Caso Boate Kiss: Engenheiro que elaborou projeto de isolamento acústico depõe por quase 5 horas

Foto: Juliano Verardi

Por: Isabelle Stringari Ribeiro

03/12/2021 - 10:12 - Atualizada em: 03/12/2021 - 10:47

O engenheiro civil Miguel Ângelo Teixeira Pedroso, 72 anos, foi ouvido na tarde desta quinta-feira (2) no julgamento da tragédia na Boate Kiss, ocorrido em 2013 e que matou 242 pessoas.

Pós-graduado na área de acústica arquitetônica, em 2011, ele foi responsável pela elaboração do projeto de isolamento acústico da boate Kiss para adequar o estabelecimento ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público para resolver esse problema.

Primeira testemunha arrolada pela acusação, Pedroso teve o depoimento adiantado, a pedido dele próprio nos autos, em razão da sua idade, o que foi acordado pelas partes. A inquirição durou quase 5 horas.

Nesta sexta-feira (3) está prevista a inquirição das testemunhas de acusação, Daniel Rodrigues da Silva e Gianderson Machado da Silva, que pediram nos autos para antecipar os seus depoimentos. E, na parte da tarde, a testemunha Pedrinho Antônio Bortoluzzi (arrolada pela defesa de Marcelo) e a vítima Érico Paulus Garcia.

Na quarta-feira (1º), a Terapeuta Ocupacional Kelen Leite Ferreira prestou depoimento no primeiro dia de julgamento.

Ontem, os sobreviventes Emanuel de Almeida Pastl e Jéssica Montardo Rosado prestaram depoimento. Ela perdeu o irmão na tragédia.

Depoimento

O objetivo era promover o isolamento acústico no interior da boate para conter a poluição sonora produzida e que causava reclamações da vizinhança. O engenheiro civil explicou que, no ruído aéreo, se faz o isolamento através da criação de massa e não por material absorvente, como espuma. Por isso, quando entrou no estabelecimento, aconselhou que fosse retirada uma espuma que estava colocada em uma das paredes.

Ele detalhou o que indicou para resolver o problema. “Minha sugestão foi que se fizesse uma parede na entrada da boate e revestisse todas as paredes com uma camada de alvenaria (tijolos). Entre as duas camadas, uma de fibra de vidro, que também é um isolante acústico”. O projeto acabou sendo feito com pedra em vez de tijolo, material que Elissandro [Spohr], sócio-proprietário da boate na época, já tinha.

A única coisa que Elissandro não concordou foi em fazer essa colocação no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”.

O engenheiro aconselhou a troca da posição do palco para que fosse deslocado para o fundo. O proprietário pediu que ficasse em nível acima do piso. Foi colocada lã de vidro com maior densidade (para evitar o som do impacto) e recoberta com uma camada de madeira compensada.

Pelo trabalho, Pedroso cobrou R$ 8 mil (foi pago R$ 6 mil à vista). Ele não foi contratado para realizar a execução do projeto, mas, como era de praxe, costumava acompanhar o andamento da obra mesmo assim. Os trabalhos foram concluídos no início de 2012 e a execução custou em torno de R$ 60 mil. Ele afirmou que sabia que Mauro e Kiko eram sócios. “Inclusive, na obra, encontrei umas duas vezes Mauro ajudando”.

O engenheiro, que estava morando em Alegrete, foi informado que o MP queria fazer uma vistoria ao local e se deslocou até Santa Maria para acompanhá-la. A equipe foi até a danceteria, fez fotos e verificou que tudo estava conforme o projeto.

Posteriormente, Elissandro disse ao engenheiro civil que continuava ocorrendo o vazamento acústico. Na ocasião, ele lembra de o empresário sugerir a colocação de espuma. Kiko ligou para o engenheiro dias depois pedindo um laudo que atestasse a situação da boate. Para isso, era preciso fazer a medição de ruído. “Vim 3 vezes de Alegrete e não consegui falar com ele. Tinha um funcionário que me atendia, mas a vizinhança não estava avisada”. Sem a conclusão do trabalho, o engenheiro retornou para a sua cidade e também não foi mais solicitada a sua presença pelo sócio da Kiss.

A testemunha informou que gesso acartonado e alvenaria de pedra são absolutamente seguros. Lã de vidro não é inflamável. Já em relação à espuma, existe no mercado um tipo que não é inflamável e é segura. “Outros tipos podem ser inflamáveis, por exemplo, a espuma que se usa em colchões” .

Ele enfatizou que, em nenhum momento indicou o uso de espuma no local, “pelo que acredito, do ponto de vista técnico, no que diz respeito a isolamento acústico”. “Pelo que acompanhei na imprensa, a espuma colocada na boate foi comprada em uma colchoaria. Esse tipo de espuma é inflamável”.

Segundo ele, a espuma adequada para isolamento acústico é bem mais cara que a comum e também mais resistente ao fogo. Como foi constatada a presença de espuma na Kiss, o engenheiro acredita que foi realizada uma obra posterior ao seu projeto. Frisou que qualquer espuma vai liberar gases tóxicos em contato com o fogo, por ser derivada de petróleo.

O depoimento se encerrou às 20h10.

Fonte: TJRS.