Sidney Hideo Gomes, defensor público
Há um mês a população de Jaraguá do Sul assiste à greve da ampla maioria dos servidores municipais em reação às medidas anunciadas pelo Executivo. Considerando que a paralisação atinge especialmente a camada mais vulnerável da população – mais dependente dos serviços públicos –, não poderia deixar de me manifestar, vez que incumbe à Defensoria Pública primordialmente a orientação jurídica aos indivíduos em situação de hipossuficência e vulnerabilidade (conceitos distintos que, no mais das vezes e, não por acaso, estão presentes num mesmo contexto). Não se pode ignorar ainda que, à vista da renda familiar de parcela significativa dos servidores – notadamente se o tal pacote passar pelo crivo do Legislativo – muitos deles são também potenciais assistidos pela instituição. Pois bem. De início, registre-se que, ao contrário do que fora anunciado na frustrada manifestação ocorrida no domingo (2), não há uma polarização entre Executivo, de um lado, e grevistas, de outro, com a população sofrendo as agruras num impiedoso fogo-cruzado. Esse maniqueísmo doentio tem turvado a visão de muitos cidadãos, impedindo que percebam que os grevistas também fazem parte da população e, como tal, têm anseios, ocupam os espaços públicos, buscam por seu projeto pessoal de felicidade e veem frustradas suas legítimas expectativas quando o candidato vitorioso nas urnas lhes dá as boas-vindas com polêmicas medidas de austeridade, a exemplo do que vem fazendo seu par no Planalto. Posto isso, cabe analisar o mérito, e aqui a discussão se cingirá ao auxílio-refeição, tanto pelo curto espaço de que disponho para o debate como por se tratar da medida que atinge a todos os servidores. "Esse maniqueísmo doentio tem turvado a visão de muitos cidadãos, impedindo que percebam que os grevistas também fazem parte da população e, como tal, têm anseios..." Para além de conjecturas sobre o impacto financeiro e da dúvida se a medida de fato preenche os requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito (pelo que tenho acompanhado, o Executivo e alguns vereadores não se detiveram a tais detalhes), o projeto recém-aprovado (em votação apertada, ressalte-se) é, do ponto de vista jurídico e com a devida vênia, uma aberração. Isso porque confunde a remuneração (que é a justa retribuição pelo desempenho da função, observados o conhecimento técnico para seu exercício, a complexidade da atribuição, a especialidade etc) com uma parcela de natureza indenizatória, a qual, por sua vez, é devida em razão de um fato gerador (aqui, não confundir com o termo empregado no direito tributário). Ocorre, no ponto, que a razão determinante para o auxílio ora em debate é o fato de todos os servidores se alimentarem, e não de auferirem maior ou menor remuneração. Com efeito, o Executivo, com a chancela de metade do Legislativo, visando reduzir/extinguir o vale-refeição, elegeu de modo arbitrário um critério que se encontra absolutamente dissociado daquela razão determinante e, com isso, passou a tratar de maneira desigual servidores em situação de igualdade. Em português claro, está violando a isonomia. A par da questão de mérito, e aqui já vou encerrando, a comunidade está assistindo a um episódio histórico: cidadãos estão se insurgindo ao que consideram injusto e, mesmo diante do corte dos salários e da ação ajuizada na semana passada que os ameaçava com exonerações e processos administrativos, resistiram. Prova maior de autonomia e emancipação, não há. Em 1849 Thoreau já indagava em sua Desobediência Civil: “Leis injustas existem: devemos nos contentar em obedecê-las? Ou nos empenhar em aperfeiçoá-las, obedecendo-as até obtermos êxito? Ou devemos transgredi-las imediatamente? ”. Thoreau dá sua resposta. Embora eu recomende a leitura, não precisam buscar no livro; basta olhar nos olhos de cada servidor grevista e aprender com sua luta.