ATUALIZADA: A seleta turma que tem mais de um século conta como é a vida depois dos cem

Foto Eduardo Montecino/OCP

Por: OCP News Jaraguá do Sul

08/10/2017 - 13:10 - Atualizada em: 09/10/2017 - 09:27

Completar um século de vida pode parecer uma realidade pouco provável para muitas pessoas, mas para uma boa parcela da população catarinense e no mínimo quatro pessoas da região, não é. Na cidade que já teve a mulher considerada mais idosa do Brasil, a supercentenária Álida Grubba, morta no ano passado, aos 113 anos, Wladislawa Beiger Gramm, Maria e Antônio Schmitt fazem parte de uma faixa etária populacional que duplicou em Santa Catarina nos últimos sete anos. Com cem anos, mais ou acima dos 90, eles vivem em meio a evoluções tecnológicas e já presenciaram momentos importantes da história do país, tudo isso sem perder a alegria e a felicidade a cada ano alcançado.

De acordo com o censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, levantamento mais recente, 405 pessoas de Santa Catarina tinham cem anos ou mais e outras 9.580 estavam acima dos 90 anos. Apesar de serem poucos comparado ao total populacional, esse número vem aumentando. Em estimativa divulgada em agosto deste ano pelo IBGE, as pessoas com 90 anos ou mais somaram cerca de 20,3 mil moradores de Santa Catarina. Quando comparado aos números de sete anos atrás, esse número representou um aumento cerca de mais de 100%.

Mas o que representa chegar aos cem anos? Para as duas corupaenses e os irmãos de Jaraguá do Sul, respectivamente, ouvidos pela reportagem, significa a chance de viver mais ao lado dos familiares e aprender. Em comum, eles têm as dificuldades que o avançar dos três dígitos trazem – seja o esquecimento, a saúde fragilizada ou os movimentos debilitados –, mas também a alegria de quem está tendo a oportunidade de fazer parte da história por muito mais tempo. Segredo para isso eles garantem que não existe, apesar de reforçarem que é preciso ter uma vida saudável ou até mesmo beber um “cálice de cachaça com alecrim” por dia.

Entre os personagens para esta reportagem está Hertha Strelow Ponath, que foi entrevistada na segunda-feira (2). Infelizmente, somente depois da publicação da reportagem fomos informados de que ela morreu na quinta-feira (5), aos cem anos. Mas em homenagem à alegria de viver e sede de aprender sempre que ela demonstrou na entrevista, e aos dois filhos, noras, 17 netos, 24 bisnetos, sete tataranetos e centenas de amigos que ela deixou, decidimos reproduzir sua entrevista e seu sorriso.

“Ainda não posso partir porque não vi tudo, não fiz tudo
e não aprendi tudo”, dizia Hertha, três dias antes de morrer

A vontade de viver e conhecer aquilo que a vida tem a oferecer é o que alimenta o espírito jovem de Hertha Ponath, que morreu na quinta-feira (5), três dias depois desta entrevista. Aos cem anos de idade, completados no último dia 26 de setembro, ela encara a vida com muita felicidade e com uma certeza: “Ainda não posso partir porque não vi tudo, não fiz tudo e não aprendi tudo”.

Com cerca de 1,40 metro de altura e pesando 35 quilos, a aposentada surpreende a quem está a seu redor.  Pode parecer frágil, mas tem uma força indescritível. No dia em que recebeu a equipe do OCP estava acamada, o pulmão está mais fraco e requer alguns cuidados, mas ela não quis mudar a data da entrevista. Bastou a conversa começar para que ela começasse a falar em alemão, único idioma que domina, as “dores e delícias” de chegar ao centenário.

Hertha recorda com alegria da festa do seu centenário, onde dançou valsa e reuniu mais de 200 pessoas | Foto Eduardo Montecino/OCP

Garante que tem boa saúde, anda sozinha pela casa e adora ler, pena que os olhos já estão mais fracos, mas o que a deixou acamada foi a farra do dia anterior: comemorou a idade nova rodeada por amigos e familiares, somando mais de 200 pessoas, durante todo o dia. Até a valsa dançou. “Nunca na minha vida passei por algo assim, tão especial. Toda a minha família estava comigo, foi lindo”, contou.

Para ela, o fato de chegar aos cem anos se deve mesmo à vontade de viver e a vida pesada que teve. E claro, ao pequeno cálice de pinga com alecrim que tomou todos os dias durante cerca de 50. “Ele foi meu único remédio na vida”, brinca. “Vida boa eu nunca tive, sempre tive uma vida sofrida e trabalhada para criar os filhos, depois ajudar a criar netos, bisnetos e até trinetos”, diz.

