Dez questões sobre o empreendedorismo do futuro, com Maurício Benvenutti

Por: OCP News Jaraguá do Sul

27/10/2016 - 08:10

Por Kamila Scheineder 

Em um mundo que muda a cada minuto, o que significa, afinal, ser empreendedor? Se alguma vez você já se fez essa pergunta, fique tranqüilo, você não está só. O papel do empreendedor tem mudado nos últimos anos e, mais do que nunca, tem levado a outro patamar a premissa de criar novas soluções para problemas antigos. Com o apoio da tecnologia, o empreendedorismo ganhou novos ares e hoje é responsável por quebrar paradigmas e promover mudanças profundas na sociedade – é o que afirma o executivo Maurício Benvenutti, referência em empreendedorismo e inovação no Brasil.

Em passagem por Jaraguá do Sul para o lançamento do livro “Incansáveis”, realizado na noite de ontem, o empreendedor conversou com o OCP sobre as tendências e demandas que este novos cenário traz para os setores públicos e privados.

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Morador do Vale do Silício, Benvenutti mergulhou de cabeça no universo das empresas mais inovadoras do mundo para ver de perto o que torna estes negócios tão especiais. Sócio da StartSe (a maior plataforma do Brasil para conectar empreendedores, investidores e mentores), Benvenutti é taxativo ao dizer que grandes empreendedores precisam de um quê de rebeldia e que a inovação tem ajudado a trazer para o presente o futuro que tanto esperamos.

1 – O que significa ser empreendedor?

O empreendedorismo nasce daqueles que enxergam oportunidades, e não barreiras; horizontes, e não dificuldades; que fazem, e não reclamam. O empreendedorismo é uma característica de pessoas que são otimistas perante o presente e o futuro. É ter essa visão apurada sobre o horizonte de possibilidades. Historicamente o empreendedorismo está dentro daqueles que são rebeldes. Mas é rebeldia no bom sentido, em que a pessoa olha para os lados e não se contenta com o mundo tal qual ele é, não suporta a mesmice das coisas, quer entregar algo diferente. Isso é uma atitude empreendedora.

2 – Por que é importante estimular o empreendedorismo na escola? De que forma esta temática beneficia os jovens?

Muita gente acredita que o empreendedorismo só se refere a construir empresas. Mas, ao contrário disso, a atitude empreendedora se aplica a qualquer âmago da vida. Desta forma, desenvolver a cabeça do jovem desde cedo é muito benéfico. Se você está dentro de uma empresa, pode ser um funcionário “passageiro”, que fica lá olhando a paisagem passar no banco do carona enquanto a empresa te leva, ou pode ser um “motorista”, que por meio da atitude empreendedora assume o controle da própria carreira e leva a empresa, direciona o seu crescimento. Quando ensinado desde cedo, o empreendedorismo desenvolve a atitude de motorista, de estar no controle, independente se for dentro de uma organização ou como empreendedor guiando seu negócio. É fundamental incentivar isso desde as séries iniciais.

3 – Que conselho você dá para quem deseja entrar no mundo do empreendedorismo?

Primeiro temos que ter em mente de que a sociedade é feita de um pensamento mediano, e ele é um câncer para qualquer pessoa, empresa, comunidade ou país. O pensamento mediano nos leva ao conforto e ele faz com que não queiramos sair do lugar. Para quem tem interesse em construir algo, quanto mais distante da média estiver, melhor. Isso é um desafio que todo o empreendedor vai enfrentar. Basta pegarmos o exemplo do Über, a confusão que foi quando ele chegou ao Brasil, a vontade de manter a mesmice das coisas querendo prevalecer. Por isso, para quem vai entrar no mundo do empreendedorismo, tenha certeza de que terá que enfrentar essa grande média e para isso é preciso ter força e vontade suficiente para romper esse pensamento padrão e se impor na sociedade.

4 – O Brasil é considerado um país altamente empreendedor, mas tem índices de inovação extremamente baixos. Como você vê esta relação?

De certa forma, o Brasil é um país com muita rebeldia, o brasileiro em si tem muita vontade de mudar as coisas. Porém, o Brasil carece um pouco do auxílio do poder público, que tenta executar as leis hoje da mesma forma como executava há 60 anos. É claro que isso não dá certo, o mundo está muito diferente. Faltam caminhos e meios para tornar o processo mais simples. O papel do poder público é ser um facilitador e não fechar as portas.

5 – Você pode citar algum case que poderia servir de exemplo para o Brasil no estímulo à inovação e ao empreendedorismo?

Um case mundial muito conhecido é o do Chile, que se tornou nos últimos 10 anos um país extremamente aberto ao empreendedorismo. Existe lá uma iniciativa chamada Start Up Chile, uma parceria entre poder público, privado e diversos órgãos, em que eles criaram benefícios e facilitadores para desenvolver negócios extremamente inovadores. Quem tem um negócio e quer empreender, seja de qualquer lugar do mundo, consegue um visto de trabalho para permanecer no Chile – o país quer que as ideias inovadoras sejam testadas lá. É muito semelhante ao que acontece no Vale do Silício, em que pessoas do mundo inteiro vão até lá para desenvolver projetos, em um ambiente favorável, com incubadoras, aceleradoras e espaços de coworking.

6 – Este incentivo é primordial para criar um ambiente empreendedor?

