Doação de órgãos: as histórias de duas famílias de Guaramirim e Jaraguá do Sul que vão tocar seu coração

Por: Elissandro Sutil

02/10/2016 - 13:10 - Atualizada em: 03/10/2016 - 13:28

O dia 27 de setembro é marcado todos os anos pelo Dia Nacional da Doação de Órgãos. Mesmo que esta pareça uma realidade muito distante de alguns de nós, saiba que muitos jaraguaenses já tiveram contato direto – ou não – com o processo de doação e transplante de órgãos. Por isso, separamos duas histórias emocionantes que aconteceram com pessoas aqui pertinho da gente. Confira:

Djonathan, o doador de vidas

“A doação de órgãos é o ato mais bonito que alguém pode fazer pensando no próximo. Nós não perdemos o Djonathan, a missão dele era essa: salvar outras vidas”, refletiu emocionado o aposentado Moacir Kamer, de 59 anos. O único sentimento agora é de saudade do neto, o pequeno Djonathan Eduardo Klitzke, vítima de um desmoronamento que aconteceu em Guaramirim, há dois anos.

A enchente de 2014 foi uma das mais devastadora em todo o Estado, mas principalmente para a família de Valmir e Josi Klitzke. Na época, o casal perdeu o primogênito Djonathan, que este ano completaria 10 anos de idade. Mesmo com a dor da perda, eles decidiram doar os órgãos do filho, decisão esta que hoje conforta o coração da família.

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Foto: arquivo da família

Na manhã de domingo, dia 8 de junho daquele ano, a chuva caía na região e parecia que não ia cessar tão cedo. E, na casa dos Klitzke, quando se deram conta, estavam todos em meio aos escombros da própria casa. O deslizamento aconteceu entre as ruas Maria Zastrow e Waldir Prüsse por volta das 6h de domingo. Valmir Klitzke, de 33 anos na época, estava no quarto, deitado com os dois filhos Djonathan, 8, e David, de 3 anos. Já a esposa Josi, 33, havia subido para o segundo piso da garagem, onde tinha uma confecção.

O muro de contenção que havia nos fundos da casa da família não resistiu à terra encharcada e cedeu. “A minha filha ouviu o barulho do desmoronamento, foi atingida e ainda conseguiu ligar para os bombeiros e pedir socorro”, lembra Moacir. O genro Valmir e o neto David sofreram ferimento leves, enquanto a filha Josi fraturou o fêmur – passou por uma cirurgia – e ficou internada no Hospital São José. Já Djonathan foi encaminhado com urgência pelo helicóptero da Polícia Militar, ao Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria.

Foto: arquivo/Jaraguá AM

Foto: arquivo/Jaraguá AM

Ele não resistiu e morreu em uma terça-feira, dia 10 de junho. Assim que confirmada a perda dos fluxos cerebrais, ou seja, a morte encefálica, a família decidiu pela doação dos órgãos. “Doando os órgãos ou não iríamos viver com a perda, mas isso faz com que amenize a dor, pois sabemos que outras vidas foram salvas”, diz a avó do menino, Audilia Nicochelli Kamer, de 46 anos. A retirada dos órgãos foi feita no dia seguinte, e em seguida o sepultamento do menino. Foram captados o coração, dois rins, fígado e as córneas.

Hoje, o coração de Djonathan bate no peito de uma menina de 12 anos, que mora em Curitiba, enquanto as córneas dão visão para uma mulher de Araranguá. “Antes de sairmos de casa para o enterro do nosso neto, recebi uma ligação de Curitiba, que nos emocionou muito. Era um homem, que se identificou o tio da menina que recebeu o coração do Djonathan”, contou o avô emocionado.

Assista ao vídeo:

O forte coração de Marcos

Nem sempre o coração que hoje bate forte no peito do jaraguaense Marcos Vieira, de 68 anos, esteve com ele. Há três anos, o taxista aposentado precisou com urgência de uma cirurgia: um transplante para ganhar um coração novo. E foi pela decisão da família de um jovem doador, que salvou sua vida.

