Há algumas décadas, era comum as refeições serem preparadas em casa e saboreadas com a família reunida em torno da mesa. Com o passar do tempo e a correria cada vez maior do mundo moderno, esse gesto aparentemente simples começou a desaparecer. Para resgatar esses pequenos prazeres da vida e incentivar as pessoas a buscarem uma alimentação mais saudável, nasceu o Movimento Slow Food – “comida lenta” em inglês, que reúne cerca de um milhão de pessoas no mundo.
Fundado em Roma, em 1986, o movimento tem o objetivo de promover uma maior apreciação da comida, melhorar a qualidade das refeições e garantir uma produção que valorize o produto, o produtor e o meio ambiente. Na prática, é uma contraposição política e filosófica à massificação e padronização oferecida pelo fast food: a agricultura industrializada, a pressa ao comer.
No Norte de Santa Catarina, o movimento foi fundado recentemente em Joinville, no dia 8 de setembro, e tem entre os fundadores o casal Pedro Zapella Fagundes e Márcia Marilane Souza Fagundes, e os filhos, Raiza Cainã de Souza Fagundes e Iuri Cainã de Souza Fagundes.
Adepta da filosofia do Slow Food há mais de 30 anos, a família Fagundes compartilhou suas experiências durante uma palestra aberta à comunidade, na Católica de Santa Catarina em Joinville, na sexta-feira, 14. A ação fez parte da programação da Semana Mundial da Alimentação 2016, promovida pelo Sesc Mesa Brasil e o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Joinville, com o apoio dos cursos de Nutrição, Biomedicina e Ciências Contábeis da Católica SC.
Na entrevista a seguir, um dos fundadores do movimento, Pedro Zapella Fagundes, fala sobre a importância de se dar preferência aos alimentos produzidos localmente e o que cada um pode fazer para adotar hábitos de consumo mais saudáveis.
Católica de Santa Catarina – Em um mundo cada vez mais acelerado, como convencer as pessoas a adotarem hábitos de consumo que, nem sempre, são mais práticos?
Pedro Zapella Fagundes – Quando você adquire uma nova consciência sobre ter uma alimentação saudável acaba percebendo que não precisa de muitos dos produtos que compra. Existe uma cultura no sistema capitalista em que tudo é mercadoria, e muita coisa que se compra para comer em um supermercado não é, de fato, alimento. Hoje, as pessoas costumam gastar demais com refrigerantes, conservas e produtos com muito sal, gordura e açúcar. Diferente do que acontece com o fast food, o Slow Food busca valorizar o produtor, respeitar as culturas regionais e incentivar outros hábitos, como a família preparar e saborear a comida junta, fazer as refeições com calma e ter contato com a natureza. Acreditar que é possível viver desconectado da terra é um erro.
Quais ações o movimento está realizando para conquistar mais adeptos em Joinville?
O movimento ainda está em fase embrionária na cidade e começamos a formar um grupo para colocar a ideia em prática. Temos participado de eventos em universidades, abertos ao público, para incentivar a criação de hortas comunitárias e domiciliares e buscar pessoas que realmente se comprometam a cuidar delas. Hoje, Joinville tem muitas hortas iniciadas e depois abandonadas. Também começamos a nos encontrar com donos de alguns restaurantes, para avaliar a possibilidade desses estabelecimentos fazerem sua horta e oferecerem produtos orgânicos. Além disso, minha esposa é professora e ela incentiva as crianças a adotarem hábitos de consumo mais saudáveis.
Uma dificuldade que as pessoas enfrentam é que os alimentos orgânicos disponíveis nos supermercados são mais caros do que os produzidos com agrotóxicos. Como podemos ter acesso a alimentos saudáveis mais baratos?
O movimento busca incentivar o hábito de comprar direto com o produtor. O Slow Food tem uma visão agroecológica e prega o respeito aos ciclos da natureza, do plantio à colheita, sem forçar o processo. O alimento tem que ser bom, limpo e justo; bom, porque o sabor precisa ser agradável; limpo, porque tem de respeitar o ecossistema onde é plantado e as pessoas envolvidas no plantio; e justo, porque todas as etapas do processo devem ser respeitadas e o agricultor, o transportador e o comerciante têm de receber um valor justo pelo trabalho que fazem. Eu costumo dizer: todo mundo tem o seu médico, mas você já tem o seu agricultor? O seu alimento é o seu remédio, mas você sabe quem planta e o que é usado no alimento que come?
Você e sua família são adeptos da filosofia do Slow Food há mais de 30 anos. Que benefícios o senhor percebe na rotina?
Percebemos a diferença principalmente na saúde. Tenho 52 anos e não tomo nenhum remédio. Até agora, ninguém da minha família precisou depender de remédio. Como um dos fundamentos do Slow Food é fazer e apreciar a comida com calma, a gente também se sente mais sereno, pois o grau de ansiedade é menor. Claro que não é só a alimentação que influencia na saúde e todos nós estamos sujeitos a adoecer, mas, lá em casa sempre tivemos o costume de adotar medidas preventivas e buscar ações alternativas e holísticas, caso seja necessário algum tipo de tratamento. Outra diferença é a conta do supermercado: nós compramos menos e gastamos muito menos do que a maioria dos nossos amigos. Isso também gera menos lixo e contribui com a preservação do planeta.