Kelly Santana, de 46 anos, trabalha como catadora de piolhos profissional. Ao longo dos cincos anos trabalhando nessa área, Kelly revela que perdeu as contas de quantas crianças já atendeu. A reportagem é do portal UOL.
Por conta da pandemia do Covid-19, a clientela diminuiu, mas a profissional não se abalou e se mexeu para reverter essa situação. Ela conta que agora recebe mais de 50 chamadas por semana. O perfil dos clientes também mudou. Agora não são só crianças, adultos e adolescentes também passaram a procurar seus serviços.

"Com todos os membros da família trancados em casa e a volta às aulas presenciais, as crianças, que são mais suscetíveis à infestação, acabam passando os piolhos para os familiares", conta Kelly.
Ela conta que tem se surpreendido com a quantidade de idosos que a procuram.
"Geralmente são avós que cuidam das crianças para que a mãe possa sair para trabalhar. Avós são carinhosas, mais apegadas às crianças, às vezes, mais que a própria mãe. Então elas abraçam o tempo todo, colocam no colo. Daí acabam pegando os piolhos também", conta a profissional.

Dinheiro dos atendimentos mantém a família
Kelly mora com o marido, Jairson, que é torneiro mecânico e com os filhos Gabriel e Bianca, de 19 e 24 anos, respectivamente. Eles vivem em uma casa simples no bairro da Vila Sonia, em Praia Grande, litoral de São Paulo. Jairson está sem emprego fixo e ajuda na renda familiar fazendo "bicos" como gesseiro e pintor. Mas é com a catação de piolhos que a família vem conseguindo se manter.
"Com o dinheiro que eu ganho catando piolhos, conseguimos pagar o aluguel, que é de R$ 700 por mês, uma parte da conta de luz e ainda comprar comida. Meus filhos também ajudam como podem, mas é graças a essa profissão que escolhi seguir que estamos conseguindo sobreviver".

A profissional explica que o valor de cada atendimento varia. Ela calcula de acordo com a distância até a casa dos clientes. Em média, um atendimento com duração de três horas sai por volta de R$ 140.
Já atendi pessoas até em troca de alimentos. Uma vez, recebi quatro peixes para ajudar uma criança numa comunidade de pescadores. Eu tenho muito amor pelo que eu faço e jamais deixaria de ajudar alguém que precisa," diz Kelly.
Infelizmente, segundo Kelly, ainda existe muita ignorância e preconceito por parte das pessoas em respeito das infestações por piolhos. Ela já atendeu casos de crianças com o couro cabeludo em carne viva por produtos aplicados pelos próprios pais, com vergonha de procurar atendimento ou ajuda.

"As pessoas têm muita vergonha de dizer que elas ou seus filhos estão com piolhos. Tentam passar de tudo: inseticida, creolina, cândida. Uma vez peguei uma criança cheia de feridas na cabeça. A mãe tinha passado gasolina para se livrar da infestação. Numa outra situação, a criança estava muito machucada, tinha até sarna. Tive que chamar o Samu. A criança ficou internada por sete dias, à base de antibióticos," conta a profissional.
Tratamento ensinado por anciã indígena
Antes da Kelly se mudar para Praia Grande, litoral de São Paulo, ela morou com o marido em Gurupi, no Tocantins e lá conheceu uma anciã de uma das etnias locais de aldeias indígenas, que ensinou para ela a receita que hoje em dia Kelly aplica em seus clientes. Segundo ela, eliminam 100% dos piolhos sem produtos químicos e sem sofrimento.
O tratamento inclui uma infusão de arruda com alecrim, que ela depois ensina aos clientes. Mas tem um ingrediente secreto, que ela não revela.

"É um produto que todo mundo tem em casa. Eu passo nos cabelos da pessoa, depois cubro com plástico filme. Ele sufoca os piolhos adultos e também as lêndeas. Depois de um tempo agindo, eu passo o pente fino nos cabelos e os insetos vêm todos no pente, já mortos. Não sobra uma lêndea viva", diz Kelly.
A profissional conta que antes de começar a trabalhar de fato como catadora de piolhos, foi babá e esteve várias vezes diante de crianças infestadas por piolhos. Ela, gentilmente acabava eliminando os bichos para a alegria dos pais.

"Eu estudei muito para poder exercer essa profissão. Li livros e tratados, assisti a vídeos, consultei recomendações de especialistas. Tem gente que só usa a internet para se divertir. Eu uso para estudar e divulgar o meu trabalho. Hoje eu recebo pedidos do Brasil todo e até do exterior, mas é difícil de atender. A logística seria bem mais complicada", afirma Kelly.
Piolhos não escolhem classe social
Cerca de 60% dos atendimentos que Kelly realiza são em bairros nobres das cidades do litoral paulista. Principalmente nas cidades de Santos e Guarujá.
"Uma vez me procurou um empresário muito conhecido e bem-sucedido de Guarujá. As filhas estavam com piolhos. Eu não o conhecia, mas, quando vi o carro, percebi que era alguém muito rico. Fomos a uma cobertura num prédio de luxo, com vista panorâmica de frente para a praia. Piolhos não escolhem classe social." conta a profissional.