Vítima de uma insuficiência cardíaca, causada por herança genética, em 2006 teve que aprender a conviver com um marca-passo para continuar com a rotina. A vida seguiu tranquilamente até 2013, quando começou a perceber que as coisas não estavam tão bem. Depois de uma série de exames foi constatado que o coração estava dilatado e não conseguia mais bombear o sangue como deveria, e a única solução era o transplante.

“Os próprios médicos não me davam muito tempo de vida, eu estava na fila de espera em situação de emergência”, relembra. A rotina da família mudou completamente. Marcos passava, no máximo, dois dias em casa e voltava para o Hospital Angelina Caron, em Curitiba, no Paraná, onde todo o tratamento foi feito.

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Marcos e Nilza com as netas Julia Vieira Porto, de 11 anos e Beatriz Vieira Porto, de 3 aninhos. (Foto: Gabriela Bubniak)

Na noite de 26 de setembro de 2013, ele estava no hospital e a situação já era crítica, até que a enfermeira entrou no quarto com a notícia de que um coração estava chegando para ele. “E bem naquela noite, quando eu recebi o coração, exatamente no dia de aniversário de falecimento do meu pai, eu soube que ainda iria viver muito”, comenta.

Por questões éticas e de legislação da Saúde, o receptor não fica sabendo quem foi o doador, mas Marcos acabou descobrindo através de uma sobrinha enfermeira em Curitiba. Depois de uma pesquisa, soube que o órgão era de um enfermeiro de 28 anos, que morreu após sofrer uma grave queda. Meses mais tarde, uma das filhas de Marcos entrou em contato com a esposa do enfermeiro, momento em que toda a família pôde agradecer pelo gesto de amor.

Hoje, recuperado e renovado, Marcos precisa tomar diversos remédios todos os dias para que o novo coração não seja rejeitado pelo corpo. Agora, três anos depois do transplante, o homem que afirmava que nunca doaria um órgão, tem outra consciência. Tornou-se uma pessoa ainda melhor e disposta a ensinar aos netos, que ainda são pequenos, os valores da vida e o amor ao próximo. Ontem, dia 26, ele comemorou três anos do transplante e continua a sua vida feliz, com o coração de outra pessoa batendo no seu peito, através de um ato de amor. E o pedido para toda a família e amigos é: “Seja um doador!”

Assista ao vídeo:

O que os jaraguaenses precisam saber sobre a doação e transplante de órgãos

Por mais assustador que pareça, imagine-se entrando em uma fila com 33.199 pessoas. Pois é este o número de pacientes que aguardam por um transplante de órgãos no Brasil. É como se 21% da população de Jaraguá do Sul aguardassem por um transplante. Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) mostram que 2.333 pessoas morreram à espera de uma doação no país em 2015 – entre elas, 64 crianças.

Dos mais de  33 mil pacientes que aguardam na fila de espera por um órgão, 407 são de Santa Catarina. Nos últimos 10 anos, o Estado se coloca na liderança nacional na captação e doação de órgãos. Atualmente, o índice chega a 30,2 doadores por milhão de população (pmp), mais que o dobro da média nacional (14,1 pmp). O Estado fica atrás apenas da Espanha, com uma taxa de 35,9 doadores por milhão.

Hoje, Santa Catarina possui mais de 220 hospitais públicos e privados espalhados pelos 295 municípios. Destes, apenas 44 estão aptos para captar órgãos. Entre eles, está o São José de Jaraguá do Sul, considerado referência no Estado. Em 2015 foi o hospital com maior número de doações em SC, (49 notificações e 30 doações realizadas). O hospital jaraguaense é referência em neurologia e neurocirurgia na região e casos da região que podem evoluir para morte encefálica, são encaminhados para cá.

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Foto: Henry Milléo/Gazeta do Povo

Um dos fatores que mantém a fila de espera pelo transplante com alto número no país é a recusa familiar; em 2015, 44% dos entrevistados no Brasil recusaram a doação. O principal motivo de recusa identificado pela ABTO é que boa parte das famílias (21%) não compreendeu o conceito de morte encefálica. Já 19% atribuíram a decisão a crenças religiosas e outros 19% responsabilizaram a falta de competência técnica da equipe hospitalar.

Mas o que é Morte Encefálica?

