A compra e a venda de voto é crime. Tanto o candidato que oferece algum bem ou vantagem ao eleitor em troca de voto, quanto o eleitor que ofertar o voto em troca de algum benefício próprio pode ser condenado a até quatro anos de prisão, conforme o Código Eleitoral. Mais do que a pena de reclusão, a prática traz consequências graves para a qualidade dos serviços públicos e mantém o ciclo da corrupção. “Em primeiro lugar, começamos com a seguinte pergunta: Da onde surge o candidato, ou o homem público? Ele cai do céu ou ele é produto ou fruto, em última análise, do meio onde ele está?”, questiona o diretor pedagógico da Escola do Legislativo da Associação de Câmaras e Vereadores do Vale do Itapocu (Avevi), professor Francisco Schork. O gestor reforça que os candidatos e políticos são pessoas comuns que acabam alcançando uma posição pública, por meio das eleições. “Ocorre que nessa caminhada toda, essa pessoa vai tendo vontades, desejos, proposições, que nem sempre combinam com aquilo que o povo precisa. Porque o povo quer e exige homens e mulheres honestos, corretos. No entanto, quando chega o momento da eleição, muitos dos eleitores acabam colocando o candidato ‘contra a parede’, querendo barganhar seu voto em troca de algum favor ou benefício. Começa justamente aí a corrupção”, avalia o professor. Schork aponta que a relação entre candidato e eleitor é cercada pelo contexto cultural. “O que nós vivemos no Brasil hoje nada mais é do que o reflexo de todas as mazelas da nossa cultura, efetivamente da compra do voto, do favorecimento, daquele que tem mais recursos, que pode barganhar mais”, complementa. pagina-5Candidatos se surpreendem com pedidos de eleitores “Se você quiser saber o preço das coisas, quanto custa alguns serviços, se candidate”, diz anonimamente um candidato de Jaraguá do Sul. Ele conta que já recebeu pedidos para pagar casamentos, funeral, caixão, escritura de imóvel, conta de IPTU e emplacamento de carro. “É incrível como tem emplacamento de carro que vai vencer perto das eleições”, ironiza o candidato. Ele diz que chegam a ser absurdos os pedidos, e que os eleitores pedem de tudo. Para o candidato, aqueles que negociam o voto sabem que estão errados. Porém, ele acredita que a prática existe pelo fato de muitos políticos procurarem a população apenas a cada quatro anos, sumindo da comunidade após as eleições. “O eleitor pensa: depois de eleitos, eles não vão fazer nada, então pelo menos eu aproveito a situação pra mim”, ilustra. Outro candidato do município disse que ficou surpreso em ver os eleitores tomando a iniciativa na negociação dos votos. “De um modo geral conhecemos a prática condenável sob todos os aspectos, de os candidatos oferecerem dinheiro, favores, procedimentos em troca de votos. Daí a gente ficava imaginando os eleitores aceitando. Mas nunca imaginei que acontecesse o que aconteceu comigo. Tão logo me apresentei como candidato, o cidadão já disse: então é você mesmo que vai resolver nosso problema”, conta. Para ele, o eleitor contou que a mãe necessitava de cirurgia, mas que a família não tinha dinheiro, fato que o levou a pedir internamento, cirurgia, transporte, entre outros, afirmando ainda que a família “renderia muitos votos” e que seriam todos para esse candidato. Além desse relato, o candidato também conta que recebeu pedidos de dinheiro para fazer documentos e para um parente voltar para casa, vindo de outro Estado. “Alguns podem dizer que os políticos dão o exemplo. Outros irão dizer que os políticos fazem porque o povo aceita. Como todos, políticos e eleitor, são “povo”, acho que está na cultura. A política não é levada a sério”, afirma o candidato, a respeito dos motivos que levariam à prática da compra e venda de voto. Para uma candidata, o choque também foi com a naturalidade com que a venda do voto foi abordada pela própria eleitora. A candidata conta sobre sua visita a uma loja em que uma amiga trabalha, para apresentar sua proposta e deixar santinhos. “Uma das vendedoras chegou e perguntou: o que você está dando (em troca do voto)? Respondi: nada, estou aqui propondo meu trabalho, apresentando meus projetos, se eu estivesse dando algo em troca estaria corrompendo (o eleitor)”, relata a candidata. “Tem gente também que fala: ‘vê se consegue um emprego para fulano, que tá precisando”, conta a candidata. Contudo, ela diz que também existem as surpresas boas. “Quando os eleitores realmente se interessam em te ouvir e realmente escutam nossas propostas, se interessam pelo nosso currículo”, finaliza. Conformismo seria um dos fatores que levam à venda do voto O oferecimento de qualquer vantagem pessoal ao eleitor configura a compra de voto. “Ou seja, você me dá seu voto, em contrapartida eu arranjo, por exemplo, um posto de trabalho para você, sem o mérito. Ou então o eleitor diz: voto em você, mas quero uma carga de macadame em troca. Isso é, sem dúvida nenhuma, um processo espúrio, que não ajuda em nada depois, pelo contrário”, observa Schork. Entre os fatores que levam à essa atitude por parte do eleitor, o diretor acredita que o conformismo é um dos principais, assim como a vontade de obter benefícios próprios, prejudicando a coletividade. Falta na sociedade a percepção do coletivo, avalia o professor que completa apontando que durante quatro anos, a população reclama da qualidade dos serviços públicos, como a falta de posto de saúde, de centros de educação infantil, de saneamento básico, mas acaba jogando fora a oportunidade dada a cada dois anos de mudar os governantes públicos.