“A terra que a gente tinha já ficou pequena e fica cada dia menor. Não é o guarani que está chegando na cidade, é o não índio que está chegando nas aldeias. A gente não precisava ficar com as coisas da cidade, nós temos tudo aqui, água, comida, tudo. Mas eles estão destruindo a mata e chegando nas aldeias”, ressalta.E, com a perda de território e a aproximação cada vez maior e mais intensa, a população indígena também tem sofrido os impactos diretos, tanto na preservação da sua terra, como na própria sobrevivência. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010, a população indígena em Santa Catarina chegava a 16.041 pessoas, divididas entre aqueles que vivem em Terras Indígenas (TI) e os que vivem nos meios urbanos. Em Joinville, por exemplo, segundo o IBGE, viviam 523 índios, mas a cidade não possui Terras Indígenas.

Em 2010, a população indígena em Santa Catarina chegava a 16.041 pessoas | Foto Eduardo Montecino/OCP
“O governo não vê, ele pensa que a terra é toda do governo, mas não é. O nosso criador fez o mundo pra gente viver, guaranis, outras etnias, os brancos também. O guarani quer a mata e o rio para preservar, para preservar o nosso costume. Os guaranis são guardiões de todas as etnias e fazem oração para todo mundo. A população não indígena não entende isso. Nós queremos a terra para guardar a mata, guardar a terra. Nossa função é cuidar do rio e da mata”, conta.Mas, para guardar a mata e a terra, o povo indígena trava uma luta há séculos pelo direito a elas. E, em Araquari, o que para muitos significa desenvolvimento, para o povo indígena representa mais uma derrota. A duplicação da BR-280 passa pelo território indígena e a desapropriação passa também pela terra e pela mata que os guaranis tanto lutam para preservar. LEIA MAIS: - Duplicação da BR-280 esbarra, agora, na falta de plano para a comunidade indígena Embora o governo esteja disposto a indenizar o povo guarani, para Ronaldo, isso não é suficiente e o motivo é simples: não se trata de dinheiro.
“Como a gente vai vender a terra que não é nossa? O criador não vendeu pra ninguém, ele criou pra gente andar, cuidar, pra isso que a terra foi criada. Hoje não somos massacrados fisicamente como antes, mas na papelada, eles estão tirando o que é nosso e nós só queremos continuar cuidando, caçando, pescando”, diz.Assim como Ronaldo, o índio Darci da Silva também fala sobre a violência causada não por armas, mas por canetas. Lembrando o massacre ocorrido quando da chegada dos colonizadores, o índio ressalta que o povo guarani já estava no território que para os portugueses foi “descoberto”.
“Nesse período eles chegaram, mataram, queimaram. Hoje não acontece assim a violência, mas agora os políticos, os governantes, estão violando o nosso direito, então é isso que enfrentamos até hoje. Eles querem matar os índios tirando nossa terra, desmatando nossas florestas”, enfatiza.
Futuro de luta e preservação
O índio ressalta ainda que a desapropriação é mais uma violação em meio a tantas outras cometidas contra o povo indígena. E, para Darci, a indenização está longe de ser uma solução.“É claro que a indenização não é suficiente pra gente porque a terra que a gente estraga, nada paga. A terra que estamos vivendo faz parte do nosso corpo, o rio que está correndo é o nosso sangue que corre. Por isso, a gente não pode estragar a terra, não pode matar a natureza, porque ela faz parte do nosso corpo”, diz o cacique.A relação do povo indígena com a terra e a natureza é violentada diretamente a cada desapropriação, a cada desmatamento e a cada retirada de território. Para o vice-cacique Gabriel Martins Pires, a luta é milenar e continuará sendo, porque os impactos desta exploração são sentidos todos os dias.

