Quem vive ou costuma passear por Santa Catarina está familiarizado com a arquitetura enxaimel. Trazida para cá pelos imigrantes alemães, ela dá um charme todo especial à região. Mas quais são os segredos que fazem com que essa técnica construtiva seja tão encantadora?
Foto: Fabio Junkes
Para saber mais sobre o tema, o OCP News conversou com Anderson Töwe, mestre carpinteiro especialista em enxaimel e dono da empresa Heimat Arquitetura, sediada em Jaraguá do Sul.
Ele explica que o enxaimel é uma técnica construtiva que tem suas raízes no período Neolítico da Alemanha e não utiliza ferro ou cimento em suas edificações. Em vez disso, madeiras, tijolos, água de barro, areia e cal são as matérias-primas dessa arte milenar. Todas as peças são conectadas por meio de encaixes, formando uma estrutura tão única quanto eficiente.
Foto: Fabio Junkes
O diferencial do enxaimel em relação à construção em alvenaria é notável. Enquanto a alvenaria segue um processo mais genérico, o enxaimel requer medidas e projetos pré-estabelecidos. A parte estrutural de uma casa enxaimel é projetada e executada em um galpão, onde as madeiras são medidas, cortadas, numeradas e tratadas antes de serem levadas ao local da obra. Lá, são montadas sobre uma base de pedra, ou em bases de alvenaria, com um isolamento adequado para que madeira e cimento não entrem em conflito.
Numeração de madeiras
Para Anderson Töwe, a numeração das madeiras é um passo crucial, permitindo saber exatamente onde cada peça se encaixa. Além de servir como guia para a montagem da estrutura, as marcações também mostram a história de cada construção. “Isso, inclusive, a gente já conseguiu encontrar marcações em casas que foram restauradas”, comenta o carpinteiro.
Fotos: Fabio Junkes
Outro detalhe característico das casas enxaimel é a cor das madeiras, geralmente preta. “Hoje, a gente usa um produto específico, como se fosse uma autoclave, que garante uma durabilidade bem longa e, no momento em que você vai montar a casa, quando a estrutura está toda pronta, passa o alcatrão”, substância de cor preta utilizada para proteger contra umidade e cupins, explica Anderson. Para uma durabilidade ainda maior, a recomendação é repetir o tratamento a cada cinco ou dez anos.
Foto: Fabio Junkes
Além da estrutura, as janelas e portas das casas enxaimel também carregam significados. Com o tempo, as cores passaram a servir como uma forma de identificação: famílias católicas pintavam janelas e portas de vermelho, enquanto os luteranos usavam verde ou azul.
Foto: Fabio Junkes
Rituais e tradição
A tradição alemã do enxaimel é marcada por práticas e rituais antigos, como o Bauopfer e a Richtfest. O Bauopfer, uma oferenda feita durante a construção, inicialmente envolvia o sacrifício de animais de estimação para proteger o lar e a família. Com o tempo, essa prática foi substituída por uma pequena moeda colocada entre as madeiras na base da obra.
Foto: Fabio Junkes
Já a Richtfest é uma celebração que acontece antes da colocação das telhas do imóvel. Uma coroa feita com folhas e flores é pendurada sobre a estrutura do telhado em agradecimento aos envolvidos na construção, com comida e bebida oferecidas pelo dono da casa.
Foto: arquivo pessoal
Outro ponto que chama a atenção é a vestimenta utilizada por Anderson. O Zimmermann Kleidung, traje tradicional dos carpinteiros dos países de língua alemã, é composto por um chapéu preto de aba larga, um colete preto com oito botões simbolizando a jornada de trabalho de oito horas, uma camisa branca, calças pretas com boca larga, e uma jaqueta preta de material pesado com seis botões representando a semana de trabalho de seis dias e três botões nas mangas que representam os três anos de formação em carpintaria. Um cinto especial de carpinteiro também pode ser utilizado. No século XIX, essa vestimenta foi declarada como sendo a roupa oficial dos carpinteiros e ainda hoje é usada com orgulho.
Foto: arquivo pessoal
Vantagens do enxaimel
Mas quais são as vantagens do enxaimel? Além de ser uma construção mais econômica, já que o ferro e o cimento são mais caros que os materiais usados no enxaimel, essa técnica permite que a casa seja desmontada e transportada para outro local.
A estrutura montável também possibilita uma construção rápida: “hoje, uma casa de 100 m² a gente faz em 30 dias”, afirma o mestre carpinteiro. A temperatura interna das casas enxaimel é outro benefício, sendo mais fresca graças ao barro em sua composição, proporcionando uma diferença de até cinco graus na sensação térmica.
Para se construir uma casa enxaimel, é necessário um mestre carpinteiro especializado, que siga rigorosamente as especificações do método. Anderson, um desses mestres, descobriu sua paixão pela técnica ainda criança, quando, desconfiado de que a casa onde morava tivesse sido construída em enxaimel, resolveu retirar parte do reboco da parede até encontrar um pedaço de madeira encaixada, confirmando sua teoria.
Orgulhoso de sua descoberta, Anderson contou sobre o feito aos avós, que o repreenderam pelo estrago na parede. Anos depois, pesquisando sobre o enxaimel, ele descobriu um mestre carpinteiro em Blumenau, com quem aprendeu tudo sobre a técnica. Hoje, Anderson é um dos responsáveis por manter viva essa tradição, contribuindo significativamente para a preservação da cultura alemã em Jaraguá do Sul e região.
Anderson no período de aprendiz em Blumenau | Foto: arquivo pessoal
O enxaimel vai além de um resgate histórico e cultural; é um método construtivo futurista, que reaproveita materiais e pode ser amplamente reutilizado. Assim, essa técnica milenar continua a inspirar e a encantar, mostrando que tradição e inovação podem caminhar juntas.
Assista ao vídeo
Ver essa foto no Instagram