Artigo de Nelson Pereira - Agosto se foi - "E agora, José?"

Geral
sexta-feira, 04:12 - 02/09/2016

O Brasil assistiu, no decorrer desta semana, o desfecho de mais um capítulo histórico do drama político que tem desestabilizado a nação. Se considerarmos a quase irrefutável tese de que o estado da economia determina a sustentação ou queda da maioria dos governos no mundo, inoportuno se faria aqui tecer qualquer avaliação acerca da ocasião, condição e veredicto do impeachment, mesmo que o mérito do rito incite questionamentos. Como também, prematuro e hesitante, seria nesse momento, emitir qualquer prognóstico de breve futuro pós-impeachment.
A justificativa razoável para tal pressuposto é a imensurável “distância” que separa a dinâmica existencial e funcional de duas realidades, povo e Congresso. Entendo que um dos fatores determinantes dessa “distância” é o nível de politização do povo. Então, como partícipes dessa dual realidade, nos resta, por hora, o exercício da imaginação e especulação, porém, sem jamais nos isentar da ação. Penso que a ação imediata que poderia nos caber seria interessar-se mais pela política. Além de iniciativa cidadã, seria um meio viável de reduzirmos essa “distância”.
A propósito, por conta dessa “distância” que nos caracteriza, minha particular percepção do senso comum pós-impeachment reflete fragmentos do clássico poema “José”, de Drummond de Andrade. Figurativamente constatei que, depois de consumada a votação, “José”, como personificação ou metonímia do povo brasileiro, passa a se auto indagar: “e agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? E agora, você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? E agora, José?” Isso poderia nos traduzir, simbolicamente, anonimato do povo mas não, necessariamente, alienação e indiferença, pois seu espaço é legítimo. “E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio – e agora?”
Projetando para nossa diversidade cotidiana, revelam-se as perturbadoras dúvidas: como sustentar? Onde nos apegar? Qual o destino? “Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro José!”. Vejo retratado nesse fragmento do poema o que mais fielmente nos identifica: nossa insegurança conjugada com nossa resistência e esperança por dias melhores. Reportando-me, por fim, ao nosso contexto local, que possamos reduzir a “distância” conhecendo e escolhendo bem nossos representantes em outubro, para que no dia posterior ao pleito não tenhamos que nos indagar, “e agora, José?”.
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