Novembro de 1982, ditadura militar, classe trabalhadora buscando seus direitos sociais, luta pela democracia. Alimentos daquilo que seria o primeiro grande encontro do movimento punk no Brasil, O Começo do Fim do Mundo, festival reunindo a cultura punk. Eu estava lá, no Sesc Fábrica Pompéia (SP), um moleque de coturno e gandola do Exército, camiseta branca com o símbolo da anarquia.
Eu via algo diferente naqueles símbolos, nos fanzines feitos de fotocópias. Quando ainda não se falava em fóruns de discussão, lá estavam Clemente (Restos do Nada e Inocentes), Redson (Cólera) e Fabão (Olho Seco) expondo suas ideias por meio de discursos e músicas revolucionárias, literalmente.
O dia 28, primeiro dia do festival, transcorreu sem ocorrências, tudo conforme planejado. Objetivo alcançado, punks do suúrbio e punks do centro finalmente reunidos sem treta, algo raro.
Clemente sempre disse: “Punk das antigas não entra em treta”. Lá estavam eles, os primeiros punks do Brasil, idealizadores de um movimento de contracultura, contra o sistema, protestando contra a politica, a ditadura e a eterna luta de classes, buscando uma democracia e transparência dos órgãos governantes.
No segundo dia, tudo ocorria bem até a invasão da PM. Foi o que motivou a famosa Passeata Punk, que partiu do Sesc Pompéia até a Praça da Sé. Nunca antes houve uma manifestação improvisada tão bem sucedida.
O movimento criou raízes. Surgiram Ratos de Porão, Virus 27, 365, o Selo Ataque Frontal; casas noturnas viraram locais pra encher a cara curtir um som e pegar a mulherada. O Madame Satã, um casarão velho no Bexiga, se tornou o templo do movimento punk e estações de metrô viraram locais de encontro, assim como a Galeria 24 de Maio.
Lembro bem do Fabão defendendo um grupo de jovens punks dizendo “eles são o futuro do movimento”; João Gordo correndo dos carecas e neo-nazistas, que o acusavam de “trair o movimento”; show dos Ramones com morte; o assassinato do cobrador de ônibus na Xavier de Toledo porque não deixou um grupo de punks pular a catraca.
Canibal, parceiro velho da Gang Devastação, avisou: temos de controlar as coisas para que nossos direitos não nos levem para o caixão. Ele estava certo: quantos foram sendo deixados pelo caminho? Mas o punk, esse nunca vai morrer.
Marcelo Porto nasceu em São Paulo e mora há 12 anos em Joinville, onde é DJ.
Foto: Selo Sesc, divulgação