Se você viveu em Jaraguá do Sul nos anos 1990, provavelmente já cruzou a esquina da Reinoldo Rau com a Domingos da Nova e viu um toldo listrado em vermelho e branco lotado de gente. Era o Gargamel Lanches, um dos points mais movimentados da cidade, onde jovens se reuniam para conversar, paquerar e saborear um bom hambúrguer, muitas vezes servido diretamente na bandeja pela janela do carro.
O nome curioso nasceu antes mesmo da lanchonete. Luiz do Amarante, hoje com 54 anos, trabalhava como garçom no Smurfs Lanches quando um cliente fez a piada: “Gargamel, pega uma cerveja aí”. Ele não gostou, mas, como costuma acontecer, o apelido pegou. Anos depois, quando deixou o Smurfs, alugou um trailer e decidiu usá-lo como nome do novo negócio. “Eu tinha 20 e poucos anos e não sabia que ia fazer o sucesso que fez, o bar explodiu”, lembra.
O primeiro endereço ficava numa rua lateral, mas logo o movimento foi tão intenso que a mudança para a esquina da Reinoldo Rau com a Domingos da Nova foi inevitável. E ali, no coração da cidade, o Gargamel cresceu junto com Jaraguá do Sul. “A galera comprou a ideia e tudo começou a acontecer em função do bar. As pessoas vinham antes da balada, depois da balada. A gente tinha música ao vivo quinta, sábado e domingo”, conta.

Foto: Arquivo histórico | A lanchonete tinha cerca de sete funcionários.
As fotos da época são uma viagem no tempo. Carros clássicos como um Escort bege e um Uno vermelho paravam em frente, enquanto, lá dentro, o barulho das conversas e das risadas se misturava ao som da chapa fritando. Do lado de fora, mesas e bancos vermelhos com o logotipo da Marlboro criavam aquele clima típico de lanchonete “old school”. No letreiro, o rosto carrancudo do vilão dos Smurfs parecia observar a cena, irônico, como se soubesse que o Gargamel real era queridinho de todos.
Durante o dia, especialmente nos domingos de manhã, o espaço virava território dos motociclistas. As primeiras reuniões do Motogiro aconteceram ali, reunindo fileiras de motos coloridas estacionadas lado a lado, jaquetas de couro, camisas xadrez e capacetes brilhando. Foi também ali que a banda In Natura deu seus primeiros passos, criando trilhas sonoras para uma geração inteira. “Eles começaram tocando lá e até hoje me agradecem quando a gente se encontra”, conta Luiz.

Foto: Arquivo histórico | O Motogiro era uma das principais atrações.
O cardápio tinha estrelas próprias. O X-Chicken, feito com frango, queijo e vinagrete opcional, era o queridinho e permanece até hoje como “lanche raiz” na nova fase do Gargamel. Outro destaque era o serviço no carro, com bandejas encaixadas no vidro, como nos filmes americanos. Entre os clientes fiéis, estava o Dr. Zapata, que chegava de Mustang e mantinha a tradição de ser atendido sem sair do veículo.
A “era de ouro” da cidade
O Gargamel também surfou na onda cultural da época. Jaraguá do Sul vivia uma fase vibrante, com shows nacionais de bandas como Capital Inicial, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e Mamonas Assassinas. Luiz fazia parte de um grupo de amigos que ajudava a trazer essas atrações para a cidade. “Não havia lucro, era pela diversão. E depois dos shows, muita gente ia direto para o Gargamel”, lembra.
Nesta fase, a cidade também recebeu a nova rodoviária e a primeira edição do Jaraguá em Dança, o que impulsionou ainda mais o crescimento urbano. E o “Garga” viu tudo isso de pertinho! Porém, a primeira fase de sucesso teve um fim repentino. O dono do terreno pediu o ponto e Luiz, ainda jovem e sem reservas financeiras, acabou fechando as portas.
Olha aí, o Gargamel no OCP no ano de 1993.
- Foto: Hemeroteca Digital Catarinense
- Foto: Hemeroteca Digital Catarinense
Por onde anda o Gargamel?
Desde então, Luiz trabalhou como funcionário em outros estabelecimentos até 2014, quando decidiu reabrir o negócio. A escolha foi estratégica, no bairro João Pessoa. “Eu era da associação dos moradores, conhecia a região e sabia que ia crescer. Foi uma aposta que deu certo”, hoje, a lanchonete funciona próxima à Sociedade João Pessoa.
Agora, além dos lanches, há pizzas, peixes, porções, área para crianças e espaços pensados para atender diferentes públicos. Os tempos mudaram, mas o Gargamel continua sendo aquele lugar onde as histórias começam com um “vamos lá comer alguma coisa?” e nunca se sabe como vão terminar.

Foto: Arquivo pessoal | Hoje, o local possui 17 funcionários.
Do desenho animado para a vida real, Gargamel virou mocinho das madrugadas jaraguaenses e seguiu de perto na vida de muitas gerações. Agora recebe até os filhos de quem um dia fez parte da fila na esquina mais famosa da cidade.