Marcado por tragédia em enchente, população aponta as prioridades para o Tifa Martins

Por: Elissandro Sutil

08/02/2018 - 07:02 - Atualizada em: 13/04/2018 - 16:40

Quando se fala no bairro Tifa Martins, é impossível não vir à memória o momento trágico vivido pelos moradores durante as chuvas de 2008. Mãe e duas filhas estavam dentro de uma casa que desceu morro abaixo em um deslizamento de terra, enquanto boa parte da cidade estava alagada.

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“Para mim parece que foi ontem, não dá para esquecer nada. Às vezes parece que a gente ainda escuta elas gritando, chamando, pedindo socorro”, lamenta a dona de casa Sandra Elisa da Silva Vogel, que dos 41 anos vive há cerca de 15 no bairro. Vizinha da família, Sandra acompanhou e viu a tragédia se desenrolar diante de seus olhos. Por volta das 23h, a casa desabou morro abaixo. As três morreram na tragédia. “Demorou, era uma hora da manhã e elas ainda gritavam pedindo socorro, quando foi sumindo o grito dela [da mãe] e das crianças. A gente sabia que não tinha mais jeito”, relembra.

Sandra lembra dos momentos de terror após o desmoronamento, em 2008 | Foto Eduardo Montecino/OCP

Mas não somente esse momento trágico remete ao bairro. Quando se fala no Tifa Martins, a pista de atletismo também vem à mente. Depois de anos de impasse por problemas no piso, a estrutura está recebendo praticantes da modalidade desde setembro de 2016 e recebe atualmente mais de R$ 530 mil em investimentos. O Centro Esportivo Municipal Murillo Barreto de Azevedo, com mais de 4.352 metros quadrados, deve se transformar em uma das principais pistas de atletismo do Estado, aponta a administração pública.

No meio de pontos positivos e negativos, está a população, que pontua a má condição nas estradas, pede mais investimentos nos postos de saúde e mais policiamento como pontos para serem melhorados no bairro, localizado na zona oeste de Jaraguá do Sul.

TRAGÉDIA IMPACTOU A COMUNIDADE 

A cena que a moradora Sandra Elisa da Silva Voguel não consegue esquecer é a mesma que, provavelmente, muitos jaraguaenses e catarinenses que, apesar de não terem presenciado, também não esquecem. A enchente de 2008 castigou a cidade, mas castigou uma família especial.

Sem esquecer-se do que viu em meio a escuridão que tomava conta do bairro, a dona de casa conta que o pai pulou a janela para tirar as filhas e a companheira de casa, mas antes que pudesse salvar a filha caçula a casa desabou morro abaixo. “Ele pulou pra fora e pediu pra jogar as meninas primeiro, pela janela. Ele tentou pegar a pequena, mas a mãozinha dela escapando da dele e aí foi tudo lá pra baixo, por cima de outra casa. Você não tem noção, era grito aqui, grito ali, grito lá embaixo, foi terrível, pior que filme de terror”, recorda. “Eles encontraram os corpos já era quase quatro da manhã, estava tudo escuro, os vizinhos todos vieram ajudar com lanternas. Quando encontraram, a mãe estava no meio das duas pequenas”, conta.

A tragédia marcou a história do bairro e promoveu atitudes preventivas nos moradores. Segundo Sandra, órgãos municipais visitaram a região, avaliaram os riscos e orientaram o plantio de árvores. “A Prefeitura veio, mandou a gente plantar árvore, fruta, essas coisas, porque construir ninguém pode mais, tanto que nem escritura a gente conseguiu ainda”, conta, enquanto olha para o imenso vazio atrás de casa por onde a residência vizinha desabou.

