Relato de uma harpista – a importância do FEMUSC para a visão cultural

Foto reprodução instagram

Por: Elissandro Sutil

24/10/2021 - 12:10

Alessandra Piazera é jaraguaense e participou durante muitos anos do FEMUSC, ela gentilmente cedeu um relato da experiência com o festival.

Limitado descrever o FEMUSC em palavras, então eu sugiro essas obras:

O FEMUSC iniciou num choro Tico Tico no Fubá de Zequinha de Abreu e acabou virando uma explosão de energia de Huapango de Moncayo. Catarinense somente no nome, brasileiro apenas de coração, o FEMUSC é inquestionavelmente latino-americano.

Sou Alessandra Piazera de Oliveira, há anos participante do festival. Subi diversas vezes no palco como aluna de harpa junto a outros harpistas nas noites das harpas, nos concertos de encerramento com a mega orquestra e uma vez tive a grande honra de tocar em um concerto de abertura. Também tive o prazer de trabalhar na organização do festival com os
concertos sociais, levando a música para contextos como hospitais e fábricas. Tenho também muito gosto em ser plateia, presencialmente ou virtualmente quando não estou em Jaraguá. Minha relação com o FEMUSC é repleta de amor, orgulho e admiração.

Eu tinha 15 anos de idade quando comecei a participar do festival. Foi a minha primeira janela pro mundo. Lá interagi pela primeira vez com pessoas de outros países e até mesmo de outras regiões do nosso imenso país. Jaraguá não era mais um vale fechado entre as montanhas, era de repente uma ponte para outros costumes e sotaques, recebendo pessoas do mundo todo e rompendo qualquer preconceito brasileiro ao assumir que fazemos sim parte da América Latina.

Hoje eu moro fora do Brasil, e quando me deparo com pessoas descrevendo nosso país através de estereótipos (carnaval, futebol, violência) sempre cito o FEMUSC, orgulhosa com o milagre que acontece na minha cidade natal. O que chamo de milagre é um evento que reúne alunos e professores de diferentes contextos instrumentais, sociais e culturais para compartilhar conhecimento sobre música erudita em duas semanas muito intensas, em uma cidade turisticamente não conhecida, e que no final do dia levam todo esse esforço para os palcos jaraguaenses como um grande presente. E claro que não se limita a isso, o FEMUSC coloca nossa cidade sob os holofotes atraindo turistas e enriquecendo nossa população com cultura mesmo depois que o festival acaba, como foi o caso das inúmeras doações de instrumentos feitos pelos empresários jaraguaenses.

Jaraguá do Sul é uma das cidades que possui a maior concentração de harpas em uma única instituição (SCAR), contando com 17 harpas. A relevância disso pode não ser muito clara, mas para o meu amigo e colega de instrumento, Gabriel Vieira é. Se hoje temos um jaraguaense, catarinense e brasileiro se profissionalizando na prestidigitadíssima Hochschule der Künste de Zurique (uma das melhores escolas do mundo) é porque um dia ele teve a oportunidade de ver e ouvir uma harpa de perto, e em seguida, decidir se tornar harpista. O FEMUSC oportunizou o impulso inicial da vida profissional dele, assim como para muitos outros músicos que se destacaram e ganharam bolsas internacionais durante o festival.

A harpa ficou para sempre no meu coração como um hobby, mas os ensinamentos profundos que tive com as professoras Rita Costanzi, Marcela Mendez e Silke Aichhorn, eu levo diariamente comigo. Foram muitas lições sobre respeito, gratidão, disciplina, determinação e muita humanidade. Todas as manhãs as aulas possuíam uma primeira parte chamada “janela aberta”, onde Rita Costanzi nos trazia lições profundas, especialmente para mim, adolescente formando meu caráter. A segunda parte da aula era focada no instrumento.

Após o almoço em meio a uma ruidosa e saborosa mistura de línguas, tínhamos toda a tarde para estudar pelas salas, corredores e, porque não, banheiros da SCAR, ou para tirar um cochilo dentro da capa da harpa no chão da plateia do grande teatro enquanto a orquestra ensaiava. Sempre que íamos ao palco na noite das harpas, a professora Rita nos pedia para tocarmos com todo nosso coração para assim iluminar toda Jaraguá. Uma vez o diretor artístico Alex Klein me contou que ele escolhe a dedo os professores do festival, e acredito que isso é perceptível além das salas de aula, quando aplaudimos o resultado nos palcos.

Meu desejo é que o FEMUSC não se transforme em uma lembrança, mas que continue marcando presença anualmente na nossa cidade, transformando-a. O que o FEMUSC tem de diferente de conservatórios ou escolas prestigiadas europeias que tive a oportunidade de ver de perto, é a sua alma latino-americana. Assim que o silêncio é rompido, o palco transborda paixão e entusiasmo. Lá em cima talvez não estejam os artistas mais prestigiados do mundo, mas toda a plateia pode sentir sem dúvida, que ali estão os mais sonhadores.