Charles Zimmermann conta como foram os três meses pedalando pela Ásia Central

Trabalhadores do Uzbequistão indo para a colheita de algodão Fotos Charles Zimermmann/Arquivo Pessoal

Por: Elissandro Sutil

16/10/2018 - 05:10

Uma bicicleta, suplementos básicos e boas doses de curiosidade para descobrir como vivem os moradores de uma área isolada e que já esteve sob domínio da União Soviética. Esses foram os elementos levados pelo jaraguaense Charles Zimmermann em sua mais recente viagem.

Ele ficou durante três meses desbravando territórios do Cazaquistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Quirguistão, na Ásia Central. O chamariz para a viagem, que completará o mais novo livro do escritor, foi a riqueza cultural e mistérios em volta desses lugares.

Nos 90 dias de aventura, Zimmermann passou 60 pedalando e 30 em descanso. O objetivo não era a quilometragem percorrida, mas sim, o aprendizado.

“Admirava as montanhas, observava as pessoas, sou um curioso do mundo. No fundo, o que quero da vida é ter uma ideia de tudo que nos cerca”, comenta o viajante.

Último trecho de subida da rodovia de Pamir, que conta com 1700 KM | Foto: Charles Zimmermann | Arquivo Pessoal

Os países visitados fazem parte da região da Rota da Seda, usada para o comércio do precioso tecido entre o Oriente e a Europa por mais de 2.500 anos.

Eles estão situados entre nações como a Índia, China e Rússia. Os locais, segundo ele, receberam influência de diferentes povos e conseguiram integrar um pouco de cada uma delas em suas culturas.

“O Uzbequistão  tem muitos traços turcos, o idioma é parecido. No Quirguistão falam parecido com os povos nômades que vieram da Mongólia. O Tajiquistão tem ligação com os persas e iranianos”, conta Zimmermann.

Algo que surpreendeu o jaraguaense foi a presença de resquícios do homem primitivo, que ficou pela região milhares de anos enquanto atravessava desertos e montanhas.

“Toda viagem me pergunto o que aprendi. Nesta, percebi que as dificuldades enfrentas pelo homem por volta dos anos 1960 não são nada perto do que o homem primitivo passava. Tinha que quebrar pedras e matar animais tanto para se alimentar quanto para se vestir”, diz.

Cemitério muçulmano no Quirguistão. Lá, é comum as pessoas serem enterradas nos pontos mais altos da cidade | Charles Zimmermann | Arquivo Pessoal

Outro ponto interessante visto pelo jaraguaense foi cultural. Antigamente, na hora de enterrar uma pessoa, era comum jogar os pertences debaixo da terra junto com o falecido.

Esse costume mudou com o passar dos anos. Ele também conta que lá é comum as pessoas serem enterradas nos pontos mais altos da cidade.

Economia e desenvolvimento

O Império Russo dominou a região por longos anos. Agora, os países são mais influenciados pela China, com mercadorias, roupas e alimentos vindos do país.

Os lugares são muito pobres e não têm clima para produzir grandes plantações.

A agricultura é de subsistência, mas um produto muito cultivado por lá é o algodão, principalmente no Cazaquistão e Uzbequistão.

Mulheres colocando damasco maduro para secar, no Tajiquistão | Foto: Charles Zimmermann | Arquivo Pessoal

O que mais se destaca economicamente é o Cazaquistão, pela grande exportação de petróleo. Apenas neste país e nas capitais dos demais é possível encontrar smartphones.

Nas outras cidades, os celulares ainda são de modelos antigos, assim como a maioria dos veículos que circulam por lá.

“Em muitos locais, nem pega celular. O uso das redes sociais e canais de televisão são limitados”, observa o jaraguaense.

Cada país tem uma moeda própria, com influência do mercado econômico turco. Por isso, Zimmermann conta que acabou gastando menos do que esperava durante os meses em que esteve na Ásia Central.

Mercado público na cidade de Khorog, no Tajiquistão | Foto: Charles Zimmermann | Arquivo Pessoal

Para fazer as viagens, ele conta com o apoio de patrocinadores, com agência de viagens e uma marca de equipamentos esportivos.

Receptividade e barreira do idioma

Ao ouvir falar em Cazaquistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Quirguistão, muitos podem remeter a um povo mais fechado e pouco receptivo. Mas não foi essa a impressão de Charles Zimmermann quando esteve nesses lugares. Segundo ele, as pessoas eram simpáticas e dispostas a ajudá-lo.

“Usei muito a camisa do Brasil, eles gostam de nós. Era período de Copa do Mundo e me perguntavam o que tinha acontecido com a seleção, falavam de jogadores como Ronaldo e do jiu-jitsu brasileiro, já que a luta é muito forte naquela região”, relata.

Crianças de diferentes etnias em volta da bicicleta do turista jaraguaense | Foto: Charles Zimmermann Arquivo Pessoal

Nas noites em que não acampava, Zimmermann dormia em casas de famílias locais. “Era época dos filhos estarem na capital estudando, e como eles falavam inglês, me convidavam para ficar na casa deles. Não tive dificuldade para arrumar abrigo”, completa.

