuidade de uma criança. Ana acredita que seu maior equívoco foi tentar proteger demais o Matheus do mundo externo e buscar sempre uma explicação para erros de pessoas próximas.

“Encontrar desculpas em um erro nem sempre é o certo, pois a pessoa acaba achando que tudo é perdoável”.

Ana também afirma que Matheus não tem apenas um respeito absoluto com as mulheres, mas também com qualquer outra pessoa, sabendo que todo mundo é igual.

Convivendo também com homossexuais, o garoto exclui o preconceito e os considera apenas como mais um ser humano que ama alguém e ponto final.

 

Quer receber as notícias no WhatsApp?