O que se tem que ter em mente é que a maioria das doações de órgãos realizadas acontece quando é diagnosticada a morte encefálica. Mas o que isso significa?

Assista ao vídeo e entenda melhor:

A partir do momento em que acontece a morte encefálica, é que começa o processo para garantir mais um doador em potencial. E é aí que entram em ação os profissionais que trabalham na área. No Hospital São José de José, existe uma equipe especializada para isso, a CIHDOTT (Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes), que trabalha em turno integral (24 horas).

De acordo com o médico responsável pela UTI (Unidade de Terapia Intensiva), Manoel Eduardo Tassinari Guimarães, o diagnóstico de morte encefálica desperta muitas dúvidas. É uma morte que não parece morte, pois o coração continua batendo. Isso faz com que a família ainda tenha esperanças de recuperação.

“É importante destacar que morte encefálica significa morte. Se é diagnosticada, não existe a possibilidade de volta como um coma, por exemplo”, esclarece Guimarães. Ainda segundo ele, a única coisa que mantém os órgãos funcionando no corpo do paciente, após a morte, são os aparelhos. “E é por isso que conseguimos doar os órgãos”, frisa.

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Foto: divulgação

Mas não é só após a morte encefálica que pode acontecer uma doação. Dependendo do órgão, a doação também pode ser feita em vida para algum membro da família, nesse caso, a compatibilidade sanguínea é primordial e não pode haver qualquer risco para o doador. Os órgãos e tecidos que podem ser retirados em vida são rim, pâncreas, parte do fígado, parte do pulmão, medula óssea e pele.

Clique aqui e saiba quem não pode doar órgãos.

Assim que a família do paciente autoriza a doação, o hospital captador avisa a central de transplantes do Estado, no caso de Santa Catarina é a SCTransplantes. A gerência é a responsável por analisar o ranking de pessoas na fila de espera para ver qual o paciente com maior prioridade, e que se encaixe com o peso, a altura e a compatibilidade sanguínea do doador. Se não encontrado nenhum receptor, a oferta é feita no cenário nacional.

“Quando alguém está na ponta da lista de espera, não significa que ela será a próxima a receber um órgão – já que precisa receber um órgão compatível –, mas que ela está em estado grave e de urgência”, explica a vice-coordenadora da Cihdott do Hospital São José, Raisa Oliveira Lindner.

Cada órgão tem um tempo que pode ficar fora do corpo sem ser danificado, chamado de tempo de isquemia. Veja o tempo de isquemia de cada órgão.

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Mais coisas que você precisa saber

  • Uma pessoa doadora é capaz de salvar, no mínimo, outras oito vidas, número que pode superar 20, se for doação múltipla – quando são doados vários órgãos. Podem ser reaproveitadas as córneas, o coração, pulmões, rins, fígado, pâncreas, pele, ossos e válvulas cardíacas.
  • O Brasil tem hoje o maior sistema público de transplantes do mundo, no qual cerca de 95% dos procedimentos e cirurgias são feitos com recursos públicos;
  • As principais causas de morte encefálica são: Traumatismo Crânio Encefálico; Acidente Vascular Encefálico (hemorrágico ou isquêmico); Encefalopatia Anóxica e Tumor Cerebral Primário.
  • Morte encefálica significa morte: não existe mais nada que a equipe médica possa fazer.
  • A religião é a segunda maior causa de recusa familiar no país, mesmo que a maioria delas sejam a favor e ajudem no incentivo.

Ainda tem dúvidas sobre a doação de o transplante de órgãos? Neste link você pode encontrar mais respostas para elas. 😉

***Este artigo foi escrito com base no Projeto Diga Sim, um trabalho acadêmico – escrito e idealizado pela autora deste artigo, junto da colega de curso Bruna Bechtold, de Joinville – que visou abordar tudo o que envolve a realidade do tema em Jaraguá do Sul e Santa Catarina. Nesta grande reportagem multimídia, é possível encontrar informações desde os processos para a doação, dados do tema no Brasil, até informar quem pode doar, quanto tempo um órgão pode ficar fora do corpo, entre outros. Entenda um pouquinho mais sobre o Projeto Diga Sim, clicando aqui.