A paisagem traduz a tranquilidade e calma do bairro que mantém as características de sua colonização. Não é incomum encontrar casas com muros de pedra, com arquitetura típica ou até mesmo ouvir o sotaque arrastado que denuncia a “italianidade” do Santa Luzia, em Jaraguá do Sul.
Não é à toa, inclusive, que o bairro carrega o nome de uma santa. A fé fervorosa dos italianos está explícita nas igrejas construídas e transbordou no momento de identificá-lo. Mas, engana-se quem pensa que por ter o nome de uma santa, o bairro é exclusivamente católico.
A fé da comunidade de Santa Luzia não se limita e o respeito entre as religiões também é marca registrada, tanto que as igrejas católica e luterana são praticamente vizinhas e é comum encontrar pessoas que participem de grupos de atividade em ambas.
A história para chegar até aqui é longa. Neste ano, Santa Luzia comemora um marco importante: 100 anos. Neste século, muitas histórias se desenrolaram nas terras originalmente herdadas por Dona Francisca e explorada principalmente pelos imigrantes italianos.
A riqueza dos detalhes que formaram a comunidade, que fica a cerca de 20 quilômetros do Centro da cidade, é digna de livro, mas o professor aposentado Lauro Rosá, de 79 anos, conta um pouco dos acontecimentos que fizeram surgir o bairro no local em que pouca gente conseguiria vislumbrar crescimento e desenvolvimento há um século.
Lauro e o frei Álido Rosá, de 80 anos, ouviram muitas histórias e transformaram a memória dos imigrantes e precursores do Santa Luzia em livro, que pode ser lançado esse ano, se houver arrecadação suficiente para publicação.
“Memorial do bairro Santa Luzia: os herdeiros da duquesa” conta em detalhes a formação do bairro e seu desenvolvimento.
Lauro explica que as terras hoje conhecidas como Santa Luzia eram, à época, chamadas de “pântano mole”. O motivo: a terra não era apropriada para plantio. “Muitos chegavam, olhavam e davam meia volta porque diziam ‘isso é um pântano mole, não dá pra fazer nada’”, conta.
Mas, para chegar até lá já foi uma batalha e tanto. O professor conta que até a Vila Chartres havia estrada e um caminho possível de passagem, mas a partir daquele ponto, a mata era fechada e só existiam “picadas”, o que dificultava a chegada ao agora acessível Santa Luzia.
Hoje, o bairro tem diversos outros como vizinhos próximos, como Bracinho e Itoupava-Açu, de Schroeder, e a própria Vila Chartres e Ribeirão Grande do Norte, em Jaraguá do Sul.
A primeira família a acreditar no potencial do local e se estabelecer no “pântano mole”, foi a formada pelo casal Tereza Maffezzolli e Antônio Henrique Maffezzolli, explica Rosá.
A partir deles, muitos outros também chegaram ao bairro, que é uma das localidades mais antigas de toda a região. O ponto de partida da maioria deles foi a Barra do Rio Cerro, primeiro local no qual os italianos se fixaram no município.
Além disso, famílias também saíram de Luís Alves e Rio dos Cedros para colonizar a região a partir de 1919, após o loteamento das terras pertencentes a Dona Francisca.
Entre as primeiras famílias, além da Maffezzolli, estão: Nicolini, Pedri, Piccoli, Pretti, Voltolini, Bagatoli, Prestini, Tomelin, Leone, Vicenzi, Ropelato, Bisoni, Campregher. Algumas, como Ballock, Ramthun, Gumz e Rosá chegaram alguns anos mais tarde.
O valo da comunidade
É impossível falar dos 100 anos de história de Santa Luzia e não falar do valo da comunidade porque foi a partir de sua construção, em 1934, que o bairro iniciou seu processo de desenvolvimento agrícola, característica que mantém até hoje.
Segundo o professor aposentado Lauro Rosá, a luta para abertura do valo durou mais de um ano e envolveu, inicialmente, as famílias Pedri, Pretti e Negherbon.