SAÚDE: DEMORA NO ATENDIMENTO E FALTA DE MÉDICOS SÃO PROBLEMAS APONTADOS PELA POPULAÇÃO 

A dona de casa Salete afirma que falta de médico prejudicou os atendimentos | Foto Eduardo Montecino/OCP

Antes mesmo das seis da manhã, a dona de casa Salete Ropelatto estava na fila para conseguir uma ficha de atendimento médico na Unidade Básica de Saúde Claudemir José Wittkoski, no bairro Tifa Martins. Conseguiu, apesar de ter que retornar na parte da tarde para um “encaixe”. Mas ela conta que outras pessoas não tiveram a mesma sorte. “Tem muita gente que chega, fica na fila, mas não tem ficha suficiente e aí às vezes demora meses pra conseguir uma consulta simples, aí quando consegue nem precisa mais”, diz. Vizinha de rua de Salete, a também dona de casa Vera Lúcia Máximo Ferreira reitera que a situação do atendimento no posto de saúde do bairro está longe de ser das melhores. De acordo com ela, a unidade de saúde ficou meses sem um médico disponível à população. Um novo profissional foi integrado e passou a realizar os atendimentos na última sexta-feira (2). “O postinho está péssimo, não tinha nem médico e com isso, tem fila de espera desde que voltaram a trabalhar neste ano”, conta.

A opinião é compartilhada pelo farmacêutico Anderson Mattos. Anderson ouve muitas histórias dos clientes que, muitas vezes, saem da unidade de saúde direto para sua farmácia e, segundo ele, a estrutura e equipe não conseguem atender a demanda do bairro, fazendo com que se forme uma fila para atendimento. “O agendamento de uma consulta simples, com clínico geral mesmo, demora dois, três meses. Se for encaminhamento para uma especialidade então, nem se fala”, diz.

Unidade Básica de Saúde Claudemir José Wittkoski, no bairro Tifa Martins | Foto Eduardo Montecino/OCP

OBRA DEVE TRANSFORMAR PISTA EM PONTO DE REFERÊNCIA ESPORTIVA 

Local para prática esportiva e incentivo ao atletismo, mais uma etapa de obras no Centro Esportivo Municipal Murillo Barreto de Azevedo, com investimento de mais de R$ 530 mil em recursos do Ministério do Esporte, está em andamento. Iniciada em agosto e com prazo quatro meses para ser finalizada, a construção das arquibancadas, urbanização e iluminação deve dar ainda mais condições para a prática na pista de atletismo, localizada na rua Francisco Hruschka.

Pista de atletismo localizada na rua Francisco Hruschka | Foto Eduardo Montecino/OCP

A parceria com o Ministério do Esporte envolve mais de R$ 4 milhões, além de outros R$ 360 mil de contrapartida do Executivo. Deste valor, R$1,9 milhão foi utilizado para a construção da pista, R$ 565 mil para o vestiário e drenagem e outros R$ 184 mil para a aquisição de equipamentos.

Para a secretária de Esporte, Cultura e Lazer, Natália Lúcia Petry, com o término da obra, Jaraguá do Sul terá melhor pista de atletismo do Estado e estará apta para receber, inclusive, competições oficiais em nível nacional. O prefeito Antídio Aleixo Lunelli lembrou que a pista começou a ser construída em gestões anteriores e que, agora, com sua finalização, será uma obra com a importância que Jaraguá do Sul merece.

POPULAÇÃO REIVINDICA PRESENÇA DA POLÍCIA 

Demanda levantada pela população, a segurança no bairro Tifa Martins é alvo de discussão e reclamação. De acordo com o farmacêutico Anderson Mattos, que mora no bairro há 14 anos e é vizinho de estabelecimentos que já foram alvo de roubos, o número de ocorrências contra o patrimônio tem aumentado na região, causando sensação de insegurança em comerciantes e moradores. “Ultimamente tivemos inúmeros casos de furtos e roubos aqui, ali na frente o moço da sorveteria foi roubado semana passada mesmo. Além disso, o consumo e venda de drogas acontece aí, pra todo mundo ver. Estamos trabalhando com medo”, ressalta.

Para a dona de casa Vera Lúcia Máximo Ferreira, seria importante intensificar a presença policial no bairro, o que, para ela, inibiria o crescente número de roubos e assaltos. “Aqui na frente, nesse matagal, muitas pessoas já foram assaltadas”, disse. “Precisamos de iluminação, mas também precisamos que as pessoas vejam a polícia no bairro”. Na opinião do farmacêutico Anderson, um posto da Polícia Militar no local seria suficiente para intimidar as ações que estão se tornando recorrentes no bairro.