Quando nova, ela fazia todos os serviços da casa durante à noite para no outro dia poder acordar cedo e ajudar o marido na lavoura. Além disso, ainda tirava tempo para ler pilhas e pilhas de livros em alemão. “Quem quer viver tanto assim não tem que fumar, não usar drogas e se alimentar bem, foi o que eu fiz e o que me deu forças para aguentar o dia seguinte”, finaliza Hertha.

 

Hertha Ponath com a cuidadora que a acompanhou até os últimos momentos: uma cachacinha| Foto Eduardo Montecino/OCP

É preciso adotar hábitos saudáveis

para ter qualidade de vida, diz especialista

Para quem está pensando em chegar ao centenário, uma atitude incontestável é cuidar da saúde. Conforme a médica geriatra, Karin Grünsch Schützler da Silva, é muito difícil que uma pessoa que cometeu abusos na alimentação, bebidas alcoólicas e utilizou drogas chegue à essa idade. “A saúde é como uma poupança, você precisa depositar saúde ao longo de sua vida. Precisamos ter hábitos os mais saudáveis possíveis ao longo de uma vida para chegarmos bem a velhice, claro que existem exceções mas estes não são a regra”, defende.

Segundo a geriatra, o maior problema das pessoas é não refletir antes de alcançar a terceira idade. “Devemos ter consciência que o envelhecimento acontece ao longo dos anos e cada um tem um ritmo de envelhecimento. Quando um idoso de 85 anos, hoje chamados super idosos, nos procura temos muitas coisas para cuidar, mas pouco para prevenir. O ideal é termos a consciência de procurar um profissional e prevenir as doenças, isto é, conhecer suas causas e riscos e saber evitá-las”, afirma.

Geriatra Karin Grünsch Schützler da Silva | Foto Reprodução Facebook/OCP

A geriatra explica ainda que hoje é possível conhecer a história clínica dos pais – segundo ela, herdamos em torno de 30% da genética deles – e assim diagnosticar a probabilidade de “herdar” doenças. “Então, envelhecer é uma bênção. Talvez não seja a melhor das idades mas com sabedoria podemos fazer desta fase uma das melhores. O ideal é manter o máximo possível a mente e corpo saudáveis e viver intensamente cada dia”, completa.

Controlar o estresse, explica a médica, atividades físicas e de lazer, e fazer exames periódicos de saúde, sem abusar de remédios, são pontos que podem contribuir para a longevidade. “É viver a vida da melhor maneira possível. Esqueça a fonte da eterna juventude e procure se manter jovem por dentro porque é isso que realmente importa”, finaliza.

 

Três anos depois dos cem

Os cabelos em um tom marrom acinzentado nem de longe entregam a idade que dona Wladislawa Beiger Gramm tem. De sorriso fácil e sempre muito alegre, principalmente quando recebe visitas, ela é a mulher mais idosa de Corupá: tem 103 anos. Idade essa que pode ser percebida pela fragilidade dos movimentos, há mais de sete anos está na cadeira de rodas, e da fala que é um pouco mais fraca e confusa, mas não impede que ela viva dias de muita felicidade.

Descendente de poloneses, ainda tão afiada no idioma que até arrisca umas canções, ela passa boa parte do seu dia na companhia de Sônia Richs, sua cuidadora, e da Pretinha, cadela que há sete anos mora em sua casa. É o animal quem acorda todos os dias a aposentada, que adora a companheirinha. “Sou eu quem cuido delas também. Fazer muita coisa eu não faço, só tomo conta da casa e mando mesmo”, admite aos risos.

Wladislawa Beiger Gramm  é a mulher mais idosa de Corupá: tem 103 anos | Foto Eduardo Montecino/OCP

Acostumada desde nova ao trabalho pesado na roça, ela já viveu de um tudo: ajudou os pais, criou os três filhos ao lado do marido já falecido, fez muitas receitas e até produziu licores. Hoje o tempo pesa no dia a dia dela que prefere ouvir músicas, assistir televisão e conversar. “Tem dias que me sinto bem forte, mas quase sempre estou bem porque agora só fico cuidando das coisas e não tenho muito trabalho”, conta.

A parceria nos cuidados é dividida com Sônia, cuidadora que fica com Wladislawa todos os dias. Além dela, uma das filhas de Wadja, como é chamada, e a bisneta Mariane vão na casa da idosa diariamente. “A Mariane mesmo não passa um dia sem vir aqui, é muito apegada à avó. É ela quem dá banho e leva para passear”, afirma Sônia. Passeios esses que a idosa só aceita na companhia da bisneta, é difícil ela querer sair de casa. O mais recente deles foi uma volta na praia, mas só para olhar para o mar, nada de colocar os pés na areia nem se molhar.

