A legislação implementada durante a pandemia para permitir a suspensão de contrato de trabalho ou redução de jornada e salário negligenciou abordar como as mudanças afetariam o 13º salário e os períodos de férias – e segundo especialistas consultados pela Folha Press, a situação pode levar a erros e até a judicialização da questão.
O problema vem a tona com a aproximação do pagamento da primeira parcela do 13º, em novembro.
Quem teve o contrato suspenso ou a jornada de trabalho e salário reduzidos mantém o direito ao pagamento, mas, em alguns casos, o cálculo poderá ser diferente – e não há consenso sobre como isso deve ocorrer.
Segundo jurisprudência consolidada no TST (Tribunal Superior do Trabalho), o 13º salário é proporcional à quantidade de meses trabalhados no ano.
Ou seja, quem trabalhou menos de 12 meses terá direito a um valor inferior ao integral —caso de quem teve o contrato suspenso por um mês ou mais.
A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia diz entender que a lei por meio da qual o benefício emergencial foi criado não muda a forma de cálculo das verbas trabalhistas.
No entanto, o governo diz estar em contato com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para que haja uma orientação uniforme sobre o tema.
O Ministério Público Trabalho também está estudando a possibilidade de emitir, nas próximas semanas, uma Nota Técnica sobre o tema, de modo a promover maior segurança jurídica.
A advogada Carolina Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer, diz que, uma vez que a lei não trata do assunto, deve-se aplicar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que proíbe a redução do valor do 13º.
Nesse sentido, se aplicaria a irredutibilidade do abono de Natal. “Se você não pode negociar nem como sindicato, quem dirá individualmente”, afirma.
Para ela, a redução salarial tem caráter temporário e, portanto, mesmo que no momento do cálculo a remuneração esteja reduzida, o abono vai considerar o valor nominal integral do salário.
Priscila Novis Kirchhoff, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, diz que a lei não reduziu direitos dos trabalhadores, mas criou meio de os empregos serem mantidos na vigência do decreto de calamidade pública.
Por isso, afirma, o salário intergal continua valendo e é sobre ele que o cálculo do 13º salário deve ser feito nos casos em que a empresa aplicou a redução de salário e jornada.
“Férias e 13º, você vai considerar o salário original. Se você fizer isso [calcular sobre o valor reduzido], estará prejudicando o empregado”, diz. “Em que pese eu acreditar que há empresas que tentarão usar desse artifício para pagar menos, não acho adequado.”
Já Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, considera que o 13º deve ser calculado com base no salário do mês de pagamento. Portanto, quem estiver com contrato reduzido em dezembro deveria receber o abono calculado sobre esse valor.
Além da divergências, há dúvidas quanto à inclusão ou não do benefício pago pelo governo como complemento ao salário reduzido. Segundo o sistema de acompanhamento do BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda) disponibilizado pelo Ministério da Economia, de 1º de abril até a última sexta-feira (2), 18.494.278 acordos foram firmados entre empresas e trabalhadores para que essas regras fossem aplicadas.
Esclareça algumas dúvidas sobre a relação entre a suspensão/redução do contrato e o 13º
Se o contrato estiver suspenso em dezembro, terei direito ao 13º?
Sim. O direito ao abono não deixa de existir porque o contrato está suspenso, mas o cálculo será proporcional aos meses em que o empregado efetivamente trabalhou.
O contrato foi suspenso por dois meses, mas o funcionário já voltou ao trabalho. Como será o cálculo do abono?
O valor do 13º vai considerar o salário do contrato, mas o abono vai considerar o período de dez meses. Se o salário era R$ 6.000, o 13ª será R$ R$ 5.000.
O funcionário saiu de férias em março e, na época, recebeu a primeira parte do 13º, calculado sobre o ano todo. Em dezembro, porém, ele terá acumulado quatro meses de contrato suspenso. Como será essa conta?
A empresa vai descontar a primeira parcela considerando o novo valor do 13º, que não será mais calculado sobre 12 meses, mas sobre 8.
O acordo redução de salário e jornada foi estendido até dezembro. Sobre qual valor o 13º salário será calculado?
Os especialistas divergem quanto a esse cálculo. Enquanto o Ministério da Economia ou a PGFN não tiverem uma orientação sobre o assunto, caberá às empresas dar a interpretação.
Existem três possibilidades: calcular sobre o salário contratual, sobre o valor reduzido ou sobre a soma do salário reduzido com o benefício complementar pago pelo governo.
O funcionário pode ser demitido enquanto estiver com o contrato suspenso?
Pode, mas empresa precisa revogar o acordo e interromper a suspensão do contrato. Como a lei prevê a garantia de emprego, o funcionário terá direito a uma indenização.
Quando tempo dura a garantia de emprego?
Ela dura durante a suspensão do contrato ou redução do salário e pelo tempo equivalente depois término desse período. Por exemplo, se alguém ficar com o contrato suspenso por 6 meses, a garantia valerá pelo 6 meses seguintes.
Se a empresa tiver acordo individual para redução de jornada e salário por quatro meses, ela pode interromper a aplicação dessa regra? O funcionário pode ser demitido?
Assim como na suspensão do contrato, é necessário cancelar a utilização do programa e pagar a indenização.
Como a indenização é calculada para quem teve o contrato suspenso?
A empresa tem que pagar 100% dos salários que o funcionário receberia nos meses de garantia de emprego. Se a suspensão foi por 6 meses, serão 6 salários.
Como a indenização é calculada para quem teve o salário reduzido?
O pagamento será pelo número de meses em que regra foi calculada, mas o percentual varia de acordo com a redução usada pela empresa.
Quem teve o corte entre 25% e 50%, receberá 50% do que teria direito durante a garantia. Se a redução foi entre 50% e 70%, receberá 75%.
No casos de redução acima de 70%, o trabalhador receberá 100% do valor do salário a que teria direito se o período de estabilidade fosse respeitado.
Sobre qual salário será calculada a indenização?
A lei diz que o trabalhador receberá o salário a que teria direito na garantia de emprego, portanto, o valor integral. Mas há quem interprete que a indenização pode ser calculada sobre o valor reduzido.
Se a indenização não for calculada corretamente, o que o trabalhador pode fazer?
Primeiro ele poderá tentar conversar com a empresa. Se não houver acordo, o sindicato da categoria e o Ministério Público do Trabalho podem ser acionados.
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