Falta de conhecimento e incentivo são barreiras para preservar patrimônio histórico em Jaraguá

Por: OCP News Jaraguá do Sul

23/06/2017 - 07:06 - Atualizada em: 23/06/2017 - 15:22

Por Heloísa Jahn 

Nas últimas dez semanas, o OCP veiculou uma série de reoortagens contando a história de imóveis tombados ou de interesse de preservação municipal e de seus proprietários. Orgulho pela trajetória da família, pela importância da casa, desejo de manter a integridade do imóvel e até indignação sobre o tombamento e falta de recursos dividem os moradores jaraguaenses, que enfrentam os desafios para preservar um bem histórico para toda a cidade. Porém, você sabe como funciona o tombamento histórico e qual incentivo para essa preservação?

Com a lei municipal instituída em junho de 1994 pelo então prefeito Durval Vasel, e seguindo também a legislação federal, que desde 1937 decreta a preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, o tombamento é um ato do poder público para proteger e conservar algum bem de interesse histórico, cultural e arquitetônico da cidade. Atualmente, 90 bens são tombados na cidade, entre eles casas, igrejas, galpões e pontes pênseis.

Conforme a chefe do setor de Patrimônio Histórico, Rosângela Melatti, existem ainda outros 220 imóveis cientificados, ou seja, os proprietários estão cientes que podem vir a ser de interesse de preservação. “Mas é importante frisar que isso não significa que o imóvel será tombado. Ele é de interesse e passará por uma análise do setor para ver se será ou não tombado”, salienta.

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Casa Rux, tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional. Relatos dos proprietários mostraram os desafios e incertezas de quem tenta preservar as estruturas com o passar dos anos | Fotos Eduardo Montecino

O pedido de tombamento pode ser feito por qualquer pessoa física ou jurídica – quando o proprietário do imóvel faz isso é chamado de tombamento voluntário – ou por iniciativa da própria Secretaria de Cultura ou pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural, Arqueológico, Artístico e Natural (Comphaan).

Um dos maiores problemas enfrentados pelo setor, apontado por Rosângela e pela secretária de Cultura, Natália Lúcia Petry, é a falta de entendimento da população sobre a legislação. Além disso, de acordo com a secretária, as políticas públicas para o incentivo são inexistentes. “É uma discussão que nos preocupa, porque não existe política pública definida para incentivar o proprietário a fazer a preservação do imóvel. Embora tenhamos a missão de preservar a história, nós não temos a mesma condição de oferecer para o proprietário as possibilidades e o incentivo para que eles façam o pedido de tombamento voluntário”, afirma.

Até o ano passado, a única forma de incentivo disponível no município era por meio de premiação de projetos no Fundo Cultural, que destinava verba para o restauro de imóveis tombados.

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Casa Eurides | Foto Eduardo Montecino

Agora, a secretária assume o desafio de elaborar um novo modelo para oferecer suporte financeiro e um meio de os processos de tombamento caminharem com mais agilidade. “Nós temos que avançar muito nesse setor em termos de estrutura e também no sentido de conscientizar a população quanto a importância do tombamento de algumas edificações como forma de preservar a história e a memória. E, principalmente, de termos uma política pública definida de preservação para que os proprietários que vejam seu imóvel tombado tenham o alento de ter uma incentivo do poder público para isso”, defende Natália.

Conselho é quem decide pelo tombamento

Qualquer pessoa pode entrar com pedido de tombamento, que obedece critérios estabelecidos em lei. O início do processo é marcado por uma análise histórica e arquitetônica do imóvel, feita pelo arquiteto do setor de Patrimônio Histórico. “Ele vai avaliar o que é interessante, o estilo arquitetônico, se está contanto uma história, o modo como as pessoas viviam antigamente, se tem algo que o diferencia. Essa análise vai para o Comphaan, que é quem delibera sobre o tombamento, restauro e reformas nos imóveis”, completa Rosângela Melatti.

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O relatório segue para o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural, Arqueológico, Artístico e Natural (Comphaan), formado por pessoas de diversas áreas da sociedade, que é quem delibera sobre o tombamento de um imóvel e possíveis alterações, restauro e até demolições de bens tombados. “Qualquer pessoa pode participar da reunião, inclusive o proprietário do imóvel, mediante solicitação. Nela, são apresentados os motivos a favor do tombamento. O proprietário pode falar e o conselho é quem vota e decide”, diz.

Em casos de tombamento voluntário, o processo acaba se dando de forma mais rápida. Porém, em muitos dos casos os proprietários do imóvel entram com pedido de impugnação quando o Comphaan decide a favor do tombamento e o caso vira um processo na Justiça. No fim, novamente, a decisão volta ao conselho.

