Para que o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT) seja aberto, será necessário o voto favorável de 342 dos 513 deputados federais. A votação começou na manhã de ontem, mas a definição acontece somente neste domingo (17), em sessão da Câmara dos Deputados marcada para começar às 14 horas. Passa pela avaliação dos parlamentares um parecer em que o deputado Jovair Arantes (PTB-GO), relator da Comissão Especial do Impeachment, recomenda que a o Congresso autorize o Senado a processar a presidente Dilma por crime de responsabilidade. Arantes avalia que a presidente cometeu crime ao abrir crédito suplementar em 2015 sem a autorização da Câmara, o que teria desrespeitado a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Outro ponto é a retenção de repasses para o custeio do Plano Safra, o que obrigou o Banco do Brasil a pagar benefícios com recursos próprios – manobra popularmente chamada de “pedalada fiscal”. Para o afastamento de Dilma acontecer, é preciso que a maioria simples dos senadores instaure o processo. Nesse caso, são até 180 dias de afastamento. Ela só deixa o cargo se dois terços dos senadores votarem a favor do impeachment em outra votação, presidida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. ‘Impeachment tem interesse econômico’ Combater a corrupção no Brasil não é o objetivo do processo de impeachment, acredita a mestre em história social, Valdete Daufemback. “Mesmo porque as pessoas que estão julgando a Dilma estão envolvidas em corrupção. Se fosse corrupção a questão, essas pessoas também estariam sendo julgadas, também estariam com seus cargos na mira de um impeachment”, aponta. Mais do que reformular a política brasileira, a professora afirma que há um movimento regido por interesse econômico. Para Valdete, as chamadas “pedaladas fiscais” que são apontadas pelo relator do processo já foram manobras utilizadas por outros governos e nunca renderam condenação. Segundo a professora, as bandeiras contra o PT começaram a ser levantadas em um momento de crise econômica internacional, quando houve pressão para a diminuição de políticas voltadas aos direitos sociais. “A reformulação do capital é um movimento mundial para a redução de diretos sociais. Tem mais de 20 projetos de lei no Congresso esperando esse momento. O que está em jogo é perder os direitos trabalhistas conquistados desde o século 20. Corremos o risco sim do impeachment, está tudo pronto para isso. Armaram um perfil de que essa seria a resposta para os problemas do Brasil”, defende. O veto da presidente Dilma ao aumento de até 78% nos salários dos servidores do Judiciário, aprovado pelo Senado em junho do ano passado, foi outro fator que, para a professora, inflamou a classe contra o governo. A professora universitária condena o papel da grande mídia que teria compactuado com interesses econômicos, reforçando o cenário de crise e ideia de que conceder diretos econômicos para as empresas trazia uma recuperação ao país. “Temos uma sociedade despolitizada e quem dá as regras são alguns meios de comunicação corrompidos. Temos uma imprensa violenta que está compactuando muito mais para enganar do que para elucidar. Aceleraram um verdadeiro ódio da sociedade ao PT”, avalia. Valdete relembra que a campanha contra partido começou muito antes da reeleição de Dilma. “Assim que ela ganhou, o PSDB falou que iria sangrar a Dilma. Sangrar foi impedir que ela trabalhasse. Como o governo se encolheu, aproveitou-se de editar uma crise e ideia forte da corrupção, que não é o verdadeiro cerne”, completa. especial ‘Sociedade vive polarização política’ Polarização política, crescente onda de manifestações populares e a catalisação efetuada pela operação Lava-Jato. Em síntese, esses são os fatores considerados pelo especialista em direito político, Jaison Heiler, para a formatação do cenário atual, em que a permanência do governo Dilma Rousseff (PT) fica a mercê da votação do Congresso Nacional. Para Heiler é difícil antecipar resultados, mas existem fatores que podem ser considerados para apontar um resultado desfavorável à presidente. O professor cita estudo apresentado por um pesquisador do Ibope sobre a composição do parlamento brasileiro. “A constatação é que 75% dos parlamenteares são de direita, uma composição bastante conservadora que tem trazido dificuldade para o governo que é de esquerda. Vimos desde 2014 uma dificuldade para aprovação de projetos e de se querer impor uma agenda, e o crescimento de uma pauta imposta pelo parlamento”, avalia. O professor ainda destaca que a posição ideológica de direta do parlamento é matizada e que a divisão sobre a legalidade do processo divide, inclusive, juristas, um fator que terá peso sobre as decisões dos deputados, já que o impeachment é um processo político-jurídico. Outro fator que pode influenciar a votação no domingo é a mobilização popular. Heiler resgata a história recente da democracia brasileira e a últimas eleições como plano de fundo para o momento político. As manifestações iniciadas em junho de 2013 levantadas contra a corrupção, efervesceram uma rejeição que abalou diretamente o governo federal e teve reflexo na aprovação do governo Dilma, que em 2008 era de 80% e depois das mobilizações caiu para 40%. “Eu diria que o impeachment é causado pela polarização política. A polarização presente desde 1989 em que temos dois partidos brigando pelo poder, o PSDB e o PT. Esses dois partidos polarizam a disputa que penetra em outros segmentos da sociedade e passa a “contaminar” a cabeça do eleitor”, avalia o professor. Com uma visão pessimista, ele acredita que o impeachment não será solução para a crise política. “Vai continuar a fragmentação do financiamento. Quem vai dar legitimidade ao governo? Apoio para fazer as reformas brutais que serão necessárias para uma alteração do país”, observou. ‘Estão configurados crimes de irresponsabilidade fiscal’ Infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal é um critério suficiente para a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT) avalia o advogado e ex-presidente da OAB de Jaraguá do Sul, Romeu Piazera Júnior. A aposta é na saída da presidente e de uma recuperação da situação política e econômica do país como resultado. “Não preciso ter acesso aos autos para formar um juízo de valor. Por tudo que foi divulgado em termos jurídicos, documentos, denúncias, pelo relator da Câmara, com tudo que a mídia divulgou, para mim com bastante propriedade, estariam no meu entendimento, configurados os crimes de irresponsabilidade fiscal da presidente que passou por cima de regras”, comenta. O advogado avalia que há condições para o Congresso fazer uma votação acima dos dois terços, superando os 342 votos mínimos. Com isso, a aprovação do impedimento pelo Senado seria inevitável, a não ser que houvesse novos encaminhamentos. Para ele, a tendência ao impeachment estaria motivando o governo a tentar barrar a votação. Ele cita o pedido apresentado ao Supremo Tribunal Federal na última quinta-feira, que questionava a análise das acusações contra a presidente pela comissão especial da Câmara. O pedido foi rejeitado. “Eu vejo que foi tentado de todas as maneiras atrasar o andamento do processo de impeachment, mas está na hora de acontecer essa decisão”, defende. Do ponto de vista jurídico, Piazera Junior acredita que foram dadas amplas condições de defesa para as partes e que a aprovação do impeachment é o reconhecimento dos crimes de responsabilidade fiscal. “Eu acredito que o procedimento de impeachment, como está previsto da Constituição, é um mecanismo jurídico político oportuno para situações como a que estamos vivenciando. Não tenho dúvida nenhuma que a simples modificação da situação, independente de quem vai ocupar o palácio, renovará a confiança e esperança das pessoas”, afirma. Votação ao vivo na Praça Ângelo Piazera O Movimento Brasil Livre acompanhará o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, no domingo, a partir das 14 horas. Os integrantes devem instalar um telão na Praça Ângelo Piazera para transmitir ao vivo a votação.