Imigrantes buscam um novo recomeço em Jaraguá do Sul

Conforme relatório da Agência da ONU para Refugiados e do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), divulgado no fim de 2020 havia 57.099 pessoas refugiadas reconhecidas pelo Brasil.

Somente ano passado, foram feitas 28.899 solicitações da condição de refugiado, sendo que o Conare reconheceu 26.577 pessoas de diversas nacionalidades como refugiadas. São homens e mulheres entre 25 a 39 anos de idade.

A nacionalidade com maior número de pessoas refugiadas reconhecidas, entre 2011 e 2020, é a venezuelana seguida dos sírios e congoleses. Dentre os solicitantes da condição de refugiado, as nacionalidades mais representativas foram de venezuelanos, haitianos e cubanos.

A maioria dos municípios do Brasil recebe refugiados ou imigrantes que vêm em busca de melhores condições de vida, já não mais oferecidas em seus países de origem.

E para marcar o Dia Internacional do Imigrante e Refugiado celebrado no último domingo de setembro, a Prefeitura de Jaraguá do Sul, fez um balanço dos atendimentos prestados nos sete Centros de Referência de Assistência Social (Cras) do município às pessoas oriundas de outras nacionalidades.

Segundo esses dados, é facilmente observada a presença de haitianos e venezuelanos, sendo um reflexo da realidade brasileira que, entre os solicitantes de refúgio de 2011 a 2020, correspondem a cerca de 80%.

Porém, imigrantes de outras nacionalidades vem até o município. Conforme os dados do Cras, entre janeiro a agosto deste ano, foram acolhidos 55 novos imigrantes das seguintes nacionalidades: haitianos, venezuelanos, argentinos, cubanos, chilenos e senegaleses.

“Todos estes imigrantes e refugiados buscam atendimento em nossos serviços e aqui encontram uma possibilidade de encaminhamento para parte de suas demandas, que envolvem não apenas a Política de Assistência Social, mas também questões de direitos humanos, jurídicas, trabalhistas, de segurança pública, educação, saúde e seguridade social, entre outras”, ponderou a coordenadora do Cras Centro, a assistente social, Karoline Grams.

Conforme a Política Nacional de Assistência Social, o atendimento aos imigrantes deve estar garantido com as demandas apresentadas.

“A proteção Social Básica, através dos Cras reúnem um conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social estruturados para prevenir situações de vulnerabilidades, risco pessoal e social”, apontou Karoline.

Os sete Cras do município acolhem e atendem imigrantes de diversas nacionalidades. Destaque maior ao Cras João Pessoa, que acolheu 21 novas famílias neste ano. Em segundo lugar o Cras Santo Antônio com oito famílias e o Cras Ilha da Figueira com sete.

Em busca de uma nova vida

Algumas dessas famílias que vêm para o Brasil em busca de uma vida melhor passaram a morar em Jaraguá do Sul. Agora, eles buscam ressignificar sua trajetória de vida.

É o caso do venezuelano Jesús Antonio Moreno Reyes, 65 anos, que saiu da Venezuela em novembro de 2019.

Foto: OCP News.

Jesús era mestre de obras na Venezuela, trabalhou em grandes empresas com pessoas de diversos países. Ele vivia bem na cidade de Anaco, em Anzoátegui, mas desde que o presidente Nicolás Maduro Moros assumiu o comando do país as coisas mudaram muito. A moeda do país começou a ficar desvalorizada, crises governamentais com os EUA, guerra civil entre outros problemas.

“O governante começou a ignorar o povo para enriquecer a si mesmo, tudo isso levou o país à miséria”, relatou Jesús.

Quando ele saiu da Venezuela, uma cesta básica custava cerca de dez vezes o salário mínimo de lá. Devido aos embargos dos EUA, tudo que chegava na Venezuela era com o preço do dólar, por isso se tornava muito caro.

“No mercado as filas chegavam a durar dois dias para esperar um caminhão de comida que quando abastecia o mercado, esgotava em duas horas. E o que comprava não duravam semanas, duravam dois ou três dias”, lembra Jesús.

Então a pedido de sua filha que havia vindo morar no Brasil, depois sua mulher e quatro filhos, Jesús entrou no Brasil como refugiado. Até o momento, ele foi o último de sua família a conseguir sair da Venezuela.