“Os Pretti começaram a trabalhar com arroz porque a água que vinha do morro chegava até as terras dele, então os demais também queriam plantar, mas não havia água. Toda a água tinha que passar pela aprovação dos Pavanello e depois de um ano e pouco de luta, muita conversa e discussão, resolveram abrir o valo e viabilizar a agricultura para as outras famílias”, conta.
O valo possibilitou o acesso à água para as plantações de arroz que até hoje fazem parte da economia e da paisagem do bairro. Para Rosá, não haveria desenvolvimento no Santa Luzia sem o famoso valo da comunidade, preservado há mais de 80 anos.
“O valo foi uma artéria de drenagem e ao mesmo tempo de irrigação do pântano mole. O coração do Santa Luzia é o rio Itapocuzinho e o valo é a artéria”, salienta.
A importância do valo e o envolvimento da comunidade deu origem, em 1952, à Associação do Valo Agrícola-Industrial.
“Não me vejo em outro lugar”
As ruas de pedra, a igreja tombada, o canto dos pássaros que é atrapalhado apenas pelo barulho da tobata ou do trator indicam que o bairro não apenas manteve características como a fé, a cultura italiana e a agricultura, mas também conseguiu preservar a união da comunidade.
Isso é o que garante a professora aposentada Etelvina Dalri Busnardo, de 81 anos e que mora há 47 no Santa Luzia.
Apesar de não ter nascido no bairro, ela foi criada nas ruas porque é filha do bairro vizinho. Taxativa, a moradora logo afirma: “não me vejo em outro lugar”.
Para ela, o bairro cresceu muito por conta da agricultura, que foi o pontapé inicial da economia da região e da instalação de frigoríficos que atraíram diversas pessoas de outros estados, inclusive.
O fechamento deles impactou diretamente na economia do bairro, avalia Etelvina, mas o crescimento é visível, segundo ela.
“Hoje Santa Luzia é grande, naquela época só tinha gente daqui, agora tem de todo lado, é bem miscigenado. Todos vieram para ajudar a fazer crescer e acho que não tem um sequer que não gosta daqui”, diz.
A professora aposentada destaca que a primeira riqueza do bairro foi a plantação de arroz e o valo da comunidade que viabilizou a atividade econômica ainda na década de 1930.
Para Etelvina, a essência do bairro que faz com que as gerações continuem é a união da comunidade que, segundo ela, é indissolúvel e respeita todos os credos.
“Eu acho que o que nos diferencia é o companheirismo das pessoas. Aqui é tão bom, todo mundo se dá bem e há uma união entre as comunidades religiosas”, ressalta.
O bairro mais rico
O aposentado Osmar Pretti, de 68 anos, é vizinho do famoso valo da comunidade e nasceu no bairro.
O consenso de que a plantação de arroz deu o pontapé inicial para o crescimento de Santa Luzia é endossado por Pretti, que é neto de um dos homens que efetivamente colocaram a mão na massa para construir o valo e fundar a sociedade.
“Teve uma época que podia se dizer que era o bairro mais rico de Jaraguá, quando a cidade vivia da agricultura”, lembra.
Pretti destaca que apesar do crescimento do bairro, ele manteve as características de sua fundação e o clima de “todo mundo se conhece e se ajuda”.
O aposentado salienta ainda que a estrutura praticamente independente do bairro faz com que as pessoas da comunidade pouco saiam do local. “Nós sempre tivemos boas escolas, posto de saúde, serviços em geral e comércio também, então, não precisa sair daqui”, diz.
Assim como Etelvina, sair de Santa Luzia não é uma opção para o neto de um dos fundadores. “Eu me considero feliz e contente por ter nascido, me criado e criado minha família aqui. É um lugar bom de viver e eu nunca sequer pensei em sair daqui”, finaliza.
O aniversário do bairro é em junho e a comunidade ainda desenvolve uma programação para celebrar o centenário de Santa Luzia.
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