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Entrevista com Carpinejar: “A gente precisa perder tempo para ter amigos”

Por: Elissandro Sutil

15/08/2017 - 09:08 - Atualizada em: 26/04/2018 - 15:49

Uma das grandes atrações da Feira do Livro, Fabrício Carpinejar, poeta, cronista e jornalista gaúcho, que ganhou o Brasil com sua escrita romântica e bem humorada, interagiu com o público jaraguaense na noite de ontem (14), no Centro Cultural da Scar. No bate-papo “Amizade também é amor”, que remete ao seu mais recente livro, lançado em abril deste ano, o autor mostrou toda a sua sensibilidade ao abordar questões como companheirismo e recordações da infância. Mas, também deu seu recado sobre preconceito e superação.

“Algo que me fez muito bem é ter nascido feio.
O feio é inesquecível. O feio tem o dom de ser generoso.
O homem bonito é acomodado.
O feio traz uma segurança, ele é tridimensional,
a mulher nunca se acostuma com ele. O feio é livre, o feio é feliz.”

A declaração acima, do palestrante, arrancou risos da plateia. Em seguida, recordando sobre o bullying sofrido na infância, especialmente na escola, complementou: “Por que a gente tem esse conceito de que quem sofre precisa sair de cena e chorar? Por que a gente não ensina a se defender, não ensina a palavra? Palavra é a maior arte marcial, porque o agressor é burro, não tem repertório. O agressor nunca espera resposta”.

Antes dessa conversa descontraída, engraçada, sensível e cheia de significado, Carpinejar recebeu, com exclusividade, a equipe do OCP em seu camarim para uma entrevista sobre seu trabalho e contato com o público.

ENTREVISTA

OCP | Seus bate-papos ocorrem por todo o país. Dá para sentir uma mudança da relação das pessoas com a literatura?

CARPINEJAR | Acho que teve uma mudança, principalmente, pela web, a literatura ficou mais disseminada. Mas há um culto ao autor, não é um culto ao livro, mas ao autor. Então, se tu gostas do autor, tu vais lá e lê praticamente tudo dele. A literatura assumiu uma condição pop, de vitrine, de fã. O leitor tornou-se fã. E até por grandes movimentos, como o Harry Potter e assim por diante, que criou uma espécie de suspense pela próxima obra. Então, a literatura mudou muito, porque é fácil publicar um livro, difícil é fazê-lo conhecido. É distribuir. Têm autores que podem ser autores da internet, sem o suporte “livro”, e ter realmente um belo trabalho. Esse espaço no digital alterou a configuração. A gente ainda não migrou de uma forma maciça para o e-book. O e-book está ali nos espreitando, e uma hora vai acontecer. De uma certa maneira, a gente já se acostumou a ler virtualmente.

OCP | Seu livro “Felicidade incurável” propõe uma mudança de mentalidade, uma visão mais alegre e liberta do cotidiano e os seus problemas. “Amizade também é amor” dá continuidade a essa proposta?

CARPINEJAR | Acho que a crônica tem uma leveza, mesmo quando o assunto é triste. A crônica é uma conversa e na conversa tu já retiras toda aquela densidade trágica da poesia, que é uma espécie de monólogo. Então, a crônica tende a combater o senso comum. Em “Felicidade incurável” eu mostro que existe uma felicidade que não é euforia. É uma felicidade em que tu podes estar silencioso, solitário, que ainda é felicidade. Não precisa estar gargalhando, ou rindo. Não é uma felicidade para fora, é uma felicidade para dentro. A euforia é uma felicidade para fora, que é o que costuma acontecer. Existe uma tirania da felicidade digital. Tu não estás feliz, mas tu tens que mostrar aos outros que estás feliz. Sempre está comendo o melhor prato, todo mundo faz foto do seu prato…

Tu tens que mostrar que tu estás vivendo para os outros. Então, tu deixas de ter uma satisfação pessoal, pela satisfação dos outros. É mais uma ostentação do que uma felicidade. Já “Amizade também é amor” faz uma homenagem àqueles amigos que ficam na tua vida, ou seja, o quanto que a gente precisa perder tempo para ter amigos. Se tu vais burocratizar o teu dia a dia, tu não abres mais espaço para o milagre da conversa. Hoje em dia, as pessoas precisam agendar uma conversa com o amigo, como se fosse uma consulta médica, quase uma previdência, tu ter que ligar antes para depois passar na casa do amigo. Antes, não, tu passavas na casa do amigo e se ele estava lá melhor, e se não estava, tu tentavas de novo. Mas, tu não queres ser incomodado pela amizade. Aquele amigo que te liga às duas da manhã tu não atendes. Vai descobrir o que aconteceu no dia seguinte. Tem um erro nisso que a gente precisa combater, porque amizade é para ter trabalho. Mas, é trabalho de ambos os lados.

OCP | Além das crônicas e dos livros, diariamente você dá aos fãs pequenas doses de sensibilidade nas redes sociais. Como é essa interação e retorno instantâneo com seu público?

CARPINEJAR | Eu acredito que não vai existir mais unanimidade com a web. Se houvesse um Drummond de Andrade hoje em dia, ele seria destrinchado. Ele seria demolido. Imagina o Drummond publicando tuítes? Teria muita gente odiando. Então, para sobreviver na web, tu não podes querer agradar. Requer uma autenticidade. Eu acredito que o Twiter, ou Instagram, ou o próprio Face, é propício para a poesia, para a frase curta, para o aforismo, para o pensamento relâmpago, explosivo. Então, eu me adaptei muito bem a isso. Não tive que mudar para atender a web, eu já era assim. Soltar frases desconcertantes, pensar em voz alta, é isso que eu faço. Fico pensando em voz alta.

OCP | Como foi migrar para as plataformas digitais até criar um canal no You Tube? Houve dificuldade nessa transição?

CARPINEJAR | Eu sempre fiz um largo trabalho em televisão e eu não tinha feito essa plataforma individual. Então, pensei: vou colocar as minhas crônicas faladas. Porque é legal, também, o temperamento visto, a tua vacilação, o jeito que tu orquestras o pensamento, o jeito que tu silencias a tua risada, é uma pessoalidade do convívio que o You Tube dá e tem sido bem divertido. Faz dois meses, né?

OCP | Sobre Jaraguá…

CARPINEJAR | A cidade é linda, é bem organizada. Estou jiboiando, bodiando, desde o almoço. Fui no General Küster (Parque Malwee) e nossa! A minha vontade era de deitar numa daquelas sombras e ficar toda a vida. E também vocês precisam ter uma resistência fortíssima, porque a mudança de tempo aqui é drástica. Vocês não precisam viajar, de manhã é um dia e de noite é outro país.

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Elissandro Sutil

Jornalista e redator no OCP