Jaraguaense supera preconceito e ganha destaque na arbitragem

Por: Lucas Pavin

06/04/2018 - 07:04 - Atualizada em: 13/04/2018 - 16:24

Exercer a função de arbitragem no Brasil nunca será fácil. Quando se é mulher, os desafios são ainda maiores, pois inclui a luta pela igualdade de condições e oportunidades de trabalho. Em um ambiente predominantemente masculino e por muitas vezes machista, a jaraguaense Charly Wendy Straub Deretti conhece bem essa realidade: é uma entre tantas profissionais que busca provar que capacidade não tem a ver com gênero.

Mas para ela não há barreira ou preconceito que não possa ser superado. Aos 30 anos, a árbitra filiada a Federação Catarinense desde 2016 começa a ganhar destaque no cenário estadual. Depois de algumas oportunidades como quarto árbitro em jogos da Série A, a profissional de Jaraguá do Sul encarou sua primeira experiência como juíza principal do mais importante torneio catarinense no último domingo, dia 1º de abril, quando apitou o duelo entre Avaí e Chapecoense que terminou empatado em 2 a 2, na Ressacada. Ao lado das assistentes Maira Labes e Elen Sieglitz, Charly formou o trio feminino no clássico, algo que não acontecia na divisão de elite do Estado há 14 anos.

Ansiedade, nervosismo e responsabilidade foram alguns dos sentimentos levados ao vestiário, momentos antes da bola rolar na capital. Não por duvidar de sua competência, mas por todas as dificuldades enfrentadas na carreira. Depois de uma trajetória de sucesso como atleta, iniciando na Escolinha Meninos de Ouro até a conquista de dois bronzes em Mundiais com a seleção brasileira universitária, Charly começou sua vida na arbitragem em 2012, quando buscava uma renda extra para terminar a faculdade de Educação Física, em São Paulo. Desde então, o que começou como hobby, tomou rumo diferente e virou paixão, apesar de episódios negativos que ficarão para sempre guardado em sua memória.

Charly ‘expulsa’ preconceito e ganha espaço cada vez maior no futebol I Foto: Eduardo Montecino/OCP

De xingamentos de cunho sexista, boletim de ocorrência contra jogador devido a ameaças, até torcedores assistindo jogos armados para pressioná-la. Ela passou por inúmeros obstáculos que poderiam diminuir sua vontade de continuar na profissão. Mas pelo contrário. Serviram de estímulo para seguir apitando. Hoje, prestes a entrar no quadro da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Charly Wendy garante que as mulheres já recebem menos criticas na função. “Nossa carreira é muito instável. Hoje, podemos estar em um dia de glória, mas amanhã se acaba tendo um erro por infelicidade você vai ouvir criticas e coisas que não gostaria. O importante é que o comportamento de atletas e parte da torcida melhorou bastante e há um respeito maior”, disse.

Segundo ela, campanhas de conscientização vem ajudando para essa evolução. A mais recente surgiu no fim do mês de março, com os dizeres “Deixa Ela Trabalhar”, uma iniciativa de 52 jornalistas que trabalham com o esporte e desejam elucidar alguns problemas enfrentados por elas durante sua jornada profissional. O objetivo do grupo é lutar contra episódios de assédio e agressões dentro dos estádios, redações e entre colegas de profissão. “Várias pessoas de renome aderiram a campanha e a gente acaba trazendo isso para nosso lado. Não são todas as pessoas que acabam excluindo ou menosprezando o trabalho da mulher, mas escutamos bastante. É um sentimento de dor e revolta. Não queremos ser maiores que os homens, só queremos igualdade”, declarou.

Perfil linha dura

Desde que iniciou na profissão pela Liga Amadora de Osasco, passando por Jaraguá a convite do coordenador de arbitragem João Paulo Reinert, Liga Joinvilense e Federação Catarinense, Charly não esconde o perfil linha dura dentro de campo. Marcada pela seriedade, profissionalismo e estilo disciplinador, a árbitra mantém a característica como uma forma de controlar o jogo, que a acompanha desde a época de atleta. “Sempre tive essência de entrar em quadra ou campo, e fechar a cara. Não por ser ‘mala’ ou arrogante, mas é um perfil meu para preservar a disciplina. Quando comecei no amador, tinham jogos que dava certo essa questão da autoridade e fui mantendo, buscando sempre controlar o jogo. Não pensei nesse perfil, mas ele foi me acompanhando. Às vezes não precisa, pois tento pegar o feeling de cada partida. Hoje, estou muito melhor do que já fui”, brincou.

Sonhos

Após fazer os testes na CBF no início deste ano e ter aprovação nos quesitos teóricos e técnicos, a jaraguaense aguarda a divulgação oficial para integrar o quadro da entidade máxima do futebol brasileiro. Mas engana-se quem pensa que seus objetivos param por aí. Agora, Charly quer buscar seu espaço no cenário nacional e futuramente batalhar pelo escudo Fifa. “É muito difícil ter o escudo da CBF e eu consegui. Não sei como será o decorrer de 2018, onde vou trabalhar, mas alcancei um grande sonho. Agora, começo a pensar no escudo Fifa. Todo atleta sonha em um dia representar sua seleção e na arbitragem não é diferente. Espero poder, quem sabe, apitar em uma Olimpíada ou Copa do Mundo, representando o Brasil da melhor forma”, afirmou. “Independente do tempo que eu ficar ou já estive na arbitragem, tudo que aconteceu até agora valeu a pena. Cada final de semana de chuva, sol, calor ou frio. Só tenho a agradecer desde o primeiro jogo que apitei. Defendo minha profissão por tudo que passamos. Atrás desse uniforme tem um ser humano, que ama o que faz”, completou.