O escritor acredita que deveria ter praticado mais o idioma russo antes da viagem porque a maioria dos moradores não conversava em inglês.

“Cheguei falando 40 palavras em russo, mas tinha que ter treinado mais as frases básicas que as famílias me perguntavam, como de onde era, o que estava fazendo ali”, pontua.

Zimmermann carregava consigo um livro com imagens para facilitar a conversação, além de usar o tradutor do celular em algumas situações e até a mímica.

Mulher na cidade de Murghab, no Tajiquistão | Foto: Charles Zimmermann Arquivo Pessoal

Nos pontos mais íngremes da pedalada, ele também foi agraciado por caronas dos conterrâneos. “Não sou sedentário, tenho uma rotina de atividades físicas, mas em alguns trechos as subidas eram muito difíceis. As montanhas são bem altas e belas”, destaca.

Lago na fronteira do Cazaquistão com Quirguistão | Foto: Charles Zimmermann Arquivo Pessoal

Ataque a turistas

Enquanto estava viajando pelos países, Zimmermann soube de um atentado a ciclistas estrangeiros que estavam passando pelo Tajiquistão, lugar onde ele pretendia visitar nos próximos dias.

No ataque, morreu um casal de americanos, um turista holandês e um suíço. Em uma parte do trajeto, o grupo foi atingido intencionalmente por um veículo em que estavam vários jovens que disseram ser ligados ao Estado Islâmico. Após o atropelamento, eles esfaquearam as vítimas.

“Amigos e familiares entraram em contato comigo para saber se estava tudo bem. O fato deu uma desmotivada. Cheguei a passar pelo local do atentado, mas de carro”, comenta.

Homens conversando em Osh, no Quirguistão | Foto: Charles Zimmermann Arquivo Pessoal

Segundo ele, muitos jovens pobres acabam sendo recrutados por esses grupos terroristas. “É uma região de pouca oportunidade. A mulher, quando casa, trabalha como escrava da família, mas no geral vai ter uma vida tranquila. O homem precisa pagar pelo dote dessa mulher, e muitos que não conseguem vão para este lado”, explica Zimmermann.

O escritor passou por mais um local de conflito, a cidade de Osh, no Quirguistão, que já foi cenário de guerra civil, mas no momento não existem conflitos.

“O pessoal anda armado, é um vale rodeado de montanhas. Mas em nenhum momento me senti inseguro”, afirma.

Vodka e muitas carnes na gastronomia local

Nos países em que Charles Zimmermann esteve, come-se muitos peixes, principalmente tilápias importadas da China e outras espécias defumadas.

“A carne é outra comida que não falta. Em muitos locais, eles cozinham a carne com sal a noite e de manhã oferecem ela fria com o chá da Índia. É uma carne com bastante gordura. Tem bastante ovelha também”, relata.

No Tajiquistão, onde a influência persa é maior, o café da manhã é com mingau. O prato mais tradicional entre todos os países visitados é o plov, um risoto de carne de ovelha.

Cada lugar tem sua própria receita e particularidade, como o acréscimo de cenoura, açafrão e cardamomo.

Vendedora de pães em Osh, no Quirguistão | Foto: Charles Zimmermann Arquivo Pessoal

Na parte das bebidas, uma das mais exóticas é o leite de égua fermentado com sal. Já para tomar a típica vodka, há um ritual: “tem que levantar o braço e deixar ele reto na altura do ombro, depois mexer apenas a mão para virar”, recorda Zimmermann.

Troca de alfabeto oficial

Uma das coisas que mais chamou a atenção do jaraguaense foi a troca de alfabeto oficial no Cazaquistão, determinada pelo ditador Nursultan Nazarbayev.

“Eles querem se aproximar do Ocidente e se desvincular da Rússia. É um processo difícil, porque tudo terá que ser adaptado”, avalia o escritor.

O país está mudando o atual alfabeto cirílico para outro baseado no latino, que é utilizado para escrever a maior parte das línguas ocidentais. A transição, prevista para ocorrer em etapas até 2025, vai sair caro – o governo estima algo próximo de R$ 2,5 bilhões. No Cazaquistão, as línguas oficiais são o cazaque e o russo.

Meninas tentando se esconder da fotografia | Foto: Charles Zimmermann Arquivo Pessoal

Livro vai ganhar mais um capítulo

O livro que vai reunir algumas aventuras de Charles Zimmermann em diferentes estações vai ficar para o ano que vem. Isto porque, além do capítulo dedicado à Ásia Central, ele planeja percorrer o litoral nordestino de bicicleta.

“Em 2019, lanço dois livros. Agora o cenário econômico também não está muito favorável para isso. Estou acertando outros detalhes de divulgação e ilustração também”, comenta.

Outro plano de Zimmermann é fazer uma exposição de fotografias para mostrar como a bicicleta interfere na rotina de diferentes povos.

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