Exatamente. E o que faz um ambiente ser empreendedor? Primeiro, é a presença do rebelde que quer transformar o mundo. Segundo, é a presença do conhecimento, pois um rebelde sozinho é um rebelde sem causa, mas quando unido a um capital intelectual ele consegue condições para colocar um ideia em prática. Terceiro é o capital, recurso financeiro, e nesta etapa precisamos da iniciativa privada, do investir que coloca dinheiro nas ideias para transformá-las e torná-las financeiramente viáveis. O Vale do Silício tem os três em sua capacidade máxima: muita rebeldia, muito conhecimento e muito investimento, alguns dos maiores fundos de capital de risco do mundo estão lá. Outros ecossistemas semelhantes foram criados ao redor do mundo.  Aqui no Brasil já temos muita rebeldia e um nível interessante de conhecimento, mas falta capital para o mercado. Unindo esses três fatores ao apoio da iniciativa pública é que criamos uma sociedade voltada para o desenvolvimento de novas ideias.

7 – Como o associativismo contribuiu para a formação de um cenário mais inovador?

O associativismo é benéfico, contanto que não crie uma espécie de protecionismo, no sentido de que somos empresas e queremos nos unir para não deixar as coisas saírem do nosso controle. Esse pensamento é um atraso para a sociedade. Agora, se você tem a junção de várias empresas preocupadas em criar algo melhor, acho muito benéfico. Por exemplo, eu trabalho em um espaço chamado Rocket Space, onde estão 150 start ups, e quem suporta este espaço são cerca de 90 grandes corporações como Lego, Volksawagen e British Airways. Trata-se do corporativismo que se deu conta que não consegue inovar sozinho e precisa da rebeldia das jovens empresas, e por isso se une para investir em novas ideias. Isso é muito legal. Não se pode criar barreiras, a iniciativa privada tem que jogar junto com o empreendedorismo, visando evoluir.

8 – Em seu livro, você afirma que a sociedade foi “atropelada pelas inovações em série”. O que quer dizer com isso? Como vê o papel da tecnologia no empreendedorismo?

A tecnologia está entrando em profissões que historicamente não estão relacionadas à tecnologia. O Über é um bom exemplo e está rompendo com o seu setor. Tem vários outros setores assim, hoteleiro, contábil, jurídico – hoje existem robôs capazes de tomar decisões jurídicas básicas de forma simples e rápida. Somos “bombardeados” por um ciclo de inovação muito forte, rápido e intenso. E o que deu certo nos últimos 50 anos dentro das empresas não vai funcionar nos próximos 10 anos. Temos mudanças drásticas acontecendo, não dá para achar que só a grama do vizinho vai ser afetada, a nossa também vai! É importante que cada profissional entenda o que está acontecendo no seu setor e reflita sobre como se preparar para este novo mundo. Muita gente acha que não vai ver isso acontecer, que é futuro, mas não, hoje as pessoas estão abertas à inovação e as mudanças acontecem muito rápido. O Airbnb demorou só oito anos para se tornar uma das maiores redes de hotelaria do mundo. O mercado é como uma esteira [de fábrica] produzindo inovações em série uma atrás da outra.

9 – E essas inovações já estão começando a fazer parte da nossa rotina…

Sim. Veja o setor automobilístico. Hoje no Vale do Silício existem cerca de 40 carros autônomos [sem motorista] rodando por lá. Em São Petersburgo, na Rússica, tem Über rodando sem motorista. As marcas estão investindo e essa tecnologia está muito próxima da maturidade. O que se fala nos EUA é que os sete ou oito anos serão os últimos em que o americano vai comprar um automóvel.  Logo as empresas poderão lucrar com o carro autônomo e essa tecnologia será despejada na rua. Será barato se locomover neste carro, que sem o motorista irá virar um commodity. Estamos falando de uma mudança de comportamento em uma indústria com mais de 100 anos, em que ter um carro pode não ser mais tão bacana. Prova disso é que na Califórnia a emissão de carteiras de motorista diminui desde os anos 80. Em São Francisco, por exemplo, já existe um projeto de lei que quer proibir carros normais circulando no centro da cidade. A tecnologia vai mudar o comportamento social e vai fazer isso de forma rápida e massificada.

10 – Diante de todo este cenário, como pensar o presente e o futuro do mercado?

Muitas pessoas falam que passamos hoje pela quarta revolução industrial. São tecnologias que convergem e se encontram dentro de um único produto: robótica, inteligência artificial, realidade aumentada, internet das coisas. Isso cria transformações sociais imensas. O modelo de trabalho industrial começa a ser questionado. A juventude não quer mais se sujeitar a este padrão, por que não é isso que move essa geração. Os jovens crescem conhecendo as inovações e vêm com uma bagagem completamente diferente. Eles querem deixar um legado, deixar um marco na sociedade, lutar por uma causa. Isso é tão verdade que os processos seletivos do Vale do Silício são muito diferentes, lá são as empresas que se vendem para os potenciais candidatos, e não o contrário. Costumo dizer que os talentos que entram agora no mercado querem embarcar em um foguete para a lua e se a empresa não mostrar o ticket, eles não vão querer estar lá. Essa é uma visão que o empreendedor precisa ter para entender essas pessoas com aspirações e intenções diferentes das nossas.