Wladislawa Beiger Gramm passa boa parte do seu dia na companhia de Sônia Richs, sua cuidadora | Foto Eduardo Montecino/OCP

Quanto à saúde, dona Wladislawa diz não ter do que reclamar. Já tem sinais de Alzheimer, suas memórias do passado invadem muitas conversas do presente. “Volta e meia ela dá umas tossidas, mas aí eu já sei que ela quer uma colher de Melagrião, não fica sem”, entrega a cuidadora.

Às vezes um pouco teimosa, dona Wladislawa sempre sabe muito bem o que quer. Sabe que a idade lhe põe limites, mas busca outras formas para encarar isso: com alegria e sempre se divertindo. Agora, segue o desafio de deixar o cabelo crescer para voltar a fazer tranças. Afinal de contas, a idade não afetou nenhum pouco sua vaidade e ela diz que merece estar com os cabelos sempre bonitos.

Cem anos de muitas histórias e tranquilidade

Se a memória falhar, com certeza os porta-retratos espalhados pelas paredes da casa ajudam as lembranças voltarem à mente. Com mais de 36,7 mil dias riscados do calendário, a aposentada Maria Schmitt Gascho dá um drible na idade e esbanja uma boa vida. Apesar de estar na cadeira de rodas e “um pouco fraca”, ela resiste ao peso dos anos e dá orgulho à família ao chegar aos cem anos de idade – daqui a três meses completa 101 anos.

Maria Schmitt Gascho completará 101 anos daqui a três meses | Foto Eduardo Montecino/OCP

Acostumada desde nova ao trabalho doméstico e às costuras, uma das coisas que mais sente falta, ela teve que aprender a deixar esses afazeres de lado com o passar da idade. Hoje tem uma rotina totalmente diferente do que tinha antigamente. Diariamente, ao acordar, lê o jornal O Correio do Povo, assiste televisão e passa boa parte do tempo conversando com suas cuidadoras. E no café da manhã não pode faltar uma banana, fruta que gosta de comer todos os dias.

Apesar de ser uma mulher de poucas palavras, dona Maria, mãe de nove filhos, diz que é muito difícil existir um segredo para chegar ao centenário. “Isso eu não esperava, sempre levei uma vida normal e acho que não tem explicação”, conta. Para ela, é uma alegria poder ver o crescimento da família. “É muito bonito, eles sempre são muito contentes e dizem ‘mamãe, fica sempre de saúde’ para continuar aqui”, conta. A saúde, segundo ela, é o que gere tudo: ela sempre teve hábitos saudáveis e se alimenta bem.

Segundo sua cuidadora, Sirlei Lisboa, que há dois anos acompanha a “oma”, Maria é bem tranquila e tem boa saúde, apesar de já sofrer um pouco de Alzheimer. “Não imaginava que iria cuidar de uma pessoa já com cem anos e muito bem, assim como ela está. Ela é um exemplo para muitos”, diz. Todos os dias, dona Maria também gosta de passear no jardim para ver suas flores e tomar um sol. Além é claro, de curtir os momentos quando os filhos e netos vão visitá-la.

Irmão próximo ao centenário

Se não há um segredo para chegar aos cem anos, talvez a genética explique no caso de Maria Schmitt Gascho. Além dela, seu irmão está perto de chegar aos cem anos: em novembro, Antonio Schmitt completa um século de vida. Sempre muito bem-humorado, ele é muito ativo: toca bandoneon, sempre caminha e não perde um encontro do Clube dos Idosos, onde se diverte dançando e conversando.

Ao menos uma vez por mês ele vai até a casa da irmã para colocar o papo em dia. E basta os dois sentarem juntos para que o passado tome conta da conversa e as lembranças venham à tona. Se deixar, eles vão das brincadeiras na infância aos bailes e domingueiras que iam juntos, sem esquecer dos dias em que ela tocava piano e ele bandoneon nos aniversários de seu pai, durante horas de conversa. “Gostamos de falar de um tudo, de lembrar das coisas do passado, das brincadeiras e o que já vivemos”, conta seu Antonio.

Irmãos de Jaraguá do Sul, Antonio Schmitt e Maria Schmitt Gascho mostram foto da família | Foto Eduardo Montecino

Quando a memória de um escapa, o outro logo completa as peripécias que faziam na casa da família Schmitt. “Me sinto normal, bem feliz e nem parece que vou fazer cem anos. Eu ainda danço, toco, vou toda semana no clube dos idosos”, relembra. Os dois acreditam que até a maneira alegre com a qual encaram a vida contribui para continuarem vivos. “A gente não tem brigas, se dá bem com todo mundo e se diverte”, diz Antonio. E quando questionados qual conselho deixam para quem quiser chegar ao centenário, ele é categórico: “Tem que fazer dieta e não comer demais. Encher a barriga muito à noite não presta”.

“Tem que fazer dieta e não comer demais”, aconselha Antonio Schmitt para quem quiser chegar ao centenário | Foto Eduardo Montecino/OCP