Pai registra filha com nome de anticoncepcional sem o consentimento da mãe

Foto: Representação

Por: Isabelle Stringari Ribeiro

13/05/2021 - 09:05 - Atualizada em: 13/05/2021 - 09:46

No começo de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a alteração no nome de uma menina de três anos. A alteração permitida deu fim à uma briga travada pela mãe desde do nascimento da criança. As informações são da BBC Brasil.

O pedido de mudança no nome foi solicitado após o pai da criança registrá-la com um nome diferente do que haviam combinado. Sem ela saber, o pai registrou a filha com o nome “Diane”.

A mãe diz que não há dúvidas sobre o motivo do primeiro nome escolhido pelo homem para a menina.

“Ele registrou o nome dela sozinho, sem o meu consentimento. Ele sabia que era o nome do meu anticoncepcional”, declara a mãe.

O pai nega que tenha escolhido o nome para ofender e ridicularizar a mãe da filha.

“No processo, o pai alega que não fez de forma proposital, que não foi no intuito de colocar como o nome do remédio. Ele alega que escolheu esse nome porque é fã de um desenho que tem uma heroína com o mesmo nome”, diz a advogada Caroline Menezes, responsável pela defesa do homem.

Durante o processo judicial, o pedido de alteração no nome foi negado duas vezes. A mãe teve contrariedades para provar que o anticoncepcional e o prenome da filha tivesse alguma relação.

“Na primeira e na segunda instância, a Justiça não aceitou o pedido porque não é um nome que expõe a criança ao ridículo e não foi provado que o pai fez isso por vingança. O Ministério Público até observou que ela poderia mudar o nome a partir dos 18 anos, como é permitido pela Lei brasileira”, explica o defensor público Rafael Rocha, responsável pela defesa de Fernanda. “Mas não tinha cabimento manter aquele nome, porque aquilo era um constrangimento para ela. A mãe estava discutindo, nesse processo, o direito de dar o nome da filha, não para avaliar se era constrangedor ou não. Não era vexatório do ponto de vista público, mas para a mãe e familiares mais próximos isso era um constrangimento”, acrescenta o defensor público.

A advogada Caroline Menezes, responsável pela defesa do pai, destaca que a mãe não conseguiu provar que o homem registrou o nome da filha como forma de ofensa.

“Tanto que ganhamos em primeira e segunda instância, por não haver esse tipo de prova”, justifica. “Até agora não há qualquer prova robusta de que ele agiu por vingança. Por isso, coloquei na defesa que a criança poderá mudar o nome, caso queira, quando fizer 18 anos. Não é algo vexatório”, acrescenta a advogada.

Ao decorrer do processo, a defesa da mãe decidiu por destacar o fato de que o nome da menina não foi escolhido em consenso pelos pais. Depois de apresentar provas, o STJ decidiu, por unanimidade, atender o pedido da mãe.

 

O medo do anticoncepcional

Os pais da criança não estão mais juntos. A mãe alega que se envolveu com ele por alguns anos, mas nunca passou de uma “amizade colorida”.

Durante o tempo que se relacionaram, ela fazia o uso do anticoncepcional, justamente para prevenir uma possível gravidez. Porém, com 23 anos, ela engravidou, mas descobriu a gestação somente depois que não estava mais com o pai da criança.

“Eu sempre tomei o remédio certinho, porque morria de medo de ser mãe. Pensava em ter filhos só a partir dos 35 anos, mais ou menos. O meu celular despertava todos os dias às 7 da manhã para eu tomar o anticoncepcional’, relata a mãe.

O susto foi grande, pois ela nunca imaginou que pudesse engravidar fazendo o uso do contraceptivo.

“Passei mal no trabalho algumas vezes. Fui ao médico, após alguns exames, descobri que estava grávida de seis meses”, diz Fernanda.

A mãe destaca que ainda durante a gestação pediu para que eles mantivessem uma amizade pelo bem da criança e ainda houve uma conversa sobre o nome da menina com o pai, mas ele não participou da gestação e pensava que ela tinha engravidado de propósito.

Quando a filha nasceu, a mãe acreditava que conseguiria ter uma boa relação com o pai da criança. Ela conta que esperou por ele no hospital para que fossem registrar a menina assim que ela tivesse alta hospitalar, mas esse encontro não aconteceu.

“Eu queria ter ido com ele para registrar, mas ele foi sozinho sem o meu consentimento. Depois que ele registrou, levou a certidão da minha filha para a minha casa, quando a minha mãe viu, disse para ele que eu iria brigar por causa do nome, mas ele disse que eu me conformaria”, relata. “Fiquei muito nervosa quando soube como ele registrou a minha filha. O meu leite até secou por tanto estresse”, acrescenta.

Segundo a mãe, o pai da criança apresentou uma cópia autenticada de uma identidade dela, que havia deixado na casa dele anteriormente, e levou para o cartório para que pudesse registrar a filha.

A mãe não se conformou com o nome composto escolhido pelo pai. Revoltada com a situação, ela procurou o cartório e tentou alterar o registro, mas descobriu que somente poderia fazer isso por meio da Justiça.

Ele não é pai, só foi o genitor

Após a decisão do STJ, a mãe afirma que ficou aliviada.

“Foi muito importante, tanto para mim quanto para a minha filha no futuro. Quando ela tiver maior, vai poder me perguntar o motivo de eu ter escolhido o nome dela e eu vou poder falar. Não terei que explicar sobre o outro nome”, diz.

Segundo ela, o pai não tem contato com a criança.

“Ele só a viu três vezes. Duas quando ela era pequena e a outra quando ele foi à Justiça pedir pra fazer teste de DNA, porque ele desconfiava que não fosse filha dele. Depois disso, nunca mais viu. Ele só paga pensão, porque a Justiça determinou”, declara a mãe. “Eu digo que ele não é pai, só foi o genitor. No começo, eu me magoava por ele não ser um pai presente, mas agora percebo que o que mais importa é que ela tem o amor de toda a nossa família e isso já está ótimo”, afirma.

O defensor público Rafael Rocha pontua que o caso pode servir como referencial para situações futuras, nas quais há divergência entre pais sobre o registro civil de uma criança.

“Essa decisão permite que casos semelhantes sejam revisados”, diz. “O que foi interessante nesse caso é que o STJ decidiu que a criança pode alterar um nome não somente porque é vergonhoso. É possível alterar a partir do momento em que os pais entram em um consenso, mas há uma mudança no registro que não havia sido combinada. Isso é comum acontecer e essa decisão pode ser uma inovação”, declara.

Segundo Rocha, o Núcleo de Promoção aos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo irá analisar o que poderá ser feito a partir desse caso para evitar situações semelhantes.

“Nesse caso, conseguimos prints que comprovaram que o nome combinado era diferente do registrado. Mas o problema é que a mãe nem sempre vai ter prova de que o pai mudou o nome combinado ao fazer um registro. Por isso, vamos verificar a possibilidade de regulamentar (nos cartórios do país) alguma forma de garantia de que pai e mãe estão de acordo com o nome registrado”, diz Rocha.

*Os nomes do pai e da mãe não foram divulgados para preservá-los.