Leitura pela liberdade: Projeto desenvolvido pelo presídio de Jaraguá permite redução de pena para detentos

Por: OCP News Jaraguá do Sul

17/06/2017 - 07:06 - Atualizada em: 23/04/2018 - 15:42

Por Heloísa Jahn | Fotos Eduardo Montecino

Há mais de 30 anos, Pedro* não sabia o que era pegar em uma caneta e, muito menos, escrever sobre um livro que leu. A tremedeira inicial, de quem mal conseguia desenhar as primeiras letras aos 47 anos, e a pouca intimidade com a leitura marcaram o início de uma oportunidade: reduzir os dias de pena e aprender. Preso desde 2012 no Presídio Regional de Jaraguá do Sul, ele é um dos cerca de 130 apenados que participam do projeto Despertar pela Leitura, que oportuniza a ressocialização dos internos por meio de um projeto de leitura como construção de conhecimento. Um processo de cidadania e humanização do sistema.

Funcionando desde agosto de 2016 na unidade de Jaraguá do Sul, a iniciativa oferece aos apenados voluntariamente a oportunidade de ler um livro no prazo de 30 dias, depois resenhar e responder um questionário sobre a leitura, que pode culminar na redução de quatro dias da pena, caso o trabalho seja aprovado. O projeto utiliza a leitura como forma de reintegração dos apenados à sociedade e é resultado de uma parceria entre as secretarias de Educação e Justiça e Cidadania de Santa Catarina, e está em vigor em outras unidades do Estado.

Para Pedro, que tem ainda 17 anos de pena para cumprir e completou apenas a quarta série do ensino fundamental, essa é uma oportunidade de voltar a estudar por meio de histórias. “Vindo do interior e trabalhando na roça não tinha condições de frequentar uma escola melhor e agora decidi fazer isso para melhorar e até para poder sair um pouco mais cedo”, afirma.

Além de voltar a ler e escrever, foi pelo projeto que ele percebeu um problema na visão, foi diagnosticado e passou a usar óculos. “Comecei a ler por incentivo do pessoal e achei que não ia dar certo, mas sinto que já melhorei bastante e que essa é uma oportunidade para melhorar minha vida”, completa. Atualmente, ele mergulha na leitura de “Fernão Capelo Gaivota”, clássico romance de Richard Bach.

De acordo com a professora do Cejas (Centro de Educação de Jovens e Adultos) que coordena o projeto na unidade, Karin Martins da Silva, a mudança nos participantes é visível. “No caso dele (Pedro) especificamente, é clara a evolução da escrita. Ele trocava muitas consoantes, alguns dígrafos e agora está bem mais seguro na escrita e até procurando alguns livros mais elaborados, como acontece com outros apenados”, diz.

 

Karin afirma que essa é uma importante ação de ressocialização e que os apenados “evoluem bastante como ser humano”. “Para mim, enquanto educadora, é um desafio. É entrar com olhar de ressocializar e não julgar ninguém, até porque não cabe a nós fazer isso”, completa.

Como funciona o projeto

São os próprios apenados que se candidatam para participar do projeto. A seleção deles, no entanto, é feita pela administração do presídio, que observa o perfil do preso e seu comportamento. O diretor da unidade, Cristiano Castoldi, explica que todos os apenados podem participar, mas precisam ser alfabetizados e ter bom comportamento. Atualmente, o projeto conta com cerca de 120 a 130 participantes por mês. “Se ele não se comportar bem, pode ser retirado do projeto e só voltar quando melhorar a conduta e tiver vaga”, pontua Castoldi.

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 A professora Karin Martins da Silva é a responsável por aplicar os questionários e corrigir as resenhas. Ela conta que cada apenado tem até 30 dias para ler o livro escolhido. Depois disso, as turmas – cada uma em um dia e horário diferente – se reúnem na sala de estudos do pavilhão em que estão presos ou na biblioteca para responderem as questões e elaborarem a resenha, que deve ter no mínimo 20 linhas.
Acompanhando o projeto desde o início, a professora Karin Martins da Silva acredita no potencial transformador da leitura como forma de desenvolvimento do ser humano | Foto Eduardo Montecino

Acompanhando o projeto desde o início, a professora Karin Martins da Silva acredita no potencial transformador
da leitura como forma de desenvolvimento do ser humano | Foto Eduardo Montecino

“A avaliação descritiva da resenha tem que seguir algumas normas e padrões estabelecidos. Quando a resenha não está dentro disso, mandamos um memorando para o detento informando por que a resenha não está de acordo e no que ele falhou para corrigir a próxima resenha”, diz. Porém, o apenado não pode refazer a resenha da mesma leitura, deve ler um novo livro e fazer um novo trabalho. A cada resenha aprovada, o participante tem a remissão de quatro dias de pena. Em 12 meses, ele pode reduzir até 48 dias.

Os livros são escolhidos pelos apenados na própria biblioteca da instituição, que conta com mais de dois mil títulos. A professora conta que as obras, em sua maioria, são fruto de doações. A mais recente foi feita pelo Clube do Livro de Jaraguá do Sul, cerca de 400 unidades.

Além da leitura, estudo e trabalho 

Apresentando bom comportamento, os apenados de Jaraguá do Sul também podem trabalhar e estudar como forma de reduzir dias da sentença – além do projeto de leitura. O diretor do presídio, Cristiano Castoldi, explica que aproximadamente 95 presos trabalham. A grande maioria atua na área de montagem de peças de empresas da região dentro do próprio presídio, onde foram construídas salas de trabalho. Apenas cinco saem para fazer trabalhos externos para a Prefeitura. “Ele precisa trabalhar de seis a oito horas por dia para, a cada três dias trabalhados, diminuir um da pena”, explica o diretor.

Além disso, os apenados também podem estudar. Semestralmente, uma equipe de professores do Cejas atua na unidade com disciplinas para o Ensino Fundamental e Médio para atender os cerca de 30 presos que estudam. No estudo, a cada 12 horas dentro de sala de aula, há a redução de um dia na condenação.

Para Castoldi, essas são formas de fazer com que o apenado aproveite o tempo livre com algo que fará diferença em sua vida. “De repente, uma pessoa que não tinha acesso à leitura e nem esse incentivo de trabalho e estudo chega aqui e tem uma estrutura para começar. Esse é um trabalho de ressocialização que com certeza vai ajudar muito na recuperação dessas pessoas”, acredita.

Atualmente, o presídio conta com 495 apenados – 145 a mais do que a capacidade do complexo. Todos são da região, já que o local só recebe presos de Jaraguá do Sul, Guaramirim, Schroeder, Corupá e Massaranduba.