Quando entrei na cozinha a discussão dos velhos já tinha começado:
– Paulo! Não acredito que vai ter outra separação!
– Vai sim!
Embora fosse pré-adolescente, já sabia do que estavam falando e que aquela conversa influenciaria na minha vida.
Não! Não eram os dois que iriam se desquitar – como se dizia à época – e nem eu teria que decidir com qual deles ficar – o pai cozinhava melhor e a mãe liberava mais grana. Quem iria se separar era um colega de trabalho do meu pai. E sobre a influência na minha vida, era que eu perderia mais um treino do futebol, para ser ajudante de mudança, pois o meu pai era o responsável por emprestar e pilotar a Kombi do Seu Zé, chefe de ambos.
Isso acontecia a cada três meses. Separa e junta. Junta e separa. Mudança e mudança. Parece que a mulher do cara nos odiava, pois éramos pontuais e chegávamos quando a partilha ainda não estava totalmente definida.
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Já quando adulto, fui convocado para ajudar na mudança de um conhecido. Cheguei na hora combinada e, do lado de fora, escutei uma briga entre o casal “separativo”, por causa de um vaso de flor:
– O vaso fica pra mim!
– Não senhora! Esse eu vou levar!
A conversa em alto tom não terminava.
Adiante, cheguei na nova casa do sujeito e sobre a mesa de centro havia um vaso esquisito, que não combinava com o resto da decoração. Não deixei a oportunidade passar:
– Cara, esse vaso tu trouxeste daquela casa?
– Aham! Trouxe sim!
– Tu gostas mesmo dele?
– Claro que não! Acho horrível!
– E por que tu fizeste questão?
– Só pra não dar o gostinho de ficar pra ela.
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No celular:
– Oi Lamas, tudo bem?
– Tudo bem!
– Me diz uma coisa: aquele teu primeiro livro tu destes pra mim ou pro Flávio?
– Olha, pelo que lembro ele comprou e pediu autógrafo lá na firma. Por quê?
– Em primeiro lugar: Ex-noivo! E tenho certeza que o livro era pra mim. Sabes que sou viciada em leitura, né?
– Sei, sim! E qual nome estava na dedicatória?
– Tinha os dois nomes! Mas agora, nem adianta, ele já levou embora. Talvez, agora, ele leia, porque nem tocou enquanto o livro estava aqui. Ou vai vender no sebo, aquele italiano pão duro. Mas deixa pra lá, só queria esclarecer isso contigo.
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Contei essas histórias, defasadas sequencialmente em 10 anos, na tentativa de explicar porque costumo desaconselhar separações quando consultado por terceiros. Tenho várias teorias: No início de ano não é hora. No meio do ano é melhor deixar o tempo passar e no final do ano, perto do Natal, não é o momento certo, em finais de ano não se toma uma decisão dessa.
Cansei de fazer mudanças alheias. Também foi bem difícil achar o último exemplar de Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora para a guria “viciada” deixar sua “trilogia do Marcelo Lamas” completa. Por sorte, tinha um livro perdido lá no depósito da livraria do Pedrinho. Outro dia, cruzei com o ex-noivo da guria e perguntei o que ele achava do livro. O cara gaguejou, falou um monte e não disse nada.