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Médico cubano se prepara para deixar Jaraguá do Sul

Yuliel lamenta a situação | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Por: Elissandro Sutil

21/11/2018 - 05:11

A vida parecia bastante certa para o médico cubano Yuliel Trujillo Moreno, 30 anos, que atuava há mais de um ano em Jaraguá do Sul. Na última terça-feira (20), Yuliel completou um ano e três meses em solo jaraguaense e, desde que chegou, em agosto de 2017, criou laços com a cidade.

“A cidade é muito bonita, no começo me perdi porque é muito grande, mas é muito boa, os pacientes, as pessoas do trabalho foram minha família”, disse ontem, em entrevista no posto de saúde do Caic, horas antes de saber que aquele seria seu último dia de atuação.

O médico cubano é um dos milhares que desembarcaram no Brasil desde 2013, por meio do Programa Mais Médicos, mas é também um dos milhares que estão fazendo as malas para retornar ao seu país.

O rompimento do governo cubano com o brasileiro após as declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro fizeram com que Yuliel interrompesse seu contrato de trabalho que, em princípio, seria encerrado apenas em 2021.

Cubano atendia na unidade de saúde do São Luís | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Cubano atendia na unidade de saúde do São Luís | Foto Eduardo Montecino/OCP News

 

Atualmente, ele era o único médico de Cuba atuando em Jaraguá do Sul. Das cinco vagas às quais a cidade tem direito, duas delas estão preenchidas com médicos brasileiros formados no Brasil e, agora, há três vagas em aberto.

Para o jovem médico que saiu da cidade de Santiago de Cuba para Santa Catarina, com o rompimento não existe outra opção que não seja voltar “para casa”.

“Sinto muito por toda essa situação porque hoje há pacientes aqui que precisam de atenção médica. Sou cubano, sou de lá, me formei lá e agradeço muito à minha terra que me formou”, disse.

“Vim para ajudar”

Jair Bolsonaro declarou que o governo cubano submete os médicos a “trabalho análogo à escravidão” e disse que eles são “escravos da ditadura” – isso porque o governo brasileiro repassa o salário dos médicos à Organização Panamericana de Saúde (Opas) e cerca de 70% do valor é retido pelo governo de Cuba, os profissionais recebem apenas 30%.

Na visão de Yuliel todos os profissionais escolhem participar do programa cientes das condições. Para ele, o repasse de parte do seu pagamento a Cuba tem uma razão, apoiada pelos médicos que fazem parte do Mais Médicos.

“Não é uma questão de escravizar, meu país trabalha assim para ajudar os demais. No meu país, a saúde é de graça, a educação é de graça e todos nós ficamos sabendo para onde vai esse dinheiro e estamos de acordo”.

“Eu, que sou cubano, sabia o quanto estava recebendo e que o resto, o governo usava para todas essas coisas, porque toda minha família tem atenção médica e não paga nada, meus irmãos vão à escola e não pagam nada”, pontuou.

“Eu não acho que seja um escravo porque trabalho e vim aqui para ajudar o povo brasileiro. Tenho outra maneira de ver as coisas, porque muitos trabalham só para ter mais dinheiro”, disse.

Experiência na bagagem

Para o médico, a experiência vivida nestes 15 meses foi muito forte e deixará marcas em sua trajetória pessoal e profissional. “Imagina sair de sua terra, sozinho e compartilhar momentos em outro lugar, ouvir pacientes falando: doutor, gostei tanto de você. Foi muito lindo e nunca vou esquecer”, diz.

Apesar disso, houve obstáculos, conta. O primeiro, afirma Yuliel, foi a língua, que já não é mais uma barreira. Depois, o sistema de saúde que, conforme conta, é completamente diferente, desde os protocolos, a organização, até mesmo a cultura dos pacientes. Ele conta que, em Cuba, se trabalha na prevenção.

Além disso, ele ressalta que a cultura tanto de paciente como de médicos é bastante diferente das de Cuba, onde as duas pontas estão habituadas a sistemas de prevenção baseados em consultas e exames clínicos.

Médico nega que se sinta usado pelo governo de Cuba | Foto Eduardo Montecino/OCP News

Médico nega que se sinta usado pelo governo de Cuba | Foto Eduardo Montecino/OCP News

“Eles [brasileiros] não gostam ou não tem o hábito de serem examinados e, por isso, não aceitavam muito o diagnóstico quando baseado nos exames físicos e sintomas, precisam de exames para comprovar e isso vai aumentando a fila”, avalia.

Para Niura Demarchi, diretora da Secretaria de Saúde, o médico conseguiu superar os desafios encontrados na cidade. “Ele desenvolveu um trabalho extremamente profissional e veio com essa visão mais ampla de atendimento de saúde da família”, ressalta.

A responsável por projetos na Secretaria de Saúde, Fabiana Dellagnolo, destaca todo o ganho que o município teve com o trabalho de Yuliel. “Ele trouxe muito da medicina cubana, com um olhar amplo, longitudinal e holístico do ser humano. Ele deixa uma importante lição de como olhar o paciente”.

Reposição

De acordo com a Secretaria de Saúde, ontem o médico deixou seu posto na unidade de saúde do São Luís.

O Município está tomando as medidas administrativas e aguarda informações do Ministério da Saúde, que é responsável pelo contrato com o médico.

Um profissional de outra unidade deve ser direcionado provisoriamente para atender os pacientes do bairro.

Ainda na terça-feira o Ministério da Saúde publicou um edital com cerca de 8,5 mil vagas no programa Mais Médicos para substituir médicos cubanos.

As vagas são para profissionais brasileiros e estrangeiros que tenham registro no CRM do Brasil.

 

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Elissandro Sutil

Jornalista e redator no OCP