Quando a Covid-19 chegou à região, como para muitos brasileiros, o aperto financeiro bateu na casa da Verenis Teresinha da Silva, 50 anos. Desempregada desde 2019, ela seguia mantendo as contas em dia com a venda de roupas porta em porta – um segmento que ficou completamente parado.
“Eu realmente me senti desempregada. As pessoas já não queriam comprar roupas. Era um momento muito incerto, as pessoas não sabiam o que comprar, se deveriam comprar”, relembra.
Olhando para trás, foram momentos desafiadores e de dúvida que levaram Vere a uma quadro de ansiedade e outros transtornos que tornavam cada vez mais difícil encontrar uma solução – por alguns meses, ela chegou a buscar auxílio de cesta básica no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social).
Vere tinha um círculo grande de conhecidos e amigos por conta dos anos de trabalho formal no atendimento ao público e das vendas como autônoma, mas a ideia que viria a se tornar sua fonte de renda aconteceu meio por acaso.
Um pacote de orelhas de gato que ela deu para uma amiga foi o pontapé para iniciar as vendas do doce, que caíram no gosto do público.
“Ela acabou levando no trabalho e as colegas experimentaram e cada uma pediu um pacote. Um foi passando para o outro e ali começou”, relembra.
O movimento motivou Vere, que passou a correr atrás de possibilidades. Ela conta que sempre foi muito clara sobre sua situação financeira com conhecidos, mas sem se vitimizar. Essa abertura fez com que muitas pessoas se disponibilizassem a ajudá-la.
Das primeiras remessas de orelhas de gato fritadas na panelinha, logo conseguiu uma fritadeira emprestada e meses depois o recurso para comprar uma própria – o que possibilitou a expansão da produção.
“Quando você tem força de vontade e é humilde a ponto de dizer: eu não tenho, você pode me emprestar? Você pode me ajudar? Eu tive ajuda de muita, de muita gente”, relembra.
A boa saída foi instigando Vere a valorizar outros produtos caseiros que tinha na manga. Atualmente ela segue com a orelha de gato como carro chefe, mas também produz pão, mini pãezinhos recheados, sonho recheados e macarrão caseiro.
Ela foi descobrindo algumas receitas, outras foram compartilhadas. Mas conta que o resultado sempre surpreende, como se a receita se transformasse pelas suas mãos.
“As pessoas perguntam, o que você faz que deixa tão macia a massa? Eu não sei o que eu faço, mas uma coisa eu garanto: todo o amor que eu posso colocar ali, eu coloco”, afirma.
A empreendedora conta que vem de uma família de doceiras e cozinheiras de mão cheia, mas nunca imaginava o quanto trabalhar na cozinha era prazeroso.
“A pandemia veio para eu eu me descobrisse, foi uma forma de eu me encontrar profissionalmente”, conta.
Atualmente, Vere montou uma cozinha com fritadeira, forno industrial e batedeira de massa. Também trocou a moto Biz por um carro. Ela é responsável pelas vendas, produção, embalagem do produto e entrega e com o lucro dá conta de todo sustento da casa.
“Eu me encontrava em um momento de total desespero e o que me deixa mais contente são as pessoas com quem eu pude contar, que me ajudaram. Mas a pessoa com que mais eu pude contar, foi comigo mesma, saber o quanto eu sou capaz, o quanto eu me esforcei e o quanto eu continuo me esforçando”, ressalta.
De dona de casa à empreendedora
A vontade de fazer algo por si mesma já estava latente no coração da Ana Maria Pietroski. Há 6 anos ela se dedicava integralmente a cuidar da mãe de 96 anos, em tempo integral. A pandemia chegou trazendo o peso do isolamento social e deixando essa busca interna ainda mais urgente.
Então veio a ideia: por que não vender as delícias que produzia na cozinha? A falta de recursos para começar foi um empecilho até a chegada do Auxílio Emergencial, concedido pelo governo federal.
Os cerca de R$ 600 viraram ingredientes, material e embalagens para começar uma produção de coxinhas. A recepção do público foi boa, o que a instigou ainda mais.
Foi quando surgiu a ideia de disponibilizar os produtos através dos aplicativos de delivery. Tudo começou a crescer muito rápido e ela ia reinvestindo o que ganhava, ampliando pouco a pouco o negócio.
Hoje, com cerca de 6 meses de empresa, Ana Maria, aos 56 anos, tem uma pequena fábrica montada, com uma série de equipamentos, recebe fardos de ingredientes, tem mais de 2 mil seguidores na conta de Instagram da marca de cozinhas e abriu uma segunda linha, onde produz pratos da culinária polonesa.
O movimento foi despertando a veia empreendedora dela, que até então havia trabalho como dona de casa e doméstica para criar os filhos. Foi um momento de autodescoberta.
Ana Maria foi aprimorando os processos, desenvolvendo truques na cozinha, cartela de sabores especiais e pensando nos diferenciais.
O cuidado com o atendimento, atenção personalizada, conversa com os clientes, produção de itens frescos foram, organicamente, sendo estabelecidos como valores da pequena empresa.
“Eu não queria ficar em casa, sozinha, parada. Queria ocupar corpo e mente. Não imaginei levar tão lá pra frente, eu precisei ir aprendendo depressa, bastante depressa, porque foi exigindo. Em 6 meses eu estou com tudo isso aqui montado, tenho uma grande freguesia, e agora é cada vez mais”, comenta.
A empreendedora recebe auxílio da filha Ana, que trabalha recebendo os pedidos preparando e encaminhando para a entrega. O filho Dionatan utiliza a experiência como profissional de marketing para dar suporte.
Mas ela se orgulha em ressaltar o esforço próprio em todo processo, destacando as horas que passa na cozinha diariamente.
Dessa personalidade expansiva e cheia de energia para ficar de pé das 6h às 22h, surgiu, inclusive, a Giga, coxinha empanada com uma farinha especial vermelha que virou mascote da empresa e é estrela nos posts das redes sociais.
Acima de tudo, Ana Maria espera que sua trajetória possa inspirar outras mulheres a buscarem seus sonhos, sua independência financeira e pessoal.
“Jamais na minha vida imaginei que eu seria uma empreendedora. Na pandemia muita gente entrou em depressão por não ter o que fazer, mas a gente tem muito o que fazer. É só procurar dentro de você, que você vai encontrar coisas que nem imagina que você é”, diz.
Desemprego x empreendedorismo
Dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostram que, em 2020, foram abertas 626.883 micro e pequenas empresas em todo o país. Desse total, 535.126 eram microempresas (85%) e 91.757 (15%) eram empresas de pequeno porte.
Em entrevista à Agência Brasil, o analista do Sebrae RJ, Felipe Antunes, falou sobre o surgimento de pequenos negócios em todo país em um ano de crise.
“A pandemia causou impacto em todos os setores. Toda a economia sofreu. No nosso entendimento, porém, as pessoas precisam gerar renda, muitas foram demitidas e procuraram o empreendedorismo, abrindo empresas para ter geração de renda”.