Para a dona de casa Vera Lúcia Máximo Ferreira, seria importante intensificar a presença policial no bairro | Foto Eduardo Montecino/OCP

Chefe de comunicação social do 14º Batalhão de Polícia Militar de Jaraguá do Sul, o major Aires Volnei Pilonetto explica que a instalação de postos policiais em locais específicos já é uma política vencida pela limitação de atuação. “A instalação do posto modifica o cenário somente naquele local e adjacências, mas há muito foi superado. Não vemos como uma alternativa viável não só para o bairro Tifa Martins como para todos”, diz.

O major diz ainda que, apesar da sensação dos moradores de que houve aumento exponencial no número de ocorrência de crimes contra o patrimônio, os dados policiais não demonstram evoluções significativas na região. Ele ressalta ainda que essa é uma preocupação da PM jaraguaense e destaca que o monitoramento desses dados se dá de maneira constante. “Mas, há princípio, não nos chamou a atenção no sentido de aumento na incidência de roubos e furtos”, afirma.

Pilonetto chama a atenção ainda para algumas ações que dependem da participação da comunidade, como a “Rede de Vizinhos” e os conselhos comunitários de segurança que fazem a integração entre população e polícia. O policiamento, explica o major, é realizado de forma uniforme em todos os bairros da cidade, que são divididos em setores, para facilitar as rondas. “Não privilegiamos nenhum bairro”, finaliza.

MORADORES RELATAM FALTA DE MANUTENÇÃO E PAVIMENTAÇÃO NAS VIAS DO BAIRRO  

A rua que dá acesso à Associação de Moradores do Tifa Martins é uma das poucas do bairro que segue sem pavimentação e os transtornos, inevitavelmente, apareceram. Com uma subida íngreme e com as chuvas constantes, os buracos são frequentes na via, reclama a dona de casa Vera Lúcia Máximo Ferreira, moradora do bairro há 25 anos. “A nossa maior dificuldade é o asfalto, diversas ruas foram asfaltadas e a nossa continua aqui, com lama, pó, cheia de buracos e nada de asfaltar”, reclama. Ela conta que diversos veículos, inclusive de transporte coletivo, já tiveram prejuízos ao caírem nos buracos. “Tem ônibus que nem passa mais aqui porque já quebrou ali em cima”, conta enquanto aponta para um buraco que, coincidentemente, estava sendo fechado no momento em que a reportagem do OCP entrevistava Vera.

Condição das ruas e depósito de lixo em matagal são pontos destacados pela moradora Vera Ferreira | Foto Eduardo Montecino/OCP

Da rua ainda sem asfalto para a via pavimentada a reclamação só muda o foco. Para o farmacêutico Anderson Mattos, falta manutenção das vias. “A pavimentação é de muita má qualidade, olha como está cheio de buraco, é impressionante, cada semana é um buraco novo”, afirma.

Segundo a Prefeitura, em 2017, foram pavimentadas duas ruas do bairro. A Dorval Marcatto e a Irineu Franzner, que estavam no pacote de pavimentação da antiga gestão. Também foi feito o recapeamento de trecho da Francisco Hruschka, em cerca de 500 metros. Outras sete ruas estão previstas, com recursos provenientes de financiamento Badesc, e as obras devem ser realizadas ainda em 2018.

A administração pública defende que o projeto de Parceria Público-Privada, modelo de contratação autorizado pela Câmara de Vereadores no fim do ano passado, poderá agilizar outras obras de infraestrutura no bairro, além de garantir que as empresas responsáveis mantenham as condições da pavimentação.

Quanto à manutenção das ruas e operação tapa-buracos, a Secretaria de Obras e Serviços Públicos está com equipes em várias regiões do município e deve atender aquela comunidade nos próximos dias.

O acúmulo de vegetação é também uma reclamação de Vera, que tem como vizinho de muro um terreno repleto de matagal e que, segundo ela, serve de depósito de lixo e até mesmo de animais mortos. A iluminação também é motivo de reclamação da moradora que afirma que a combinação de iluminação precária e área de matagal traz preocupação com a segurança. “Muita gente já foi assaltada ali na frente e, até mesmo mulheres foram vítimas de tentativa de abuso”, afirma.