Rosângela explica que o proprietário tem o dever de zelar pela manutenção dos imóveis tombados. Como contrapartida, ele tem a isenção do IPTU, assistência técnica na elaboração de projetos de recuperação e restauração e acompanhamento nessas obras.

No momento, os proprietários não dispõem de incentivo municipal para as reformas. Entretanto, Rosângela afirma que há projetos estaduais e federais que destinam verba para esse fim. “O número de pessoas que vem atrás de informação sobre isso é baixo. A gente quer deixar claro que todas as portas do setor estão abertas para os contribuintes tirarem dúvidas sobre o tombamento histórico e para auxiliá-los”, acrescenta.

Proprietário pode ser multado caso danifique ou altere o imóvel

O setor de Patrimônio Histórico também tem a incumbência de fiscalizar os imóveis tombados para assegurar a integridade. Nos casos em que o proprietário danifique o imóvel, ele pode ser autuado e deve pagar multa. A verba é diretamente revertida para o Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Cultural, Arqueológico, Artístico e Natural (Fumphaan).

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Casa Winter | Foto Eduardo Montecino

“Quando a pessoa faz algo contrário à preservação, seja a demolição ou alteração de algo sem o consentimento do conselho, o proprietário do imóvel é autuado conforme a gravidade do estrago no imóvel”, afirma Rosângela Melatti. No momento, o Fumphaan conta com o valor corresponde a R$ 158,8 mil, que será utilizado para fazer melhorias no Museu Histórico Emílio da Silva.

Novo modelo de Fundo Cultural deve ser apresentado em até 60 dias

Segundo a secretária Natália Petry (foto), um novo modelo para o Fundo de Cultural está sendo desenvolvido pelo setor e o estudo deve ficar pronto em até 60 dias.

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“Nós já estamos estudando e possivelmente apresentaremos ao prefeito um novo modelo de fundo, onde se possa ter um recurso mínimo para incentivar a cultura no município. Seja no patrimônio material ou imaterial, com disponibilização de recursos para diversas áreas”, afirma.

A ideia é de que a iniciativa destine recursos para projetos culturais e também cubra as ações da Secretaria. O fundo que estava vigente no município foi extinto no início deste ano e parte da verba de R$ 1,7 milhão permanece bloqueada em decorrência de uma ação judicial.

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Níveis de preservação

NP-1: Nível de proteção máxima. A originalidade da edificação deve ser mantida, não admitindo modificações sob hipótese alguma, nem intervenção para adequação a novos usos.

• NP-1A: Nível de proteção em que o imóvel deve ser mantido em sua originalidade, admitindo apenas pequenas adequações, extremamente necessárias para que seu uso possa ocorrer ou ser mantido, desde que sejam aprovadas pelo Comphaan.

• NP-2: Nível de proteção indicado para edificações em que devem ser preservados os estilos arquitetônicos, as técnicas construtivas de uma determinada época, a volumetria e os elementos que caracterizam seu estilo. Permite alterações internas, desde que não interfiram na estabilidade estrutural e sejam aprovadas pelo Comphaan.

• NP-2A – Nível de proteção indicado para edificações nas quais, embora apresentem estilos arquitetônicos, técnicas construtivas, volumetria e elementos caracterizadores de estilo que justifiquem a preservação, é admitida, além de remanejamento interno, a realização de obras externas.

• NP-3: Nível de proteção indicado para edificações com valor paisagístico, adjacentes a edificação ou conjunto arquitetônico de interesse cultural e histórico. Podem ser parcialmente demolidos, ficando a reedificação ou edificação sujeita a restrições a serem definidas em parecer ou legislação complementar.

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90 bens tombados no município, entre eles cinco pontes.
220 imóveis cientificados, ou seja, podem vir a ser de interesse de preservação do município.
Cinco pedidos de tombamento voluntário em andamento.
• Em torno de R$ 1,2 milhão foram investidos no restauro de imóveis tombados desde 2009. O setor não apresentou o número total de benefícios. Em 2015, 11 imóveis foram contemplados com a verba do Fundo Cultural.

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Benefícios e regras para um imóvel tombado:

• Quando o cadastramento ou tombamento é municipal: isenção do IPTU; assistência técnica na elaboração de projetos de recuperação e restauração; acompanhamento e supervisão técnica nas obras de preservação e restauração.

• Quando o tombamento é estadual e/ou federal: acesso, mediante o encaminhamento de projetos, aos incentivos concedidos pelas leis de incentivo e apoio à cultura.

• Quando o proprietário faz algo contrário à proteção do imóvel – demolir, derrubar paredes ou construir algo sem o consentimento do setor e autorização do Comphaan – , o fiscal do setor aplica multa de acordo com a penalidade.

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