Em um trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), o venezuelano passou a morar em Boa Vista, capital de Roraima, lá ele morou cerca de um mês nas ruas.

Foi quando ele conseguiu um lugar num abrigo onde ficou cerca de oito meses na capital roraimense. Pelo alto número de refugiados, os Direitos Humanos Internacionais enviaram os imigrantes para o restante do país.

E Jesús deu a sorte de vir para Jaraguá do Sul.

Foto: OCP News.

Todo o processo de mudança para o município foi muito seguro, a cada parada que fazia, uma foto era enviada para a ONU, garantindo que ele estava bem.

“É um trabalho bem cuidadoso, eles definem com muita atenção para onde os refugiados vão. Caso seja um lugar perigoso, eles não enviam”

Outro mundo

Assim que chegou na cidade, Jesús já percebeu a diferença dos lugares.

“Aqui em Jaraguá do Sul eu me assustei, não tinha nada disso [filas nos mercados] e as prateleiras dos mercados estão sempre cheias”, comparou.

Além da beleza do município que o encantou, a mistura e o respeito entre os povos também marcaram ele.

“Gostei daqui porque é uma cidade muito bonita, muito segura e tem uma população que tem muita consideração e respeito por essa cidade. É incrível, vejo as bananeiras cheias de bananas, pés de aipim carregados e ninguém mexe ali. Não tem cerca ou algo do tipo protegendo, mas as pessoas se respeitam”, destacou Jesús.

Mesmo vivendo num local mais seguro, onde tem alimento em abundância, ele sente saudades de seu país.

“Jaraguá do Sul é muito bom, mas eu nunca quis sair de lá. Porém, não tinha como viver naquelas condições, a Venezuela está praticamente fora do controle”, apontou.

Atualmente ele está desempregado, mas recebe auxílio do Centro de Referência de Assistência Social Ribeirão Cavalo.

Alguns de seus filhos que trabalham como administradores, engenheiro e eletricistas ainda estão na Venezuela, mas não conseguem sair do país pela desvalorização da moeda boliviana.

Do Haiti

Outra história de imigrante que procurou o município em busca de um futuro melhor foi a haitiana Carlyne Mauristhene, 41 anos, seu filho Samuel, 6 anos, e a filha Karen, 9 anos.

Foto: Fabio Junkes/OCP News.

Ela relatou que há seis anos deixou Porto Príncipe, capital do Haiti, com seus filhos em busca de uma vida melhor para eles. Veio primeiro para Cascavel (PR) onde ficou por seis meses e depois mudou-se para Jaraguá do Sul.

“A situação lá está cada vez mais complicada, com a crise econômica, guerra civil, falta de segurança, de trabalho e itens básicos, trazendo preocupações com a sobrevivência da família e o melhor foi sair do país”, contou.

Em seu país ela era uma técnica de contabilidade, que iniciou o curso de medicina, o qual não terminou por falta de recursos financeiros. Já no Brasil, fez cursos de bombeira voluntária e de profissional de saúde.

Hoje está cursando o técnico de enfermagem no Senac. Nos seis anos que está no Brasil, Carlyne chegou a trabalhar como auxiliar de produção em uma borracharia, auxiliar de serviços gerais, mas hoje está desempregada.

Dificuldades no Brasil

Mesmo falando português fluentemente, ela está sem emprego formal no último ano e depende do Bolsa Família.

“A cidade é tranquila e segura, eu gosto de Jaraguá do Sul, mas eu preciso de trabalho. Eu não tenho medo de serviço, eu só quero trabalhar e poder pagar minhas contas e sustentar meus filhos”, pontuou.

Embora reconheça que o Brasil é um país mais aberto, ela reconhece as dificuldades para conseguir emprego.

“Para nós, imigrantes está muito difícil conseguir trabalho. Faltam oportunidades para os estrangeiros e muitos haitianos estão deixando o país. Acredito que exista um preconceito com os imigrantes. Por isso, peço mais humanização e inclusão”, destacou Carlyne.

No município, ela presta serviços voluntários ao Cras, Bombeiro Civil, em abrigos de refugiados como intérprete, mas há mais de um ano está sem emprego.