Caso da criança estuprada impedida de abortar em SC tem novos desdobramentos

Imagem: Reprodução/Intercept

Por: OCP News Jaraguá do Sul

21/06/2022 - 16:06 - Atualizada em: 21/06/2022 - 17:55

Nesta terça-feira (21/6), a Justiça catarinense permitiu que a criança mantida em abrigo para impedir que abortasse o filho – fruto de um estupro – retorne à guarda da mãe. A informação foi confirmada pela advogada da família, Daniela Felix, no início da tarde. O processo tramita na comarca de Tijucas, litoral catarinense.

A menina de 11 anos estava há dois meses no abrigo, para onde foi encaminhada após a família buscar o aborto previsto por lei para casos como o dela. O Código Penal brasileiro permite que o procedimento seja feito em casos de violência sexual, sem impor limitações a quantas semanas tem o feto e também sem exigir autorização judicial.

O Hospital Universitário, no entanto, aplicou suas normas internas, que estipulam o limite de gestação em 20 semanas. A menina estava com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada. O pedido foi negado pelo hospital e o caso foi parar na Justiça.

A juíza responsável, Joana Ribeiro Zimmer, afirmou que, inicialmente, a jovem foi encaminhada ao abrigo por conta de um pedido acatado pela Vara da Infância para proteger a criança do agressor que a estuprou. A suspeita é a de que a violência sexual contra menina ocorreu na casa dela.

Depois, o objetivo passou a ser evitar o aborto. No despacho, Zimmer escreve: “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”.

Segundo reportagem do G1 SC, a advogada da família destaca que já existe uma decisão judicial autorizando a interrupção da gravidez da menina. Todavia, o fato de ela ter sido dirigida ao abrigo impedia que tal decisão fosse posta em prática. Em decorrência da baixa idade, a criança sofre mais risco de morte a cada semana que o caso é prolongado.

A vítima fez 11 anos algumas semanas após o estupro. Atualmente, está na 29ª semana de gestação. Em média, uma gravidez dura 40 semanas.

O caso veio à tona por meio de uma reportagem do The Intercept, que mostra detalhes da audiência. Apesar do processo estar sob sigilo, por tratar-se de menor de idade, o portal conseguiu a íntegra através de fonte anônima.

Audiência polêmica

Em 9 de maio houve uma audiência judicial em que participaram a menina, a mãe dela, a juíza Joana Ribeiro Zimmer e a promotora Mirela Dutra Alberton.

Na gravação, a juíza e a promotara pediram para a menina manter a gestação por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a sobrevida do feto.

“A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”, diz Mirela.

“Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”, continua a promotora.

Em dado momento, a juíza Joana Ribeiro Zimmer pergunta se a menina quer “escolher o nome do bebê” como presente de aniversário.

“Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?”, pergunta Joana. “Não”, responde a garota, olhando para baixo.

Posteriormente, a juíza e a promotora conduzem a audiência com foco numa possível adoção.

“Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?”, pergunta Zimmer, em outro momento, se referindo ao estuprador.

Ao se dirigir à mãe da vítima, a magistrada afirma que elas têm em mãos a chance de fazer a “felicidade” de outro casal.

“Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, afirma Ribeiro.

Ao que a mãe responde: “É uma felicidade, porque não estão passando o que eu estou”.

Ainda na tarde desta terça-feira (21), a magistrada anunciou que deixou o caso. No entanto, alega que foi em decorrência de uma promoção, que já estava em vigor antes da repercussão do assunto.

Joana também se recusa a comentar sobre as declarações feitas em audiência, uma vez que entende que foram “vazadas de maneira criminosa”.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de Santa Catarina seguem apurando a conduta de Joana.

Posicionamento do TJSC

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), por meio do Núcleo de Comunicação Institucional (NCI), divulgou nota oficial na tarde desta segunda-feira (20) a respeito do caso de violência sexual que tramita na comarca de Tijucas:

Quanto às notícias hoje veiculadas pela imprensa sobre processo judicial referente a estupro, em trâmite na comarca de Tijucas, neste Estado, cumpre esclarecer que:

1 – O processo referido está gravado por segredo de justiça, pois envolve menor de idade, circunstância que impede sua discussão em público;

2 – Tratando-se de questão jurisdicional, não cabe manifestação deste Tribunal, a não ser por seus órgãos julgadores, nos próprios autos em sede de recurso;

3 – A Corregedoria-Geral da Justiça, órgão deste Tribunal, já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para a devida apuração dos fatos.

Governador se manifesta

Através do Twitter, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (Republicanos), expressou empatia à menina e se manifestou contrário à exposição pela qual ela está passando.

OAB se manifesta

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina informou que vai trabalhar para a garantir proteção da menina vítima de violência sexual. A entidade escreveu que vê a situação com preocupação e acompanhará todo o processo e os desdobramentos do caso para que a vítima receba apoio integral. “Incluindo o retorno ao convívio familiar e toda a assistência de saúde necessária”, ressaltou.

MPSC se manifesta

Por meio de nota oficial, o Ministério Público de Santa Catarina subscreve o andamento do processo, além de reforçar as decisões tomadas anteriormente pelos hospitais responsáveis e da Promotoria responsável:

A respeito da notícia veiculada pelos sites Intercept e Portal Catarinas sobre uma menina vítima de estupro de vulnerável que teria tido negado o seu direito ao aborto legal, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), dentro dos limites legais que impedem a manifestação sobre casos que tramitam em sigilo, vem a público esclarecer:

– Assim que o Conselho Tutelar do município teve ciência da situação, imediatamente encaminhou a criança ao Hospital Universitário de Florianópolis para realização do abortamento. A equipe médica do hospital, contudo, após avaliação da situação, concluiu pela inviabilidade do procedimento de aborto legal, em virtude da já avançada gestação, que naquele momento já passava das 22 semanas.

– Assim que tomou conhecimento da situação e tendo em vista a inconteste necessidade de se resguardar a saúde física e emocional da vítima, a 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Tijucas ajuizou ação pleiteando autorização judicial para interrupção de gravidez assistida, segundo critérios definidos pela equipe médica responsável.

– Além disso, foi ajuizada medida protetiva de acolhimento provisório. Esse pedido não foi realizado em razão da gravidez, mas sim com o único objetivo de colocá-la a salvo de possíveis novos abusos, principalmente enquanto não finalizada a investigação criminal que poderia indicar se o estupro ocorreu ou não no ambiente familiar.

– O MP segue acompanhando o caso, com a responsabilidade necessária para proteção da vítima. Por fim, lembramos que o processo segue protegido por sigilo previsto em lei. Sigilo, aliás, que visa unicamente proteger a imagem e a integridade de uma criança vítima de crimes sexuais, indevidamente exposta a opinião pública

Corregedoria do MP investiga

Posteriormente, a Corregedoria-Geral do MPSC também divulgou nota informando que apura a conduta da promotora de Justiça.

“A Corregedoria-Geral do Ministério Público de Santa Catarina (CGMP) informa que, ao tomar conhecimento dos fatos envolvendo uma menina vítima de estupro de vulnerável que teria tido negado o seu direito ao aborto legal, instaurou uma reclamação disciplinar para apurar a atuação do membro do Ministério Público que atua no caso. O Corregedor-Geral do MPSC, Fábio Strecker Schmitt, também já informou a Corregedoria Nacional do Ministério Público (CNMP) acerca da existência da investigação em curso.”