Em uma cidade moldada pela indústria têxtil, onde o som das máquinas de costura ecoa como parte da rotina, a artista jaraguaense Bina Aparecida, da Cia. Divalhaças, decidiu olhar para além da produção em série. No projeto “Do Ventre à Raiz”, que chega ao público em outubro, ela reuniu histórias de oito costureiras do município para transformar memórias individuais em experiência coletiva, em diálogo com o espetáculo cômico “DVAR”.
A iniciativa nasceu da própria relação de Bina com a costura, transmitida por gerações em sua família. Sua avó, costureira no interior, encontrou na costura um caminho de sobrevivência e também de expressão em uma sociedade que reservava poucas opções para as mulheres. “Meu grande medo era ser costureira. Sempre sonhei em ser artista e conhecer o mundo, mas percebi que uma coisa não anula a outra. Posso costurar e criar, colocando um pouco de mim no mundo”, conta.
Mais que técnica, a costura é apresentada como prática de resistência. Em diferentes momentos históricos, quando as mulheres tiveram o acesso ao trabalho formal restringido, a agulha serviu como porta de entrada para a autonomia financeira e para a afirmação de identidades. Em Jaraguá do Sul, essa prática ganha ainda mais relevância por ser parte do motor econômico da cidade.
“Fala-se muito sobre os produtos que saem daqui, mas pouco sobre a vida das mulheres por trás de cada máquina. Esse projeto é sobre valorizá-las”, explica a artista.
Para Bina, contar essas histórias é também um gesto de reposicionar o olhar sobre a cidade: enxergar a potência das pessoas que constroem, com trabalho manual, parte fundamental de sua identidade cultural e social.

Entre xícaras de café e tecidos espalhados, surgiram confidências sobre sonhos interrompidos, desejos adiados e a marca constante do silenciamento | Foto: divulgação
Da escuta à arte
A pesquisa buscou diversidade. Foram entrevistadas mulheres de diferentes idades e contextos: da costureira mais jovem em início de carreira à mais velha ainda em atividade. Muitas delas vieram do círculo íntimo da artista – vizinhas, amigas, parentes. “Achei importante dar voz a quem está ao nosso redor e raramente é escutada”, explica.
Nos encontros, entre xícaras de café e tecidos espalhados, surgiram confidências. Sonhos interrompidos, desejos adiados e a marca constante do silenciamento.
A generosidade em partilhar suas histórias foi outro ponto que emocionou a artista. “Todas se abriram com coragem. Ali percebi o poder da prosa, que também estrutura o espetáculo”, diz. Para Bina, ouvir essas histórias foi como mergulhar em um universo que não era apenas das entrevistadas, mas que refletia também suas próprias inquietações.
A partir das narrativas, o projeto DVAR transformou memórias em símbolos. Tecidos, objetos e imagens compõem uma exposição interativa que se conecta diretamente ao espetáculo. No palco, a palhaça Rouse Lopes, protagonizada por Bina, abre espaço para a vulnerabilidade e compartilha sua própria história, incluindo a lembrança da avó costureira.
A exposição, ao lado da performance, propõe um espaço de reflexão e cura, onde dores individuais se revelam como parte de uma experiência coletiva. Ao costurar memórias e dar corpo às vozes femininas, o projeto reafirma a costura como símbolo de criatividade. Para Bina, cada relato foi uma forma de se reconhecer e reconhecer sua ancestralidade. “Percebi que muitas dores que carrego não são só minhas. São parte de uma história maior, que precisa ser contada”, conclui.
Exposição e espetáculo
O público poderá conhecer o resultado desse mergulho nos dias 15, 16 e 17 de outubro, em três espaços culturais de Jaraguá do Sul: Centro de Artes Integradas (CAI), CEU das Artes e Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Sempre com a abertura da exposição, seguida pela apresentação de “DVAR”.
Realizado com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), por meio da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer de Jaraguá do Sul, com apoio do Ministério da Cultura e do Governo Federal, o projeto busca valorizar não apenas a arte, mas também a força de trabalho invisibilizada no dia a dia.
Serviço:
O que? Espetáculo e exposição DVAR – Do Ventre à Raiz
Quanto? Entrada gratuita
Quando e onde? 15/10 – Quarta-feira
Local: CAI – Centro de Artes Integradas
Endereço: Rua Reinoldo Rau, 289 – Centro – Jaraguá do Sul
Horário: Exposição: 19h | Espetáculo: 20h
Ingressos gratuitos: sympla.com.br/evento/dvar-do-ventre-a-raiz/3136775
16/10 – Quinta-feira
Local: CEU – Centro de Artes e Esportes Unificados Mestre Manequinha
Rua Adão Noroschny, 516 – Vila Lenzi, Jaraguá do Sul
Horário: Exposição: 19h | Espetáculo: 20h
Ingressos gratuitos: sympla.com.br/evento/dvar-do-ventre-a-raiz/3136862
17/10 – Sexta-feira
Local: IFSC – Câmpus Jaraguá do Sul
Av. Getúlio Vargas, 830 – Centro, Jaraguá do Sul
Horário: Exposição: 18h30 | Espetáculo: 19h30
Ingressos: sympla.com.br/evento/dvar-do-ventre-a-raiz/3136842