Se os livros e documentos históricos trazem pouca informação sobre os povos originários que habitavam e habitam a região, essa forte presença cultural se manteve viva nos nomes que denominam nossas cidades, rios e localidades. Mas afinal de contas, por que Jaraguá, palavra criada da junção de duas palavras da língua tupi-guarani, foi usada para batizar o lugar onde vivemos?
Segundo a historiadora, Silvia Kita, do Arquivo Histórico de Jaraguá do Sul, não existem registros de que haviam aldeias fixas na região que hoje forma o município – mas existem artefatos históricos de diversos povos, considerados nômades pela história oficial, preservados inclusive no Museu Emílio da Silva.
Conforme a jornalista, pesquisadora e antropóloga, Bárbara da Silva de Jesus, há uma narrativa muito forte de que os povos indígenas foram trazidos para a região, isso por conta da falta de compreensão do que é a territorialidade dentro dessas tradições – uma forma diferente de habitar e manter uma relação com o território.
Fato é que esses povos tinham tamanha relação com esses lugares que os nomes dados por eles atravessam a história. Os primeiros viajantes e imigrantes aprenderam essas nomenclaturas e as usavam para se localizar por terras totalmente desconhecidas por quem vinha de outro continente.
Relação com o ambiente
A antropóloga cita como exemplo a localidade de Pirabeiraba, em Joinville, hoje apresentada pela sua tradição germânica. Entretanto, o nome é muito mais antigo e revela essa relação profunda dos povos originários com esse lugar.
De origem do tronco linguístico tupi-guarani, “pirá” significa peixe. Já “beraba” foi a escrita colonial para o som da palavra “verá”, que significa brilho. “Quando, antigamente, o rio era bem limpinho, o peixe estava nadando, o sol batia na escama e fazia aquele brilho do peixe, então Pirabeiraba era o nome desse lugar que tinha muito peixe brilhando na água. Isso resistiu ao longo do tempo e é uma evidência inegável de que a presença indígena existiu aqui na região e resistiu”, comenta.
A pesquisadora argumenta ainda que os nomes de lugares costumam ser populares, passados no boca a boca, o que é difícil de alterar. Entretanto, a organização territorial, narrativa histórica e a própria forma de apresentar esses lugares se deu a partir da escrita, dominada por poucos – especialmente nos primeiros anos de colonização.
Invisibilidade cultural
Entender os nomes tupi-guarani é uma forma de entender melhor essa tradição e sua íntima conexão com a natureza. A antropóloga ressalta que resgatar essas raízes é fundamental para fortalecer a relação com esse espaço em que vivemos, valorizar a cultura indígena e combater o preconceito contra esses povos.
“Quais são as histórias dessas palavras que resistiram dando nome aos lugares que a gente vive hoje? Vamos perguntar para as pessoas que conhecem essa língua. Porque quem vive na cidade, fala em língua portuguesa, vive nessa cultura não-indígena, ouve essas palavras indígenas e não faz ideia do que elas significam, e muitas vezes elas estão descrevendo a paisagem onde a gente está”, diz, estimulando o diálogo como ferramenta.
A historiadora Silvia Kita, reforça: “o registro dos povos indígenas na região é importante para resgatar essa parte da história regional, caracterizar os vestígios encontrados na área de nosso município, preservando e divulgando essa cultura. Esses povos, por muitas vezes, são marginalizados e é necessário preservar suas tradições orais, seus artefatos, seu conhecimento na agricultura e pesca e o idioma”, diz.
Curiosidades
- Em Santa Catarina, o Povo Guarani está distribuído em 26 aldeias. No Nordeste de Santa Catarina, existem 13 aldeias, em quatro terras indígenas declaradas pelo Ministério da Justiça, em 2009. As “tekoás”, como é chamado o espaço onde se vive na língua, mantém seu idioma e celebrações espirituais, mas ainda luta contra invasões nos territórios demarcados;
- No Brasil, existem 305 etnias e 274 línguas indígenas reconhecidas oficialmente;
- Segundo a antropóloga, o registro histórico mais antigo da presença Guarani na região é o sítio arqueológico Poço Grande, datado de 1640, descoberto pelo historiador Walter Piazza, no limite entre Guaramirim, Araquari e Joinville. Ali havia cerâmica Guarani. O local teria sido destruído em 2003 para plantio de arroz;
- Em registros feitos pelos colonizadores, o nome Jaraguá aparece como “Senhor do Vale”, entretanto, pesquisa recente junto ao povo Guarani chegou a raiz “Jara” e “Guá com a tradução “Espíritos Protetores”;
- Além dos nomes, herdamos tradições alimentares dos povos indígenas da região. O hábito de comer pirá, mandió, avaxi, jety (peixe, mandioca, milho e batata-doce) pinhão, entre outros alimentos, assim como tomar ka’a (erva-mate) é herança cultural do povo Guarani;
Fonte: Agência de Comunicação Guarani Mbyá Arandu (mbyaarandu.wordpress.com)