Entrevista: físico Germano Woehl Jr. comenta a descoberta do “Polarons de Rydberg”

Por: Elissandro Sutil

10/03/2018 - 22:03 - Atualizada em: 11/03/2018 - 22:21

Um trabalho que deverá ser referência de outros que virão pelos próximos 100 anos, no mínimo. É assim que o físico Germano Woehl Jr, fundador do Instituto Rã-Bugio em Jaraguá do Sul, define a pesquisa que resultou no descobrimento de um novo estado da matéria, além dos conhecidos sólido, líquido, gasoso e plasma.

O “Polarons de Rydberg” é criado em temperaturas extremamente baixas, quando um elétron orbita seu núcleo a uma distância tão grande que outros átomos cabem dentro dessa órbita. A fraca ligação entre essas partículas forma os Polarons de Rydberg.

Único brasileiro a participar da pesquisa, Woehl Jr. é especialista em tecnologia de lasers. Ele atua há 40 anos em pesquisas visando o desenvolvimento e aplicação do material. Para realizar esses estudos, conta que já utilizou todos os tipos de lasers comerciais existentes no mundo.

Atualmente, o físico trabalha em pesquisa e desenvolvimento de sensores inerciais a fibra óptica, no Instituto de Estudos Avançados, instituição de pesquisa científica da Força Aérea Brasileira, do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, em São José dos Campos (SP).

Bacharelado em física pela Universidade Federal do Paraná, o pesquisador ainda acumula mestrado na Universidade de São Paulo (USP), doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-doutorado na Rice University, em Houston, no Texas (EUA).

E é nesta última instituição que tem início a pesquisa que já repercutiu pelo mundo, com publicações no segundo maior jornal da Índia – The Hindu, com tiragem média diária de 1,21 milhão de exemplares -, além de reportagens veiculadas na China, Portugal, Itália, Alemanha, França, Rússia, México, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil.

Em entrevista exclusiva ao OCP, Woehl Jr explica como esse trabalho foi desenvolvido e o que ele representa para a sua carreira e para o mundo:
Germano Woehl Jr no laboratório de pesquisa do Instituto de Estudos Avançados, em São José dos Campos, SP | Foto Divulgação

Germano Woehl Jr no laboratório de pesquisa do Instituto de Estudos Avançados, em São José dos Campos, SP | Foto Divulgação

Como você se envolveu nessa pesquisa do novo estado da matéria?

Foi durante meu estágio de pós-doutoramento sob orientação do professor Thomas Killian, na Rice University, em Houston, Texas. Meu objetivo era adquirir experiência na obtenção de material quântico, que é a chamada Condensação de Bose-Einstein, um tipo de material com propriedades “mágicas” que o homem nunca sonhou em colocar as mãos, diferente de todos os materiais que a humanidade já conheceu ao longo de sua história.

Os materiais quânticos prometem revolucionar o mundo tecnológico e causar uma transformação na sociedade, muito maior do que a era eletrônica com os materiais semicondutores, que possibilitaram a popularização dos computadores, smartphones etc.

Uma das primeiras aplicações que surgiu do material quântico (ou condensado de Bose-Einstein) foi na área de sensores inerciais, que podem ser colocados em um chip, produzidos em larga escala (custo baixíssimo) e ter uma precisão 10 bilhões de vezes maior do que os sensores a fibra óptica.

Esta aplicação que pode revolucionar a navegação de aeronaves e a robótica é de interesse da minha instituição. A descoberta do novo estado a matéria não tem nada a ver com este objetivo, mas foi conseqüência do estágio, da interação com o experimento, para minha capacitação nesta área nova da Ciência, dos materiais quânticos.

Como o trabalho foi desenvolvido e quanto tempo durou?

O estágio durou 18 meses. E foi feito com apoio do CNPq, que concedeu uma bolsa do programa de Pós-doutorado no Exterior (PDE), para as despesas com viagem e moradia nos Estados Unidos.

Eu trabalhei na preparação dos lasers usados para desacelerar os átomos até pará-los (parar significa baixar a temperatura até próximo zero na escala Kelvin, que corresponde -273,15 °C).

Estas são as temperaturas que só existiram no início da criação do Universo. Quando se atinge esta temperatura a distribuição dos átomos colapsa (condensa) e se obtém um estado quântico puro destes átomos (da matéria), que é denominado de material quântico.

O que essa pesquisa representa para a sua carreira?

O trabalho foi aceito para ser publicado na Physical Review Letters (PRL), que tem um fator de impacto na ciência de 8,4. É o objetivo da carreira dos físicos ter pelo menos um trabalho na PRL.

É muito difícil obter aprovação para publicar na PRL, porque o rigor é muito grande e aumentou consideravelmente a partir de 2013.

Nosso trabalho teve 5 revisores (cientistas renomados da área) e todos têm que aprovar, precisa ser 5 x 0 para o trabalho ser aceito.

Em termos globais, o que essa descoberta representa?

Eu acho que este trabalho deverá ser referência de outros que virão pelos próximos 100 anos, no mínimo. Não será esquecido mesmo após tanto tempo de um século.

Meu maior orgulho foi ter colocado o nome de minha instituição neste trabalho tão relevante, que é pública, do Governo Federal, financiada com dinheiro do contribuinte e também ter colocado o nome do nosso Brasil.

Segundo a Universidade de Harvard, a descoberta pode levar à obtenção do “supercondutor, o grande sonho da humanidade”. O que isso representa?

A Universidade de Harvard é uma das mais respeitadas do Mundo. Grandes descobertas da ciência saíram desta universidade. A nota diz que esta descoberta “pode abrir caminho para novas tecnologias como INOVAÇÃO em materiais  SUPERCONDUTORES a temperatura ambiente”.

Supercondutores são materiais que conduzem a eletricidade sem perdas, o grande sonho da humanidade – Itaipu, por exemplo, não perderia 30% da energia na transmissão entre a usina e os centros de consumo no Sudeste.

Materiais convencionais, como fios de cobre, por melhor qualidade (como o teor de pureza) que tenham, perdem energia na forma de calor, pelo atrito dos elétrons com o metal. Com materiais supercondutores não há perdas. Até agora a supercondutividade só foi observada em materiais a baixa temperatura (-183 oC) , o que torna inviável sua aplicação.

Ligação com Jaraguá do Sul

Natural de Itaiópolis (SC), Germano Woehl Jr. e a mulher, Elza Nishimura Woehl, fundaram a organização social ambientalista Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade, sediada em Jaraguá do Sul.

O espaço promove a educação ambiental para a defesa dos remanescentes da Mata Atlântica, visando a conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos. No Rã-bugio, crianças e adolescentes fazem contato com a natureza através de atividades interativas em trilhas.

Registro do experimento

Experimento resultou na descoberta de um novo estado da matéria | Foto: Germano Woehl Jr

Experimento resultou na descoberta de um novo estado da matéria | Foto: Germano Woehl Jr

Experimento no laboratório do Prof. Thomas Killian na Rice University, onde foi observado o novo estado da matéria. Nesta imagem dá para ver a câmara de ultra-alto vácuo, onde os átomos são desacelerados com feixe de laser até ficarem na temperatura próxima de -273,15 °C condição para ocorrer um fenômeno da física quântica, chamado de condensação de Bose-Einstein, onde todos os átomos ficam num estado quântico puro