Foto Eduardo Montecino/OCP
Empoderamento feminino na comunidade
Ao chegar na Tiaraju, não é incomum avistar as mulheres indígenas espalhadas em inúmeras tarefas, desde o cuidado com os pequenos, até o preparo de ervas e alimentos. A força feminina é exaltada por ela, que teve a coragem de cursar uma faculdade mesmo sabendo de toda a carga de preconceito e choque cultural que pesaria sobre seus ombros. Para Cecília Brizola, o maior incentivo e também a maior missão ao se tornar uma educadora de papel passado é servir de exemplo e, mais do que isso, dar aquele empurrão para que as mulheres indígenas tomem espaços e lutem. LEIA MAIS: - Aldeia sonha com educação que respeite história e cultura indígena“Quando eu parei pra pensar o porquê queria fazer faculdade, anos atrás, pensei e penso ainda nas mulheres. Eu quero ajudar mais porque na nossa cultura, eu não posso falar muito sobre os homens, mas há algumas coisas que eu quero falar e se a gente puder, a gente fala. Eu sempre quis e continua sendo um desejo ajudar as mulheres a também tentar", diz."Eu passei dificuldade para terminar a faculdade? Muita. Mas eu quero mostrar isso para os alunos, para as meninas, mostrar que não é fácil, que a gente sofre muito e enfrenta muita coisa, mas mesmo assim tem que tentar, tem que fazer isso porque a gente precisa”, enfatiza.

Para a professora Cecília Brizola, o maior incentivo e também a maior missão ao se tornar uma educadora de papel passado é servir de exemplo | Foto Eduardo Montecino/OCP

Cecília atua com foco no empoderamento das mulheres indígenas Foto Eduardo Montecino/OCP
“Não é só o cacique que pode falar. Nós também podemos ajudar e falar sobre a nossa história, a nossa cultura. É assim que eu penso”, afirma.Para ela, o dever é mostrar isso aos alunos, às mulheres, falar da luta do povo indígena e não deixar que nada seja esquecido. E a missão maior de Cecília é com as mulheres. “Elas podem fazer o que quiser, ser o que quiser e é muito importante que saibam disso, a gente fala muito isso”, ressalta.
Futuro de luta e preservação
Quando o vice-cacique da Aldeia Tiaraju, Gabriel Martins Pires, pensa no futuro, não vê um caminho próspero e otimista. Para a filha de três anos, ele vislumbra uma vida melhor, mas também sabe que ela terá que lutar muito por isso. Quando os pensamentos começam a ficar negativos, ele confessa que procura os mais velhos para aconselhamento.“Eu acho que os não índios vão aumentar mais e, se a gente não lutar pra sobreviver, acho que a gente...” - ele interrompe a frase porque não quer pensar em novos genocídios. Quando a cabeça o leva para esse caminho, logo procura auxílio. “Quando começo a pensar isso, procuro o pajé e ele diz que não, que não pode pensar assim”, conta.A luta pela sobrevivência é real e essa realidade é repassada diariamente aos mais jovens, mas a esperança de uma vida melhor também faz parte do dia a dia, conta a professora e coordenadora Cecília Brizola. Ela enxerga o esforço dos caciques e lideranças, mas também sabe que é preciso preparar os mais jovens para continuar a luta e preservação da cultura indígena.

Professora garante que influencia da cultura branca não enfraquece ligação dos guaranis com suas raízes | Foto Eduardo Montecino/OCP
“Não se esquece dos remédios, da comida, da língua, da nossa cultura. É por isso que até hoje a gente fala o guarani, não perdemos a nossa fala e a nossa cultura. A gente pode ter tudo perto, mas a nossa cultura nunca vai sair. A gente nunca perde a esperança”, ressalta.E é nos jovens que Gabriel também deposita a sua esperança de manter a cultura indígena. “A gente fala para o jovem, para não esquecer a nossa cultura, para levar adiante porque eles, depois de nós, podem levar adiante e é isso que a gente quer. É isso que sempre fizemos, passando de geração em geração”, finaliza. *Reportagem de Adrieli Evarini para o jornal O Correio do Povo