Em tempos de juros altos e mercado volátil, calcular o valor de uma empresa com precisão se tornou um desafio ainda maior. A definição da taxa de desconto, etapa essencial no método de valuation conhecido como Fluxo de Caixa Descontado (FCD), é hoje um dos pontos mais sensíveis e decisivos em uma avaliação empresarial.
“Avaliar uma empresa é tanto ciência quanto arte. De um lado, aplicam-se métodos técnicos reconhecidos por acadêmicos e profissionais. De outro, exige-se sensibilidade para adaptar os números à realidade do mercado”, afirma João Victor da Silva, economista e analista de mercado da Orsitec.
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Segundo o especialista, um dos elementos mais sensíveis no método do FCD — o mais usado para estimar o valor intrínseco de uma empresa — é a definição da taxa de desconto. Essa taxa tem um papel fundamental na análise de uma empresa, pois ela agrega dois conceitos poderosos: o valor do dinheiro no tempo e o risco de investimento. Quanto maior o risco percebido ou mais escasso o acesso ao capital, maior a taxa — e menor o valor da empresa. “Um pequeno ajuste pode representar milhões de reais de diferença no resultado final”, reforça João Victor.
A importância do modelo certo
O modelo mais tradicional, o Fluxo de Caixa Descontado para Empresa, cujo fator de desconto é o WACC (custo médio ponderado de capital), é ideal para empresas que possuem um alvo para sua estrutura de capital.
Mas, quando a estrutura de capital é instável — com variação constante entre capital próprio e financiamentos —, o mais adequado pode ser o modelo APV (Valor Presente Ajustado), que utiliza o custo do capital próprio desalavancado como fator de desconto, portanto, desconsiderando a estrutura de capital para o cálculo de avaliação da emepresa.
Além disso, é necessário definir a moeda (real ou dólar) e o tipo de taxa usada (nominal ou real). “Essas escolhas precisam refletir onde a empresa opera e como ela se financia. Não existe uma fórmula universal”, diz o especialista.
Taxas em alta no Brasil elevam complexidade do cálculo
O cenário atual impõe desafios adicionais. Com a taxa básica de juros ainda elevada e o risco fiscal pressionando o mercado, muitas empresas brasileiras enfrentam um aumento real nas taxas de desconto usadas em avaliações. Segundo levantamento da consultoria Valuup, a taxa média de desconto subiu de 8,6% para 12,3% ao ano nos últimos meses, acompanhando a valorização das LTNs (Letras do Tesouro Nacional).
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“Em um cenário de juros altos e desconfiança fiscal, como o que vivemos hoje, é natural que as taxas de desconto subam. Isso reduz o valor das empresas mesmo quando seus fundamentos continuam sólidos. É preciso mais critério e transparência nos processos de valuation”, avalia o analista da Orsitec.
Cálculos técnicos, escolhas estratégicas
O WACC é estimado a partir do custo da dívida e do capital próprio. Este último é calculado usando o modelo CAPM, que considera três fatores: a taxa livre de risco, o prêmio de risco do mercado e o beta (medida de sensibilidade ao mercado).
Mas cada elemento exige atenção. A taxa livre de risco ideal seria a dos títulos públicos do país onde a empresa opera. No Brasil, porém, esses títulos já embutem risco. Por isso, muitos profissionais usam os Treasuries americanos como referência, adicionando um prêmio de risco-país e a expectativa da diferença de inflação entre Brasil e Estados Unidos. E mesmo isso exige cuidado:
“É um erro comum usar títulos americanos com cupons. O mais adequado são os papéis zero cupom, que não geram risco de reinvestimento”, explica João Victor.
Para empresas privadas, o beta precisa ser construído com base em empresas comparáveis e ajustado à realidade da avaliada. Já o prêmio de risco do mercado pode ser estimado com base em dados históricos ou expectativas futuras, e deve ser coerente com o momento econômico e o tipo de negócio.
Além disso, é comum aplicar prêmios adicionais quando a empresa tem baixa liquidez, é de pequeno porte ou possui falhas de governança. Esses ajustes aumentam a taxa final e, consequentemente, reduzem o valuation.
O custo da dívida também precisa de atenção
Outro erro recorrente, segundo o economista, é considerar apenas contratos antigos com juros defasados. “O custo da dívida deve refletir as condições atuais do mercado. Se a empresa captou crédito barato há anos, esse dado precisa ser atualizado, senão o valuation ficará superestimado”, reforça João Victor.
Quando há títulos da dívida negociados no mercado, o yield atual pode servir de base. Caso contrário, pode-se um custo sintético: soma-se um spread de risco à taxa livre de risco, com base nos indicadores financeiros da empresa.
Mais que números, uma decisão estratégica
“Valuation não é só fórmula. É sensibilidade, contexto e responsabilidade. A taxa de desconto precisa fazer sentido técnico, econômico e estratégico. Num ambiente como o atual, ela pode ser decisiva para fechar — ou perder — um bom negócio”, conclui João Victor da Silva.